Seleção Soviética: duas vezes campeã olímpica no futebol

Na coluna da semana passada, recordamos o triunfo soviético na primeira edição da Eurocopa, em 1960. Mas, quatro anos antes de conquistar a Europa, a seleção soviética de futebol já havia subido ao lugar mais alto do pódio olímpico, ao conquistar a medalha de ouro nos Jogos de Melbourne, em 1956. Feito que viria a ser repetido na última Olimpíada disputada pelo país, em 1988, em Seul. Hoje, vamos falar sobre as duas medalhas de ouro do futebol soviético.

Por Emanuel Leite Jr.*

Futebol urss

A primeira Olimpíada depois da II Guerra Mundial foi disputada em 1948, em Londres. E Stalin estava propenso a enviar uma delegação do país. Contudo, dirigentes esportivos tiveram que reconhecer que não poderiam assegurar uma vitória soviética, e como conta Edelman em “Serious fun: a history of spectator sports in the USSR”, para Stalin a União Soviética não entraria nas disputas internacionais apenas para participar, mas para vencer. Por isso, adiou-se a primeira participação para 1952. De um total de nove participações, os soviéticos ficaram seis vezes no topo do quadro de medalhas (e se considerarmos a Comunidade dos Estados Independentes – basicamente, a ex-União Soviética que competiu sob uma bandeira neutra nos Jogos de 1992 -, são seis vitórias sobre os EUA em nove confrontos).

A participação da seleção de futebol em Helsinque, em 1952, foi humilhante. Não apenas por conta da eliminação precoce na competição, mas, principalmente, por ter sido diante da Iugoslávia. No “Era uma vez na União Soviética” da semana passada, explicamos o contexto geopolítico que justificava a rivalidade entre estas duas nações comunistas. Perder no futebol precisamente para a Iugoslávia na primeira participação olímpica teve repercussões no futebol soviético. Uma história que conto detalhadamente no livro “A história do futebol na União Soviética” (Multifoco Editora).
 
A vingança sobre a Iugoslávia, entretanto, viria de forma saborosa. Primeiro, quatro anos depois do fracasso de Helsinque, nos Jogos de Melbourne. Segundo, na França em 1960, na primeira edição da Eurocopa.
 
1956: o primeiro ouro


Com a União Soviética já vivendo a era Khrushchev, a seleção de futebol daria início à melhor fase de toda sua história. Gavrill Kachalin comandava a equipe que ficou conhecida como “esquadrão científico”. Para chegar aos Jogos Olímpicos, o time comandado por Kachalin teve que encarar Israel por uma vaga no torneio. E venceu com facilidade, atropelando por 5 a 0 no jogo de ida e fazendo 2 a 1 na volta.

Na estreia da Olimpíada, os soviéticos venceram a Alemanha por 2 a 1, com gols de Issaev e do craque Streltsov. Na fase seguinte (já as quartas de final), foi preciso fazer dois jogos contra a Indonésia, pois a equipe não passou do 0 a 0 no primeiro confronto. Na segunda partida, venceu por 4 a 0. Na semifinal, mais um jogo muito complicado, desta vez com a Bulgária. A partida terminou empatada em 0 a 0 e foi para a prorrogação. Os búlgaros ainda abriram o marcador através de Kolev, mas Streltsov e Tatushin marcaram na virada, garantindo a presença soviética na decisão do ouro.
 

Na grande final, pela frente ninguém menos que a Iugoslávia. País comunista, recorde-se, com que a União Soviética tinha relações sempre no fio da navalha e que naquele mesmo ano havia se posicionado contrário à intervenção soviética na Hungria. Segundo a FIFA, mais de 86 mil pessoas assistiram ao confronto no Olympick Park, em Melbourne, mas no site da RSSSF consta um público de 102 mil.  Em campo, uma vitória suada, por 1 a 0 (gol de Ilyin), valeu a medalha dourada no peito dos jogadores soviéticos.

