Juízes respondem em carta aberta à ameaça de ex-presidente do TST 

“Não há sentido para uma Justiça do Trabalho inacessível a demandas legítimas de trabalhadores e trabalhadoras”, diz trecho da Carta Aberta assinada por 1.500 juízes do trabalho criticando declaração do ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra. Segundo Gandra, a Justiça do Trabalho pode acabar se os juízes se opuserem à reforma trabalhista.

Ives Gandra, ex-presidente do TST e Michel Temer - Marcos Corrêa/PR/Agência Brasil

Entre os que assinam a carta estão os juízes do trabalho Valdete Severo e Jorge Luiz Souto Maior. A carta também foi assinada pelo advogado e ex-ministro da Justiça, Tarso Genro. Clique AQUI para conferir a carta aberta na íntegra. 

Na opinião dos que subscreveram a carta, Gandra faz ameaça e quer forçar magistrados trabalhistas a agirem contra a Constituição e ignorando a independência de cada juiz.

O texto ainda ressalta que “Tal tentativa de intimidação despreza a importância da construção coletiva da interpretação jurídica”. A declaração aconteceu no dia 3 de maio, às vésperas de encontro nacional da magistratura do trabalho para deliberar sobre a reforma trabalhista. A plenária final do encontro neste domingo (5) aprovou que a reforma trabalhista deve respeitar a Constituição.

“Quando o Ives se manifesta, o fim da Justiça do Trabalho é quase uma bandeira, de alguém que esteve à frente dessa instituição e que deveria defendê-la”, declarou Valdete Souto a Folha de S.Paulo.

Em artigo publicado no dia 5, o secretário-geral da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, escreveu que a Justiça do Trabalho “é um agente político legítimo capaz de contribuir para mudanças sociais e culturais. Ademais tem como papel principal buscar o equilíbrio de uma relação que é, por natureza, desnivelada”.

Segundo Wagner, Ives Gandra mandou "um recado" à "resistência de parte da Justiça do Trabalho". O dirigente definiu Gandra como um algoz da Justiça do Trabalho. "Resistir é vital neste momento para defender este patrimônio que também é dos trabalhadores”.

Confira na íntegra a Carta Aberta;

Carta aberta a Ives Gandra da Silva Martins Filho

A sua afirmação de que a resistência à aplicação da chamada “reforma” trabalhista será a razão para o fim da Justiça do Trabalho (“Justiça do Trabalho pode acabar se juízes de opuserem à reforma, diz Ives Gandra”, Folha on line, 03/5/2018) é muito grave para que fique sem resposta.

Ao inocular o medo do fim da Justiça do Trabalho, imputando a responsabilidade pelos ataques que esse ramo do Judiciário vem sofrendo àqueles que lutam justamente por sua sobrevivência e resistem a um texto legal que subverte sua razão de existência, o que se faz é tentar compelir magistrados trabalhistas a julgarem em desacordo com a ordem constitucional vigente e com sua independência.

Trata-se, em verdade, de uma ameaça: a de que a Justiça do Trabalho será extinta pelo fato de os juízes e juízas do trabalho cumprirem sua obrigação de não aplicar o puro texto da Lei 13.467/2017, sem filtrá-la a partir dos parâmetros constitucionais. E feita justamente enquanto a magistratura do trabalho está reunida em nível nacional para debater e deliberar acerca das alterações promovidas na CLT. Tal tentativa de intimidação despreza a importância da construção coletiva da interpretação jurídica.

Ocorre que o resultado concreto é inverso, pois não haverá sentido para que exista uma Justiça do Trabalho se sua função for meramente a de aplicar, fora de qualquer interlocução jurídica, um “código empresarial” nitidamente inconstitucional. Não haveria razão para a existência de uma Justiça do Trabalho de viés punitivo, que amedrontasse testemunhas e impedisse o exercício regular do direito de petição.

Não aceitaremos ameaças. Se aplicássemos a Lei n. 13.467/2017, especialmente para o efeito de obstar o acesso à justiça, faríamos com que a Justiça do Trabalho perdesse sua razão de existir.
Não há sentido para uma Justiça do Trabalho inacessível a demandas legítimas de trabalhadores e trabalhadoras.

Não é tolerável que se dissemine um discurso que responsabiliza a vítima por seu próprio sofrimento. Não somos ingênuos. O movimento pela extinção da Justiça do Trabalho tem íntima relação com a intenção e a prática dos autointitulados “pais” da “reforma”.

Todas as leis são interpretadas e aplicadas a partir de um filtro constitucional. Não há novidade nisso.

As ameaças não afetarão juízes e juízas, advogadas e advogados, procuradores e procuradoras do trabalho, servidoras e servidores e todos aqueles e aquelas que militam por uma sociedade em que os direitos sociais, notadamente os trabalhistas, sejam efetivos.

05 de maio de 2018.