Eleição de Díaz-Canel reflete democracia sólida, diz especialista

As contínuas pressões políticas e, acima de tudo, as operações de ‘intensidade limitada’ da CIA e do Departamento de Estado dos EUA, realizadas em quase todos os países da América Latina, estão deteriorando a situação política e a estabilidade de muitos países latino-americanos, de forma que a conjuntura política e a econômica do continente são cada vez mais complexas.

Miguel Díaz-Canel - Divulgação

Durante a Cúpula das Américas (Cumbre das Américas), realizada em Lima, evidenciou-se que os Estados Unidos estão tentando desintegrar tudo o que os governos progressistas criaram nos últimos anos, das reformas sociais aos projetos de cooperação regional (Mercosul, Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e União de Nações Sul Americanas (Unasul).

Um contexto que, por analogia histórica, volta a propor a presença e o papel político de Cuba com a função de defensor extremo da soberania e da independência de todos os países latino-americanos. Por esta razão, a eleição de Miguel Diaz-Canel, como presidente da República de Cuba, foi de extrema importância por duas razões. A primeira, pelo processo revolucionário socialista e martíano – que o imperialismo norte-americano gostaria de extinguir – continuará promovendo a evolução econômica e a dinâmica política da Revolução iniciada em 1959. De fato, se trata de um processo revolucionário que, respeitando a lógica do socialismo, ampliou o conceito de democracia popular, vivendo todas as fases da evolução histórica, nas quais tem havido contínuos ensaios para melhor sistematizar o planejamento do bem público e dos elementos programáticos”.

A segunda, porque o governo, o Estado e o povo de Cuba começaram a viver a terceira fase de uma Revolução, que é única no tempo e cada vez mais moderna.

Para discutir essas questões, o jornalista italiano Achille Lollo conversou com o professor e economista italiano Luciano Vasapollo, do Centro de Estudos da Transformação Econômico Social, da Itália. Na entrevista, ele analisa a força ideológica dessa Revolução e ajuda a compreender a importância e o papel geoestratégico do Estado revolucionário cubano na atual conjuntura política do continente latino-americano.

Achille Lollo: Cuba, na VIII Cúpula das Américas, denunciou a escravização da Organização dos Estados Americanos (OEA) à Casa Branca e os efeitos nefastos da política imperialista dos Estados Unidos na América Latina. A dura intervenção do ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla e depois a posição assumida pelo novo presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, são faíscas temporárias ou destacam o papel político que Cuba irá desempenhar na América Latina?

Vasapollo: No dia 14 de abril, o ministro Bruno Rodríguez Parrilla provocou um curto-circuito na Cúpula de Lima, acusando publicamente não apenas o Secretário Geral da OEA, Luis Almagro, mas sobretudo o projeto estratégico da Casa Branca, que quer recompor sua esfera de influência em todos os países da América Latina, usando manobras eleitorais sujas, impeachments ilegais e a sabotagem econômica. Na prática pretendem derrubar os governos populares, derrotar as conquistas sociais para restabelecer o neoliberalismo selvagem em todo o continente. O Ministro Bruno condenou como os EUA tornaram-se uma referência política para os governos progressistas da América Latina e para os partidos de esquerda de todo o mundo, especialmente quando ele disse que: “As ameaças não dobrarão Cuba, muito menos a chantagem do governo dos Estados Unidos. Não queremos o confronto, no entanto, não negociaremos nossos problemas internos e não abandonaremos de um milímetro nossos princípios. O povo cubano fez muitos sacrifícios para defender a Independência, a Revolução e o Socialismo e é por isso que no dia 19 de abril vamos comemorar com grande orgulho a batalha de Playa Giron, onde derrotamos mais uma a agressão mercenária!”.

Na prática, essas declarações resumem o futuro político de Cuba, sobretudo depois do que foi feito contra a Venezuela e contra Cuba nesta Cúpula. Frases que ressaltam o comportamento e as posições revolucionárias cubanas que, na lógica política das excelências da Casa Branca, deveriam ter desaparecido, após a reunião de Raúl Castro com [Barack] Obama. De fato, quatro dias depois, no dia 19 de abril, o novo presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, foi ainda mais específico e radical, e para isso quero citar suas palavras: “Confirmo que a política externa de Cuba continuará inalterada e volto a afirmar que ninguém conseguirá debilitar nossa Revolução, porque Cuba não faz concessões que tocam sua soberania e sua independência (…). Faremos as mudanças necessárias somente com a decisão soberana do povo cubano“.

