Não caiam nessa, governadores!

A “greve” dos caminhoneiros é rigorosamente legítima pela causa, mas pode ser desastrosa pelos efeitos para a ampla maioria da população brasileira. Não me refiro, que fique claro, aos transtornos decorrentes da paralisação.

Por Charles Alcantara*

Caminhoneiros

A escalada estratosférica dos preços dos combustíveis no Brasil nada tem a ver com a carga tributária – embora esta seja de fato abusiva – e tudo tem a ver com a nova política de preços adotada pelo comando da Petrobras, mercê da flutuação do preço internacional do petróleo que, por sua vez, é ditado pelos interesses de especuladores, além da variação do dólar.

Do dia para noite, depois de dois anos intoxicando a opinião pública com a cantilena da austeridade fiscal como argumento para justificar medidas antipovo, como o teto dos gastos sociais, a reforma trabalhista e a reforma da Previdência, o governo federal arranjou rapidinho quase R$ 5 bilhões para compensar a Petrobras pelos “prejuízos”, com uma trégua de mais 15 dias de congelamento dos preços do óleo diesel.

Mentira!

Os R$ 5 bilhões não se destinam propriamente à Petrobras, mas se prestam – isto, sim – a engordar ainda mais os especuladores que, não satisfeitos com a grana fácil que abocanharam do orçamento federal, agora salivam na direção dos combalidos orçamentos estaduais. Não foi o ICMS, até porque há bastante tempo estabelecido no atual patamar, que provocou a explosão dos preços dos combustíveis, e não será qualquer redução desse imposto, ainda mais de afogadilho e à base de chantagem, que resolverá esse escandaloso aumento.

O que provocou o estouro foi a política adotada por quem preside a Petrobras, que apartou a empresa de qualquer compromisso com o desenvolvimento do Brasil e com os interesses dos seus verdadeiros donos: o povo brasileiro. Fazer um acordo com o governo federal que se restringe a predar ainda mais o orçamento público, sem rever a atual política de preços, resultará em graves perdas para a sociedade brasileira.

Mais do que preciso, é imperioso reduzir a tributação no consumo. Acontece que a redução dos tributos no consumo tem que ser compensada pelo aumento da tributação dos mais ricos. A redução da tributação indireta tem que ser feita simultaneamente com o aumento da tributação direta, especialmente sobre as rendas do capital, que na maior parte estão isentas de qualquer cobrança. É preciso alinhar o modelo tributário brasileiro ao dos países desenvolvidos, que tributam mais a renda e o patrimônio, e menos o consumo.

É preciso que os ricos sejam mais solidários com o país na hora de pagar impostos. O Brasil precisa de uma Reforma Tributária Solidária.

Os governadores não podem ceder a mais esse ataque odioso sobre as finanças estaduais, sob o argumento fraudulento de que reduzir o ICMS sobre os combustíveis conterá a disparada do preço dos combustíveis.

Reduzir o ICMS, nas circunstâncias atuais de asfixia financeira dos estados, só vai aumentar a precariedade dos serviços públicos, piorar as condições de escolas e hospitais, aprofundar o caos da segurança pública, achatar e atrasar ainda mais os salários dos servidores públicos e os proventos dos aposentados, piorar a vida dos mais pobres.

É preciso, isto sim, devolver a Petrobras ao povo e submetê-la, portanto, aos interesses do Brasil e dos brasileiros. Precarizar ainda mais os serviços públicos para manter intactos os ganhos dos especuladores, definitivamente não é a troca que a sociedade brasileira deseja e necessita.

Não caiam nessa, governadores!

Nota final: as aspas à “greve” dos caminhoneiros serão mantidas até que cheguemos ao desfecho dessa crise. Confirmados os termos iniciais das negociações com o governo Temer, esse movimento caminha para ferrar ainda mais o povo brasileiro.