Comprometidos com a paz, saaráuis comemoram aniversário da resistência

No 45º aniversário da resistência saaráui, 20 de maio, a mensagem foi clara. O Marrocos, que ocupa o Saara Ocidental há quatro décadas, não mostra disposição para soluções, enquanto os saaráuis lutam por uma paz justa. Fatigado da espera, a violência da ocupação e a aliança de potências como a França com o regime marroquino mantendo a situação, o povo saaráui está cada vez mais frustrado com a diplomacia.

Por Moara Crivelente*

saaraui - Moara Crivelente

Embaixadores e diplomatas de países amigos e delegados de organizações solidárias, como o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ), assistimos ao desfile cívico-militar e os discursos da liderança da Frente Popular para a Libertação de Saguía el Hamra e Río de Oro (Polisario), além de visitarmos bases militares e exibições sobre a luta pela libertação nacional. As celebrações do aniversário da resistência saaráui aconteceram em Tifariti, parte liberada do território da República Árabe Saaráui Democrática (RASD).

O recado foi de persistente disposição para a paz e a solução diplomática do conflito que se arrasta há 43 anos, baseada no cumprimento da autodeterminação do povo saaráui, mas também de prontidão e dedicação irredutível à luta pela independência, caso persista a negligência internacional de que a população já está esgotada.

Um exemplo do compromisso com a paz deu-se no dia seguinte ao aniversário da decisão pela luta armada, tomada em 20 de maio de 1973, então contra a colonização espanhola. Nesta segunda-feira (21), a Polisario destruiu mais de 2.500 minas terrestres, na sétima fase de um processo iniciado em 2006.

A Frente aderiu em 2005 à Ata de Compromisso do Apelo de Genebra contra as minas antipessoais e bombas de fragmentação, este, inspirado pelo Tratado de Ottawa sobre a Proibição da Produção, Armazenamento, Uso e Distribuição de Minas Antipessoais e sobre sua Destruição, em cujo âmbito a Polisario já submeteu relatórios voluntários.


Embaixadores e diplomatas de diversos países manifestaram seu apoio à RASD nos eventos em Tifariti. Foto: MoaraCrivelente

Por sua vez, como destacou o secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores da RASD Mohamedsalem Hammad, em entrevista concedida ao CEBRAPAZ nesta quarta-feira (23), o Marrocos se recusa a aderir a tais compromissos, mantendo milhões de minas ativas na zona ocupada ou na zona tampão de cinco quilômetros dos dois lados do muro marroquino que separa o território e o povo saaráui, estendendo-se por 2.700 quilômetros.

Hammad fez um importante apanhado da história da luta nacional, começando antes do estabelecimento da Polisario, com o protesto massivo de 1970 contra a administração espanhola e que foi reprimido brutalmente, deixando clara a necessidade de organização da luta. Ele também destacou que, no fim dos anos 1980, a Polisario optou por suspender a luta armada, que havia durado 16 anos, para apostar na diplomacia, uma vez que a Organização da Unidade Africana (atual União Africana) e a própria ONU davam garantias para esta via. Apesar de o processo ainda estar estagnado, 27 anos depois de acordados o cessar-fogo e os pontos para o rumo a seguir na consagração do direito do povo saaráui através do referendo, Hammad afirma que os saaráuis não se arrependem de apostar na paz.

Compromisso com a solução justa e diplomática

A destruição das minas terrestres foi assistida pelas delegações nacionais e estrangeiras presentes, pela Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (Minurso), pelo Serviço das Nações Unidas de Ação de Minas (UNMAS) e pela organização civil Geneva Call (Apelo de Genebra), que monitora o compromisso internacional com a abolição das minas antipessoais. Mais de 17 mil minas removidas por esforço de entidades saaráuis e a britânica Ação contra Violência Armada (AOAV) no território liberado estão sendo destruídas neste processo. No contexto dos eventos, o presidente saaráui enfatizou o compromisso do seu povo e da Polisario com uma via diplomática.


Desfile cívico-militar do aniversário da resistência. Tifariti, Saara Ocidental liberado. 20 de maio de 2018. Foto: Moara Crivelente.