Craque do time campeão olímpico, quando tinha apenas 19 anos, Streltsov não jogou a decisão olímpica, por opção de Kachalin. Seu companheiro de Torpedo, Valentin Ivanov se machucou na semifinal e o treinador preferiu ter uma dupla de ataque do mesmo time e, assim, escalou Nikita Simonyan no lugar de Streltsov. Ao fim do jogo, quando Simonyan foi entregar sua medalha de ouro (apenas quem jogava a final ganhava medalhas) a Streltsov, o atacante recusou e disse ao colega que ainda iria ganhar muitas taças na carreira. As circunstâncias da vida, entretanto, fizeram com que o “Pelé russo” não tivesse mais oportunidades de conquistar títulos internacionais, um drama que conto no livro “A história do futebol na União Soviética”.

 
Ficha técnica
União Soviética 1
Yashin; Bashaskhin, Ogonkov e Kuznetsov; Netto e Maslyonkin; Tatushin, Issaev, Simonyan, Salnikov e Ilyin. Técnico: Gavriil Kachalin.
Iugoslávia 0
Radenkovic; Koscak, Radovic e Santek; Spajic e Krstic; Sekularac, Papec, Antic, Veselinovic e Mujic. Técnico: Milovan Ciric.
Data: 08/12/1956
Estádio: Olympic Park (Melbourne, Austrália)
Público: 86.716
Árbitro: Ron Wright (AUS)
Gol: Ilyin (URSS)

1988: O segundo ouro


Trinta e dois anos se passaram até a União Soviética voltar a subir ao lugar mais alto do pódio olímpico no futebol. Foi em Seul, em 1988. Depois de ficar num grupo com os donos da casa – Coreia do Sul -, Argentina e o grande antagonista ideológico, Estados Unidos, os soviéticos passaram em primeiro lugar, com duas vitórias e um empate.
 
No mata-mata, seguiram-se Austrália, 3 a 0, e Itália, 3 a 2, após prorrogação. Assegurada a vaga na final, o time soviético tinha pela frente a Seleção Brasileira, de um tal de Romário que já encantava o mundo com suas arrancadas espetaculares, seus dribles fantásticos e sua capacidade de finalização muito acima da média. Além do baixinho, o Brasil também tinha Taffarel, Jorginho, Bebeto e Mazinho, todos que viriam a conquistar o tetrcampeonato mundial em 1994.

 
Na imagem acima, o atacante brasileiro João Paulo disputa bola com atleta soviético Mikhailichenko
O estádio Olímpico de Seul estava lotado – 75 mil pessoas – e a expectativa era pelo ouro brasileiro. E tudo parecia caminhar para a confirmação do favoritismo quando Romário abriu o placar aos 29 minutos do primeiro tempo. Na etapa complementar, contudo, um vacilo defensivo gerou o pênalti que permitiu o empate por Dobrovolskiy, aos 16 minutos. 
A decisão foi para a prorrogação. André Cruz, tão regular em toda a competição, falhou de forma clamorosa. Savitchev aproveitou e marcou um belo gol, encobrindo Taffarel, sacramentando o bicampeonato olímpico do time soviético.
 
Ficha técnica
União Soviética 2
Kharin; Ketashvili, Yarovenko, Gorlukovich e Losev; Kuznetsov, Dobrovolskiy, Mikhailichenko e Tatarchuk; Liuti (Skliyarov) e Narbekovas (Savitchev). Técnico: Anatoly Bychovets.
Brasil 1
Taffarel; Luis Carlos, Aloisio, Andre Cruz e Jorginho; Andrade, Milton e Neto (Edmar); Careca, Bebeto (Joao Paulo) e Romario. Técnico: Carlos Alberto Silva.
Data: 01/10/1988
Estádio: Estádio Olímpico de Seul (Seul, Coreia do Sul)
Público: 75.000
Árbitro: Gerard Bignet (FRA)
Gols: Dobrovolskiy e Savitchev (URSS); Romário (BRA)