A eleição de Miguel Díaz-Canel à presidente da República, surpreendeu os observadores e especialmente os críticos, que já haviam anunciado o fim da Revolução. O que representa esse tipo de escolha no contexto político de Cuba?

A eleição de Miguel Diaz-Canel reflete a grande força de expressão que a democracia popular, socialista e participativa, hoje, demonstra ter em Cuba. De fato, Miguel Díaz-Canel representa a continuidade da Revolução Cubana. Ele é um dirigente que se formou dentro desse processo revolucionário e que esteve presente em todas as fases da construção da democracia popular. Gostaria de mencionar que, ainda jovem, Miguel Díaz-Canel participou dessa Revolução, primeiro como militante e depois como líder da juventude comunista universitária.

Profissionalmente é engenheiro eletrônico. Foi professor titular na Faculdade de Engenharia Elétrica da Universidade Central de Las Villas e, em seguida foi nomeado reitor da universidade homônima. Dirigiu o PCC por dez anos na província de Villa Clara e depois na de Holguín. Em 1991, integrou o Comitê Central do PCC e, em 2002, foi chamado para o Birô Político. Em 2009, foi nomeado ministro do Ensino Superior. Então, em 2013, foi indicado pelo Parlamento cubano para exercer o cargo de primeiro vice-presidente no Conselho de Estado e de Ministros.

Ressalto que sua eleição como presidente foi muito transparente, representando a afirmação da terceira geração desse processo revolucionário, perfeitamente integrada na condução política e ideológica de Cuba. Quero também salientar que Miguel Díaz-Canel foi eleito presidente pelos 605 membros do Parlamento com unanimidade, para governar cinco anos até 2023, tendo a oportunidade de ser reeleito até 2028. Posso dizer, com extrema sinceridade, que Miguel Díaz-Canel, além de ser um grande líder e um grande marxista, é também um camarada que conheço como irmão e que considero o melhor continuador da tradição comunista e socialista cubana. Talvez seja por isso que nas capitais do mundo ocidental alguém torceu o nariz!.

Inicialmente a “grande imprensa” do mundo ocidental comentou a eleição de Miguel Diaz-Canel usando adjetivos horríveis. Depois, todos ou quase, de La Repubblica ao New York Times, tentaram transmitir a idéia de que a Revolução estaria em sua fase final porque “a família Castro deixava as salões do poder”. Você poderia explicar o porquê desse terrorismo medíocre e cheio de raiva?

Infelizmente, quando se fala de Cuba, a mídia do Primeiro Mundo prefere os chavões no lugar da análise política. Usam as mentiras para esconder a dignidade de um povo. Praticam um contínuo esquema semântico para degenerar a realidade vencedora da democracia socialista e popular, precisamente porque essa realidade continua a viver, resistindo a qualquer tipo de ataque. Estou convencido que se hoje um editor usa pesados adjetivos contra Cuba, como os que foram usados durante a Guerra Fria, tais como “O regime ditatorial de Castro”, ou “O poder da família Castro”, eles o fazem apenas para respeitar as regras que a lógica do imperialismo estabeleceu para os meios de comunicação.

Na prática, o objetivo do terrorismo midiático é negar, em todos os sentidos, que em Cuba existe um processo revolucionário popular, que envolve o exercício da democracia direta e participativa e a afirmação da igualdade. Negam todos os fundamentos da democracia socialista. Por exemplo, durante anos eles mencionaram o chamado “Poder da família Castro”, porém sempre omitiram que nenhum dos sete filhos de Fidel e dos quatro de Raúl, nenhum nunca ocupou cargos no governo!

