O que pensa a população negra de São Paulo sobre política? 

 Um debate promovido pelo Portal Alma Preta nesta quinta-feira (17/5), com o apoio do mandato da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP), pôs em pauta a baixa representatividade da população negra na política. A atividade, mediada por Renata Rosa, membro da direção nacional da Unegro e secretária de Comunicação do PCdoB-SP, ocorreu na Assembleia Legislativa paulista no formato de “bate-papo em rede”.

Por André Cintra

Debate Alesp Negros

O ponto de partida foi a pesquisa online “Afrodescendentes e Política”, feita pelo Painel BAP de 17 a 27 de novembro de 2017. O levantamento ouviu 1.067 eleitores negros da cidade de São Paulo, sendo 54% mulheres e 46% homens, 31% pardos e 69% pretos. “Muita gente pergunta: tem necessidade de fazer esse recorte racial? Será que isso tem peso? Será que vale a pena fazer esse tipo de reflexão?”, provocou a socióloga Mariana Antoniazzi, uma das responsáveis pelo levantamento.

Segundo ela, nas eleições presidenciais americanas de 2016, 71% dos homens brancos sem ensino superior manifestavam intenção de voto em Donald Trump, do Partido Republicado. Entre os negos sem curso universitário, o índice despencava para 11%. “Nos Estados Unidos, eles já fazem esse recorte há muito tempo. Isso nos ajuda a entender a importância de construirmos nossos espaços”, comparou Mariana.

Para o professor Juarez Xavier, da Unesp, o processo político “não é estranho” à população negra, mas a realidade brasileira tem peculiaridades. A segregação nos Estados Unidos é “distribuída pelo território – nos guetos negros e latinos, com fronteiras visíveis”. Aqui, é nos macrodados que a capital paulista se revela profundamente segregada. “Em São Paulo, há um ‘apartheid da aproximação’.”

Juarez opina que, no Brasil, mandatos como o de Leci olham para a questão negra de forma mais avançada que os partidos. “A questão racial ainda é vista no Brasil como um penduricalho. Não se compreende que o racismo se estruturou como um mecanismo de solidez do Estado brasileiro, de sua máquina de coerção, de sua máquina de persuasão. Não é uma questão de minoria no Brasil. É uma questão estrutural.”

A força da esquerda

Dos entrevistados pelo Painel BAP, 44% se declaram de esquerda, 30% diz não ter posição política e 10% são de centro-esquerda. No outro extremo, há 6% que se dizem de direita e 4% que se declaram de centro-direita. Diante da pergunta “por qual partido você se sente representado?”, 37% dos negros de São Paulo não declaravam nenhum. Agremiações de esquerda tinham uma preferência maior do que na média da população, com destaque para PT (30%), PSOL (16%), Frente Favela Brasil (11%) e PCdoB (5%).

“O perfil mais à esquerda é um reflexo da ação política, sobretudo da emergência do movimento negro moderno, a partir de 1978, com a criação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial”, afirma Juarez. “A negritude deixou ali de ser entendido como um problema. O problema passou a ser a supremacia racial branca. A marca política do movimento negro moderno nasce com a digital de esquerda.”

Segundo Mariana Antoniazzi, a surpresa é a quantidade de jovens negros distantes da esquerda hoje. A pesquisa aponta que, na faixa entre 25 e 34 anos, 63,5% desses eleitores são autodeclarados de direita. “É um número bastante significativo”, diz Mariana. “Os mais jovens se mostram mais conservadores do que os mais velhos.”

Questionados sobre políticos, candidatos e personalidades que mais os representavam naquele momento, os entrevistados citaram, de forma espontânea, nomes como os de Lula (11%), Eduardo Suplicy (8%), Leci Brandão e Jair Bolsonaro (ambos com 7%). Mas 30% disseram “nenhum”.

Já quando perguntados se conhecem algum político negro, 64% disseram que não. Entre os nomes lembrados por quem conhecia, Leci desponta com 23% das citações espontâneas, bem à frente dos 10% alcançados tanto por Paulo Paim quanto por Benedita da Silva. Na pesquisa estimulada, a deputada do PCdoB é conhecida por 78,3%, em empate técnico com Marina da Silva (80,9%) e Netinho de Paula (79%).

As mulheres prevalecem entre candidatos que “representam” o eleitor negro “de alguma maneira”: 46% apontam Leci Brandão, 27% mencionam Benedita e 25% escolhem Marina. Para Mariana Antoniazzi, é um reflexo “do belo trabalho que a Leci faz há muitos anos”. Na opinião de Juarez, “o mandato de Leci sinaliza uma perspectiva política para que os partidos o que é fazer política popular negra no Brasil. Não basta uma marca. É necessária a ação política”.