“A Frente Polisario está pronta para se dedicar a negociações diretas com o Marrocos, de boa-fé e sem precondições”, disse Brahim Ghali em Tifariti, que fica na porção do Saara Ocidental liberada durante a confrontação que durou 16 anos. Em um programa de rádio citado pela agência de notícias Sahara Press Service, o ministro da Defesa Abdallah Lahbib também afirmou a soberania saaráui sobre os territórios liberados – asserção que motivou a celebração do aniversário da resistência nesta região. Lahbib afirmou que o Exército Popular Saaráui de Libertação está pronto para defendê-la “e pagar um alto preço para recuperar a soberania do Estado saaráui sobre todo o seu território”.

A RASD foi declarada em 27 de fevereiro de 1976. Reconhecido por mais de 80 países em todo o mundo, o país é hoje presidido por Brahim Ghali, o secretário-geral da Frente Polisario.

A maior parte do seu território e grande parte do seu povo continua enfrentando a ocupação militar, denunciando sistemáticas violações de direitos humanos tornadas política do regime marroquino. Outra parte do povo saaráui segue à espera da descolonização prometida ainda na década de 1960, quando o Saara Ocidental foi identificado como território não-autônomo pendente de descolonização pela ONU, na diáspora ou nos campos de refugiados em Tindouf, Argélia, desde a “Marcha Verde” marroquina que ocupou o território com colonos enquanto a população saaráui era bombardeada com napalm e fósforo branco e expulsa à força. Tratou-se de um genocídio já reconhecido pela corte espanhola (envolvida porque parte das vítimas tinha essa cidadania), mas que segue impune.

“Foi definitivamente o Reino do Marrocos quem violou o direito internacional com sua invasão do Saara Ocidental em 31 de outubro de 1975 e também é o Marrocos quem viola o direito internacional e o direito internacional humanitário ao cometer crimes horrendos contra o povo saaráui, como as valas comuns, massacres, execuções, sequestros, prisões e desaparecimento forçado”, disse Ghali, denunciando o bloqueio dos territórios ocupados e repetidas violações do acordo de cessar-fogo.

Resistência e solidariedade internacional

Na ocasião do aniversário da resistência armada, o presidente da RASD enfatizou as importantes vitórias já alcançadas pelo povo saaráui ao longo da sua luta. Um exemplo apontado em seu discurso foi a recente decisão da Corte Europeia de Justiça, que confirma que o Saara Ocidental não é parte do Marrocos e, por isso, seus recursos não podem ser comercializados sem a anuência do povo saaráui. Trata-se do acordo de pesca entre o Marrocos e a União Europeia, de que as águas saaráuis são grande parte da fonte.

O presidente tratou ainda da Intifada da Independência, lançada em 21 de maio de 2005, “um salto qualitativo na resistência contra o ocupante marroquino devido aos métodos e alcance das suas ações”, assim como a manifestação de Gdeim Izik de 2010 – em que mais de 20 mil pessoas participaram de um acampamento de protesto disperso com brutalidade pela repressão marroquina – e das manifestações de maio de 2013, que deixaram clara a disposição do povo saaráui de seguir resistindo.

Ghali instou a comunidade internacional a intensificar esforços para liberar os prisioneiros políticos saaráuis do cárcere marroquino e apelou ao Marrocos para que se atente ao direito internacional, em prol de uma paz justa e duradoura na região através de negociações, para concluir a descolonização do Saara Ocidental.

Estiveram nos eventos embaixadores e diplomatas da África do Sul, Angola, Argélia, Cuba, Equador, Etiópia, Namíbia, Nigéria, Quênia, Uganda, Vietnã e Zimbábue, assim como delegados de entidades solidárias da Argélia, Brasil, Espanha, Hungria, Itália e Mauritânia. Mais delegações já haviam participado, dias antes, da celebração do aniversário de estabelecimento da própria Frente Polisario, em 10 de maio de 1973.

A mensagem das celebrações é um apelo ao mundo pela solução de uma situação prolongada por ao menos cinco décadas e evidencia a frustração do povo saaráui diante do insuficiente compromisso mundial com a sua justa causa, mas também sua determinação para a resistência e a luta pela independência, contando com o reforço da solidariedade internacional.