A verdade é que o povo cubano encontrou seus líderes nos combatentes da Revolução de 1959 e depois no Partido Comunista Cubano (PCC), nos quais tem plena confiança. Fidel Castro, Che Guevara, Raúl Castro, Camilo Cienfuegos e todos os outros militantes da Sierra puseram em marcha uma Revolução que se tornou profundamente popular, anti-colonialista, anti-imperialista, martiana [inspirada nas ideias de José Martí, intelectual e revolucionário cubano] e socialista. Uma Revolução que sem o apoio político e a sustentação moral das massas cubanas, não teria resistido ao longo do tempo a todos os ataques que sofreu desde 1959 até hoje!

Imediatamente após a eleição de Miguel Diaz-Canel, o Secretário-Geral da OEA [Organização dos Estados Americanos] , Luis Almagro, fez uma declaração absurda, desqualificando o sistema eleitoral cubano. Você poderia dar alguns exemplos para explicar o funcionamento do modelo eleitoral de Cuba?

Continuam dizendo que as eleições em Cuba não são democráticas e que seriam limitadas aos membros do Partido Comunista Cubano! Infelizmente, por ignorância ou por maldade, esquecem que dos oito milhões de eleitores, apenas 800.000 têm o cartão do PCC e, somente, 400.000 são membros da juventude do PCC, isto é, a UJC. Isso significa que 85% dos eleitores, ou seja, aproximadamente 6.800,00 não são membros do PCC. Nas últimas eleições, onde a participação popular foi maciça, com 86,5% dos eleitores, foram eleitos 605 deputados para o Parlamento, dos quais 293 deputados (ou seja, 48,5%) não são membros do PCC! Sem esquecer que dos 605 deputados, 322 são mulheres (53%) e 338 (56%) foram eleitos pela primeira vez. Além disso, 40% dos parlamentares eleitos são negros ou mestiços, a idade média é de quarenta e nove anos e um grupo de oitenta novos deputados têm entre dezoito e trinta e cinco anos! Os que combateram na Sierra Maestra são apenas sessenta, ou seja, 9,5%!

No entanto o argumento mais importante que os analistas da mídia hegemônica esquecem quando criticam o modelo eleitoral cubano é que o Partido Comunista Cubano “por lei” não pode apresentar candidatos. Estes são selecionados e eleitos pelas bases populares nas eleições municipais, depois nas provinciais e finalmente nas legislativas.

Segundo as excelências da Casa Branca, hoje, tudo o que se move fora dos conceitos da democracia burguesa ou que questiona a lógica do imperialismo e denuncia os efeitos da dependência geoestratégica e econômica, deve ser considerado um inimigo. Voltamos, então aos dias da Doutrina de Segurança Nacional?

Vasapollo: As aparências e as morfologias da mídia mudaram, mas o conceito é o mesmo. Para a Casa Branca, Cuba continua a ser considerado um “Estado Canalha”, como a Síria, o Irã, e como, no passado aconteceu com Angola, Nicarágua, Etiópia, a Líbia e todos os países com governos revolucionários. Por exemplo, basta folhear os anais dos jornais norte-americanos para ler as absurdas declarações de Chester Croker quando, em 1982, o exército do regime racista sul-africano invadiu, pela segunda vez, o sul de Angola. Ou reler os controvertidos editoriais dos principais jornais europeus quando os ocupantes sul-africanos foram finalmente derrotados, em maio de 1988, na batalha de Cuito Cannavale, graças à valente participação dos combatentes internacionalistas cubanos ao lado do exército angolano (FAPLA).

Infelizmente, a lógica do imperialismo, com o democrata Barack Obama ou com o super-conservador Donald Trump, é uma lógica de poder que se repete ao longo dos anos. Mudam apenas a linguagem e os aspectos externos. A verdade é que a concepção geoestratégica das excelências que se sucederam na Casa Branca nunca mudou, desde a Operação Fênix no Vietnã até a Operação Condor na América Latina. Desde a invasão de Granada até a da Nicarágua com os “Contras”. Desde o ataque ao Iraque até os bombardeios na Líbia. Por exemplo, entre o Bloqueio econômico contra Cuba e as sanções contra a Venezuela, a diferença está apenas nas normas técnicas, porque em termos políticos eles correspondem aos mesmos princípios geoestratégicos e ideológicos.

Com o presidente Raúl Castro, o governo cubano realizou uma série de mudanças no seu sistema econômico. Por isso a presença do Estado ficou concentrada nos setores estratégicos, ou seja, o planejamento socialista, o desenvolvimento energético e a defesa da soberania. As reformas do Modelo Econômico Cubano continuarão?

