“Vivemos hoje a privatização dos direitos sociais”, diz Marilena Chauí

Num auditório lotado por diferentes gerações, a socióloga Marilena Chauí, uma das intelectuais mais respeitadas da América Latina, falou sobre a formação da sociedade brasileira e as causas dos golpes de estado no Brasil. Para ela, “cada vez que se tem um risco de uma mínima democratização, de divisão do poder da classe popular com a classe dominante, ela, a elite, imediatamente prepara o golpe.” 

socióloga Marilena Chauí - Giorgia Prates

Chauí afirmou que o país vem sendo ocupado por uma operação neoliberal com a destruição de direitos sociais. “Há um avanço da ideologia e prática neoliberais, que é o aumento do espaço para o privado e a diminuição da esfera pública. Sendo assim, existe uma ideia colocada na cabeça dos brasileiros, que direitos são concessões, são dádivas e, na verdade, são conquistas.” E continua: “com o aumento da participação do privado, os direitos sociais estão sendo vendidos. Vivemos a privatização dos direitos sociais”. A aula aconteceu nesta segunda (21), no Anfiteatro do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, em Curitiba.

A socióloga é conhecida por seus estudos voltados à formação da sociedade brasileira e foi uma das fundadoras do PT. Ela se apresentou no evento como uma eterna defensora da democracia que ultrapasse o conceito de governo e que represente a sociedade. “Temos que falar em sociedade democrática. Esse conceito ultrapassa o regime político. Afinal, democracia pressupõe legitimidade de conflitos e soberania política pertence aos cidadãos. A democracia é atividade criadora dos cidadãos e aparece em sua essência quando existe igualdade, liberdade e participação.”

Resistência

Professora de Filosofia Política e de História da Filosofia Moderna na USP, descreveu que historicamente a sociedade brasileira é constituída pelo pensamento do colonizado. “O pensamento de que uns mandam e outros obedecem é o que forma o povo brasileiro. Que é apresentado como um povo cordato, pacífico, trabalhador. Mal sabem os brasileiros o quanto de violência existe por trás disso. A opressão, a condição servil e o esquecimento de que o natural é ser livre.” Para ela, “a principal função da Universidade é justamente mostrar, dar luz a este pensamento mostrando que a resistência é pela luta por ser livre.”

"Eu acho que nossa geração, a geração que viveu o Golpe de 64, não merecia viver isso de novo", disse Chauí.

Chauí viveu os tempos de ditadura militar e foi uma das combativas intelectuais que, dentro da Universidade, refletiam sobre aquele golpe e denunciavam, escrevendo livros e dando aulas públicas. Ao final da sua fala, respondendo a perguntas da plateia, desabafou dizendo não achar que viveria tempos iguais ou até piores. “ Minha geração não merecia viver isso tudo de novo”, desabafou.

Por fim, defendeu a resistência nas várias lutas que se colocam pela reconquista dos direitos sociais que estão sendo totalmente destruídos. “Direitos são o coração da democracia e, para mim, é nisso que devemos focar.” Infelizmente, hoje ainda, “temos que explicar para a sociedade brasileira que um ser humano comer três vezes ao dia é direito mínimo.”