Guerrilha do Araguaia: Relatos indicam cemitério clandestino no Amapá

Com base no relato de testemunhas à Comissão Estadual da Verdade (CEV), que apontam que corpos de desaparecidos políticos durante a Guerrilha do Araguaia (ocorrida, desde sua preparação até o fim do combates,  entre as décadas de 1960 e 1970), foram enterrados na vila de Clevelândia do Norte, em Oiapoque, no Amapá, o Ministério Público Federal (MPF) requisitou providências ao governo do estado para realizar as buscas no local.

Parte do cartaz em homenagem aos mortos e desaparecidos na Guerrilha do Araguaia - Reprodução

De acordo com relatório final da Comissão da Verdade, o governo do extinto Território Federal do Amapá, teria colaborado com a ocultação de cadáveres durante o período de repressão. Depoimentos de familiares de vítimas, militantes e de militares, colhidos pela comissão, indicam que existia em Oiapoque um cemitério clandestino onde podem estar enterradas vítimas de execuções durante a Guerrilha do Araguaia.

O pedido do MPF atende ao que determina a sentença imposta pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que obriga o país a localizar as vítimas desaparecidas durante a ditadura militar.

Ainda de acordo com o relatório da Comissão, a Fortaleza de São José de Macapá e o Museu Joaquim Caetano, onde funcionou a Delegacia de Investigação e Captura, eram locais de prisão e tortura durante a ditadura militar.

Além de acionar o governo estadual, os procuradores do MPF também solicitaram à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério dos Direitos Humanos informações sobre eventuais medidas para busca diante da possível localização de corpos de guerrilheiros.

De acordo com testemunhas, mortos na ditadura teriam sido enterrados em um cemitério clandestino dentro de uma base militar, com a conivência e apoio do governo do Território do Amapá.

Dorival Santos, presidente da Comissão da Verdade do Amapá, afirma que os relatos são indícios fortes que podem pôr fim à angústia que assombra cerca de 60 famílias que nunca acharam os corpos dos desaparecidos.

"Há vários relatos, mas não conseguimos encontrar provas com segurança histórica e científica. Por isso, recomendamos a investigação aprofundada do governo do estado e do Exército para saber se há esse suposto cemitério clandestino", diz Dorival.

Entre os depoimentos e documentos anexados ao relatório, está o de Valdim Pereira de Souza, enviado em expedição ao Araguaia, e que à época era militar do 52º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército. Ele também foi motorista, entre 1976 e 1983, do principal comandante do Exército à época das operações no Araguaia, o tenente-coronel Sebastião Rodrigues de Moura, o "Major Curió".

Ele conta que foram feitas diversas "Operações Limpeza" com apoio do governo amapaense com uso de carros oficiais de órgãos federais. Valdim afirma que as ações foram realizadas de forma clandestina, por oficiais à paisana, com o "objetivo de ocultar indícios e dificultar possíveis investigações sobre as mortes e desparecimentos de guerrilheiros e camponeses na região".

"O que eu fiquei sabendo da 'Operação Limpeza' era para apagar os vestígios de guerrilha. Isso é o que eu entendi, porque a gente ia muito para uma região chamada Bacaba do Quartel, e o Curió não vivia muito lá no quartel. Ele vivia lá para Brasília e quando ele chegava, me requisitava", relatou ele, citando que muitas ossadas foram levadas por militares a cemitérios no período.

No depoimento do militante do PCdoB do Pará, Paulo Fonteles de Lima Filho, falecido no ano passado e filho do ex-deputado assassinado Paulo Fonteles, ele conta que o Amapá era o "cenário obscuro de desaparecidos da guerrilha, principalmente, no que concerne a ocultação de cadáveres de guerrilheiros".

Por ser uma colônia militar desde os anos 20, Clevelândia é apontada por testemunhas que viveram ali como o local onde os guerrilheiros tenham sido enterrados.

No documento encaminhado pelo MPF, o órgão também cobra um pedido formal de desculpas por parte do Governo do Estado às vítimas de violações e aos seus familiares. “Tal pedido de desculpas deve contemplar não apenas as pessoas que sofreram abusos físicos e seus familiares, mas deve ser estendido aos servidores que sofreram perseguição, coação, constrangimento, demissão ou exoneração por razões políticas, bem como àqueles que tiveram suprimido seu direito à livre manifestação”, salienta outro trecho do documento.