O drama e as dificuldades do ”Período Especial“ obrigaram o governo cubano a definir uma nova metodologia para aperfeiçoar o modelo econômico socialista. Por isso, desde 1995, os índices econômicos cubanos começaram a melhorar. Posteriormente, em 2000, o desenvolvimento da economia estabilizaram entre 4% e 5% e, em seguida, em 2006, registrou-se um repentino crescimento, chegando até 11%. Portanto, em 2010, o governo de Raúl Castro decidiu reduzir a presença do Estado na economia, permitindo que uma série de atividades e de serviços comerciais fossem gerenciados por particulares, que se tornaram proprietários e administradores.

Foi, então nesta fase que se tornaram reais as medidas tomadas pelo governo visando sistematizar os novos projetos e as inovações do modelo econômico socialista cubano, incluindo a melhoria das atividades do setor privado. O que muitos não entendem é que em Cuba as decisões políticas e sobretudo as econômicas dependem do acúmulo de experiências vividas. Ou seja, toda decisão corresponde a uma fase específica do processo de desenvolvimento e, por isso, cada projeto é estudado e analisado coletivamente.

Miguel Díaz-Canel esteve presente em todos os debates e em todos os programas de pesquisa realizados para definir as mudanças que foram introduzidas no processo de desenvolvimento. O que significa que a Revolução Cubana, mais uma vez, terá um presidente que conhece os mecanismos e as dificuldades para aperfeiçoar o modelo de planejamento, que sempre teve uma dinâmica própria. Tanto é que o planejamento da economia foi redefinido nove vezes, não só para dinamizar os novos setores, mas também para corrigir a evolução limitada daqueles que encalharam, devido ao Bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos.

O presidente Raúl Castro conseguiu abrir um canal de diálogo com o presidente Barack Obama. No entanto, o sucessor, Donald Trump logo o interrompeu. Para retomar este diálogo, teremos que esperar pela saída de Trump da Casa Branca? Enquanto isso, o que Miguel Díaz-Canel poderá fazer?

Os eventos internacionais não dependem de indivíduos, mas dos diferentes relacionamentos e das relações de força que se desenvolvem ao nível internacional. Reitero que Miguel Díaz-Canel tentará mostrar a posição pacífica de Cuba, tentando, assim, de criar relações equilibradas com os Estados Unidos. Quero então frisar que as tentativas de iniciar um processo de negociação com os Estados Unidos, sempre foram uma decisão política do povo cubano. Raúl Castro, enquanto Presidente, representou e coordenou essa decisão coletiva do povo. Um processo que se tornou concreto graças, também, à multiplicação das iniciativas de intermediação de muitas entidades internacionais, em primeiro lugar Papa Francisco.

Nesse contexto, as manifestações de solidariedade, realizadas em todo o mundo, foram muito importantes, inclusive porque contribuíram para a libertação definitiva dos cinco heróis cubanos. Infelizmente, depois desse bom começo, Obama quis impor condições impossíveis, enquanto a grande imprensa tentava encurralar o governo cubano, fazendo crer que a normalização das relações entre os dois países já havia sido sancionada, de maneira que em breve o capitalismo poderia voltar em Cuba.

A verdade é que Obama e seus conselheiros nunca deram espaço e nunca aceitaram discutir as principais questões relacionadas com a normalização. De fato, houve, apenas um tímido passo inicial com a reabertura das embaixadas. Porém, o governo dos Estados Unidos nunca se manifestou sobre a questão do Bloqueio econômico e sobre a ocupação do território de Guantánamo.

Com Trump, o processo de negociação terminou definitivamente, não porque ele seja um reacionário mau e colérico, mas porque ele representa os interesses de uma parte da burguesia predominante dos EUA. Por outro lado, a Casa Branca pretende endurecer o Bloqueio econômico contra Cuba, porque quer estendê-lo contra a Venezuela se o presidente Maduro ganha novamente as eleições. É, portanto, uma decisão que se enquadra no quadro das ações geoestratégicas que os Estados Unidos estão adotando para voltar a dominar a América Latina, eliminando todos os governos progressistas.