Para cientista político, Judiciário assume protagonismo inadequado

Em entrevista à Rede Brasil Atual, o pesquisador e professor Rogério Arantes, do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que o Judiciário tem assumido um protagonismo inadequado e praticamente "governa" o país, tendo em vista a postura do Legislativo.

Rogério Arantes cientista político da USP - VICTOR MORIYAMA/EL PAÍS

"Enquanto o Congresso não faz, a Justiça tem feito. E isso não parece adequado à democracia", disse ele, em matéria publicada pelo site nesta quarta-feira (9).

Segundo ele, o ativismo do judiciário não é algo novo. "Não é exagero afirmar que já há alguns anos estamos sob governo dos juízes, em particular do Supremo Tribunal Federal. Ele [STF] foi decisivo desde que se colocaram os parâmetros normativos e legais para o processo de impeachment da ex-presidente, e desde então está no centro da relação entre poderes, administrando as relações no interior do próprio Judiciário e tomando decisões cruciais para a vida nacional", avaliou.

Para ele, a reforma constitucional do Judiciário de 2004, deu ao Supremo um poder que desequilibra perante os demais, "reforçado no que diz respeito à sua capacidade de controlar os atos dos demais poderes e a constitucionalidade das leis".

Ele cita a espetacularização do julgamento da ação Penal 470, chamado de mensalão, como uma demonstração dessa distorção. "Mas foi nos tempos mais recentes que o tribunal assumiu essa posição ainda mais central, e o caso do Mensalão sem dúvida nenhuma foi um divisor de águas, porque foi um caso em que o tribunal, surpreendendo inclusive em relação à sua performance anterior, decidiu levar adiante uma ação penal que envolvia muitos elementos da classe política", explica.

Para Arantes, o atual debate sobre foro privilegiado não é feita de forma adequada, pois, diferentemente do que a mídia propaga, o foro não representa, necessariamente, impunidade. "O foro privilegiado não tem uma direção clara em relação aos efeitos que ele produz, depende no fundo de qual é o tribunal e os juízes que estão empenhados no julgamento dessas causas", aponta.

"Não é uma matéria (foro privilegiado) que o Judiciário deveria estar conduzindo, é uma matéria constitucional e legislativa. Caberia ao Congresso disciplinar essa matéria, mas o tribunal tem governado o país, inclusive no que diz respeito às mudanças nas regras do jogo institucional, o que me parece grave, e um indício da crise na qual estamos metidos já há algum tempo", frisou.

Recurso de Lula

Diante dessa avaliação, o cientista político é cético quanto à expectativa do recurso que tramita atualmente no Supremo e que poderia resultar na liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Até agora, no chamado plenário virtual da Segunda Turma da Corte, os ministros Edson Fachin e Dias Toffoli já se posicionaram de forma contrária ao recurso da defesa do ex-presidente.

"A estratégia de recursos do ex-presidente na Justiça, em relação à condenação que recebeu em primeira instância e no segundo grau, se dividiu em duas. A primeira era tentar reverter a execução provisória da pena logo após a condenação em segunda instância, o que exigiu tanto do STJ quanto do STF a reapreciação da tese firmada há não muito tempo acerca do cumprimento da pena após decisão do tribunal (de segunda instância)", aponta.

E acrescenta: "Essa estratégia não prosperou e agora existe uma segunda estratégia que é uma defesa nos tribunais superiores em relação ao mérito da condenação recebida no TRF4. Os tribunais serão acionados e terão que avaliar os termos dessa condenação. Mas me parece que esses recursos que ainda estão sendo apresentados pela defesa nessa primeira linha, de não cumprimento da pena por razões que não as de mérito, tudo indica que não vão prosperar, como essa votação que se iniciou".