Ataque ao BNDES atinge infraestrutura e ameaça economia

A estratégia do governo de reduzir o papel do BNDES pode dificultar ainda mais a superação de um entrave ao desenvolvimento brasileiro, a falta de investimento em infraestrutura. Com o banco público encolhido, a gestão atual aposta tudo no mercado. Mas as instituições privadas irão financiar a construção de rodovias, hidroelétricas, aeroportos, portos, ferrovias e metrôs? Representantes da Associação de Funcionários do BNDES, a AFBNDES, são pessimistas quanto ao assunto.

Por Joana Rozowykwiat

Infraestrutura

“O setor privado não tem apetite para financiar infraestrutura. E isso não é uma jabuticaba, que só tem no Brasil. No mundo todo é assim”, aponta Thiago Mitidieri, presidente da entidade. O problema é que projetos de infraestrutura, em geral, envolvem riscos, prazos de maturação demorados e retornos nem sempre elevados. Quem quer lucro rápido e certo prefere não se arriscar.

Segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), o deficit brasileiro no setor de infraestrutura, em 2016, correspondia a R$ 3 trilhões. Seriam necessários investimentos de cerca de 5% do PIB ao ano, por 10 anos, para recuperar o atraso.

A gestão Michel Temer, contudo, age na direção oposta e, em 2017, o Brasil registrou a pior taxa de investimento em infraestrutura na história. Apenas R$ 87 bilhões, ou 1,4% do PIB, foram destinados ao setor no ano, valor insuficiente até para repor a depreciação do que já existe.

O ataque ao BNDES, denunciado pela AFBNDES, ajuda a piorar a situação. No ano passado, o governo aprovou no Congresso uma mudança na taxa de juros aplicada pelo banco para investimentos de longo prazo. Saiu de cena a TJLP, que era fixada a cada trimestre pelo Conselho Monetário Nacional, e passou a vigorar a TLP, calculada mensalmente conforme a inflação oficial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), mais os rendimentos da NTN-B, título do Tesouro Nacional atrelado ao IPCA.

O objetivo é que a TLP “se aproxime dos juros praticados no mercado financeiro, resultando em pagamento de menos subsídios por parte do governo federal”. Em outras palavras, juros mais caros e voláteis, que tornam nada atrativos os financiamentos do banco. Trata-se, portanto, de  mais uma medida no sentido de enfraquecer a capacidade do BNDES de financiar o desenvolvimento econômico e social.

A importância do banco de desenvolvimento

Mesmo em países com mercado de capitais privado de longo prazo mais desenvolvido e taxas de juros reduzidas e estáveis, o mercado não costuma investir em infraestrutura. Em visita ao Portal Vermelho, Mitidieri citou um estudo do economista Felipe Rezende, que mostra a importância setor público nessa área.

De acordo com ele, o trabalho indica que os países em que os projetos nessa área mais avançam são aqueles em que há bancos de desenvolvimentos e o Estado atuando nesse sentido. “A conclusão do estudo é que é preciso fortalecer os bancos de desenvolvimento. Então imaginar que o mercado, no Brasil, com todos os problemas que a gente tem, vá agora num passe de mágica ter apetite para financiar infraestrutura, acho que é algo com baixa chances de acontecer”, disse.

Obras de infraestrutura necessitam de muito capital, demoram décadas para que se obtenha o retorno do que foi investido. “E a questão nem é falta de recursos no mundo. O estudo mostra um valor imenso – se não me engano, US$ 1 trilhão – que está aplicado em títulos públicos, que rendem uma taxa de juros negativa. Mas o cara prefere ficar num papel seguro, mesmo que o retorno seja negativo, porque não tem risco”, exemplificou.

Subsídios são necessários

Até 2017, 80% dos volumes financiados em infraestrutura no país eram do BNDES. Uma matéria do Valor Econômico, publicada no início de março deste ano, confirma que muito pouco é feito pelo mercado de capitais, mesmo com a redução do tamanho do banco de desenvolvimento.

Mitidieri destacou que, embora haja na atualidade uma verdadeira campanha contra os subsídios concedidos pelo BNDES, soluções privadas também recebem incentivos. “Dizem que se vai no BNDES, tem subsídio; se vai no mercado, não tem subsídio. Mas isso é mentira”, afirmou.

Criadas em 2011, as debêntures incentivadas para financiar infraestrutura são papéis de dívida privada, com incentivo tributário – um instrumento de captação de recursos para projetos considerados prioritários pelo governo. “Isso é um tipo de subsídio. Para financiar infraestrutura, precisa de subsídio”, completou o presidente da AFBNDES.

