'Crise mostra que neoliberalismo não serve para pessoas, mas para negócios'

A paralisação da economia do país em decorrência do movimento dos caminhoneiros mostra de maneira didática até que ponto podem chegar as consequências de políticas neoliberais, adotadas pelo governo Temer e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, cuja indicação é atribuída ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "O que acontece com o petróleo hoje é a maior lição que se deu de que o neoliberalismo não serve para as pessoas, mas para negócios. Temos uma agenda neoliberal extremada e isso escancarou o que a sociedade não quer", diz o assessor especial do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Cândido Grzybowski.

Por Eduardo Maretti, na RBA

posto caminhoneiros - Agência Brasil

Ele não acredita nas previsões do governo de que o problema do desabastecimento causado pela greve, ou locaute, desencadeado a partir da explosão dos preços dos combustíveis, seja resolvido em poucos dias. "Há caminhões escoltados começando a andar com combustível. Mas ocorreu uma desestruturação na produção, inclusive."

Nesse sentido, mesmo com os caminhões liberados para fazer a distribuição dos gêneros e produtos de todo tipo, não há como resolver problemas de alimentos perecíveis como o do leite, por exemplo. Produtores descartaram milhões de litros desde o início da crise. "Não é só distribuição, pois afetou a produção. Com a carne de frango acontece a mesma coisa. Terá estoque para abastecer o mercado?", questiona o sociólogo. Ele lembra que o frango é importante hoje no prato do brasileiro, já que é a carne mais barata.

Para o analista, o fato de grandes empresários estarem extremamente contrariados com os prejuízos e a paralisia dos negócios não disfarça sua responsabilidade sobre o caos, já que ajudaram a patrocinar o golpe que derrubou Dilma Rousseff. "O prejuízo é grande, mas o prejuízo maior é para a população, que já está sem emprego, a fome voltando, e agora mais essa crise."

Grzybowski lembra que a política que atrelou o preço dos combustíveis ao preço internacional do barril de petróleo – que desencadeou a atual situação – é consequência direta do golpe parlamentar de 2016, que desvirtuou completamente o papel de uma estatal da importância e tamanho da Petrobras.

"Para que existe uma estatal? A Petrobras, como patrimônio da sociedade brasileira, teria a função de ser uma espécie de mola para segurar o impacto do mercado e de uma geopolítica de disputa de recursos naturais num panorama mundial de imperialismos, no caso, o imperialismo americano que se vê ameaçado pelo imperialismo chinês", avalia.

Especulações

Em meio ao caos, especulações são alimentadas pelo desânimo dos grandes empresários, que estão "desconsolados". Temer poderia estar prestes a cair.

Em evento do jornal Valor Econômico na segunda-feira (28), com a presença de dezenas deles, o clima estava pesado. O presidente da Suzano Papel e Celulose, Walter Schalka, pintou um retrato sombrio da conjuntura atual, dizendo que a crise desencadeada pelos caminhoneiros afetará o PIB de 2018 em um ponto percentual. "A economia parou", disse.

No mesmo dia, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, colocou mais lenha na fogueira das especulações ao dizer que as eleições de outubro correm risco. "[A greve] acendeu um sinal quanto à própria realização das eleições", afirmou. "Se um movimento semelhante ocorrer em outubro, pode afetar a distribuição de urnas eletrônicas e a locomoção de pessoas."

Por sua vez, a presidenta do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, pautou ação que questiona se o Congresso pode instituir o parlamentarismo por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). O julgamento será em 20 de junho.

Na noite desta terça-feira (29), o TSE rejeitou decidir se um réu objeto de ação penal pode ser candidato à presidência da República. Ao entender que não cabe ao TSE decidir sobre a matéria, os ministros preferiram lavar as mãos e, com isso, evitaram impedir no tribunal as candidaturas tanto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que responde a duas ações penais no STF.

A crise política e econômica, de proporções inimagináveis até dez dias atrás, coloca o país em uma situação comparável simbolicamente a um "incêndio com muita fumaça". "Quem vai sair vivo disso é difícil dizer", diz Grzybowski.

Para ele, dada a proporção da crise, a eleição corre risco. "Temer, mais dia, menos dia, vai cair mesmo, e pode ir direto para a prisão. Essa é uma variável. Ou vão conseguir uma embaixada para ele poder sair do país?" Uma solução de interesse nacional exigiria "prudência de todos os atores, porque só se vai evitar o pior através de uma espécie de pacto", acredita.

Por esse pacto, as forças políticas e institucionais precisariam estar de acordo que a melhor saída para todos seria a garantia de que haverá eleição em 2018. "Numa crise assim, só com todo mundo cedendo é possível fazer alguma coisa. Todo mundo concordaria que é melhor garantir eleição, seja quem for o eleito? Soltar o Lula, por exemplo, para que ele dispute e as coisas não piorem ainda mais?", pondera Cândido Grzybowski.