Nem tudo é rentável

Mitidieri defendeu ainda que as boas condições existentes hoje – com taxa de juros em patamares menos exorbitantes e inflação baixa –, que podem animar o setor privado a investir em infraestrutura, são conjunturais. 

“Ninguém tem bola de cristal, mas temos uma história de anos de inflação e juros altos. Será que esse cenário atual vai continuar nos próximos anos? Será que o Brasil pode contar então com o mercado de capitais para apoiar esses investimentos em infraestrutura? Acho complicado.”

Outro aspecto que ele mencionou é que nem todo investimento em infraestrutura é rentável. “Em geral, esses investimentos que têm gente interessada é porque têm uma rentabilidade boa, em geral estão em São Paulo, Minas, Rio. E o resto da infraestrutura no resto do país? Como vai ser financiada?”, questionou.

Vice-presidente da AFBNDES, Arthur Koblitz alertou que é preciso observar qual será o preço a pagar por deixar o financiamento da infraestrutura aos cuidados do setor privado. A modicidade tarifária, por exemplo, não pode ser desconsiderada, mencionou. Ou seja, as tarifas dos serviços públicos precisam ser acessíveis para todos os cidadãos.

“Porque eles dizem ‘tá bom, financio a estrada com capital privado, mas desde que ponha um pedágio com o preço na lua’, que é para dar a rentabilidade para ele. Interessa isso? Vamos saber no futuro qual o custo para as pessoas que vão usar esses serviços”, ponderou.

Fragilizando o país

Koblitz avaliou que ainda é cedo para falar do interesse do mercado financeiro brasileiro em financiar toda a infraestrutura que o país precisa. Ele previu que os empresários podem ser estimulados a tomar empréstimos no exterior, em dólar, o que os deixará vulneráveis a crises cambiais.

“Sou cético sobre esse apetite interno. Acho mais provável que haja um incentivo muito grande para esses caras pegarem incentivos fora do Brasil, numa atitude muito irresponsável. Porque se o setor privado pegar isso emprestado hoje, sem nenhum tipo de proteção, amanhã tem uma mudança drástica na taxa de câmbio e isso quebra os setores privados. E, se quiser dar proteção ao setor privado, quem vai ficar com o problema na mão é o setor público – o BNDES e o Tesouro”, afirmou.

Segundo ele, caso esse cenário se concretize, pode gerar problemas para o país no futuro. “Veja o que estamos fazendo. Tínhamos o dinheiro mobilizado em reais, no BNDES, que nos tornaria completamente protegidos desse tipo de coisa. Estão tirando esse dinheiro e induzindo as pessoas a pegarem dinheiro lá fora. Se você for fazer seriamente obras de infraestrutura, isso vai levar muito dinheiro. Então, macroeconomicamente, isso é fragilizar o país”, denunciou.

Koblitz disse que, para entender os riscos, basta olhar a história do Brasil, que já vivenciou algo semelhante no passado. “O BNDES foi o banco da privatização. Por quê? Virou nos anos 1980 dono de uma série de empresas que não fazia sentido ter sob o controle dele, exatamente porque essas empresas quebraram com a crise da dívida, por conta de mudanças cambiais. O BNDES em algum momento começou a vender essas empresas, ganhou uma expertise e depois Fernando Henrique deu nas mãos do banco a venda das grandes estatais. Então nós já passamos por isso. Vamos mergulhar nisso de novo?”, indagou.

Deus mercado

O vice-presidente da associação acusou o governo de levar adiante várias medidas que só são vistas em países que estão sob forte pressão de credores internacionais. “A Grécia, por exemplo, está sob ameaça direta, tem organismos chantageando. Aqui, hoje, temos nossos próprios repressores internos, que nem precisam de pressão para implementar essa agenda. Em alguns casos, a gente vê que a turma que controla aqui é até mais radical que organismos internacionais”, criticou.

De acordo com ele, o próprio Fundo Monetário já divulgou relatório preocupado com o endividamento excessivo em moeda externa. “Mas esses caras ignoram isso. É tudo o mercado, a livre transferência de capital. ‘Se tem capital barato lá fora, porque não trazer?’, é assim que eles pensam. Acho que eles estão apostando mais em liberar para pegarem dinheiro lá fora. Não vejo o mercado brasileiro, nem financeiro, com esse apetite de sair das aplicações que ainda são generosas, de curto prazo, para pegar títulos de longo prazo. Ainda se ganha muito com investimento de curto prazo”, colocou.