A história de todas as sociedades é a história da luta de classes

Talvez o Manifesto do Partido Comunista (1848) seja o livro mais difundido e conhecido entre os escritos por Karl Marx e Friedrich Engels. Ele apresenta, pela primeira vez, e de maneira sistemática, o programa da revolução socialista; foi escrito no contexto da grande revolução proletária que varreu a Europa em 1848 e tornou-se a inspiração dos movimentos revolucionários ocorridos desde então. Nesta pequena antologia dos textos de Karl Marx, publicamos o primeiro capítulo dessa obra genial

Biondi lutou para que brasileiros entendessem de economia e soubessem se defender

Capítulo I
Burgueses e proletários

Até hoje, a história de todas as sociedades é a história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e aprendiz; em resumo, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travando uma luta ininterrupta, ora aberta, ora oculta — uma guerra que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta.

Nas épocas anteriores da história, verificamos, quase por toda parte, uma completa estruturação da sociedade em estados ou ordens sociais, uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga, encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres das corporações, aprendizes, servos e, além disso, gradações particulares no interior dessas classes.

A sociedade burguesa moderna, que surgiu do declínio da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Não fez senão estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das anteriores.

Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. Toda a sociedade está se dividindo, cada vez mais, em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado.

Dos servos da Idade Média saíram os habitantes dos primeiros burgos; a partir dessa população municipal desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América e a circunavegação da África criaram para a burguesia em ascensão um novo campo de ação. Os mercados das Índias Orientais e da China, a colonização da América, o comércio com as colônias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comércio, à navegação e à indústria um impulso, desconhecido até então, e, com ele, um rápido desenvolvimento ao elemento revolucionário na sociedade feudal em decomposição.

A organização da indústria, até então feudal ou corporativa, já não era suficiente para atender a procura, que crescia com os novos mercados. Ela foi substituída pela manufatura. Os mestres das corporações foram suplantados pela pequena burguesia industrial; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão de trabalho no interior das próprias oficinas.

Todavia, os mercados prosseguiam crescendo e a procura continuava a aumentar. A própria manufatura tornou-se insuficiente — o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia manufatureira foi suplantada pelos fabricantes milionários, chefes de verdadeiros exércitos industriais — os burgueses modernos.

A grande indústria criou o mercado mundial preparado pela descoberta da América. O mercado mundial propiciou ao comércio, à navegação e às comunicações terrestres um desenvolvimento imensurável. Este, por sua vez, incidiu sobre a expansão da indústria; e na mesma escala em que a indústria, o comércio, a navegação, as ferrovias se expandiam, também se desenvolvia a burguesia, multiplicando seus capitais e compelindo, para segundo plano, todas as classes legadas pela Idade Média.

Vemos, pois, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de profundas transformações no modo de produção e de troca.

Cada uma das etapas de desenvolvimento da burguesia foi acompanhada de um progresso político correspondente. Estado (ou ordem social) oprimido sob o domínio dos senhores feudais, armado e autônomo na comuna , aqui uma cidade-república independente, ali um terceiro estado tributário da monarquia; depois, durante o período manufatureiro, um contrapeso à nobreza na monarquia de estados ou absoluta, base principal das grandes monarquias em geral, a burguesia acabou por conquistar, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, o domínio político exclusivo no moderno Estado parlamentar. O executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerir os negócios coletivos de toda a classe burguesa.

A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.
Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Todos os variados laços feudais que prendiam o homem a seus “superiores naturais” ela rasgou sem piedade, não deixando subsistir outro vínculo, entre homem e homem, que não o do frio interesse, o do insensível “pagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia sentimental do burguês filisteu nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e, no lugar de um sem-número de liberdades legítimas e duramente conquistadas colocou a liberdade única, sem escrúpulos, do comércio. Em uma palavra, no lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, colocou a exploração aberta, seca, direta e despudorada.

A burguesia despiu da sua auréola sagrada todas as atividades até então reputadas e veneráveis como dignas. Ela transformou médicos, juristas, padres, poetas, homens de ciência em trabalhadores assalariados por ela pagos.

A burguesia arrancou da relação familiar o seu comovente véu sentimental, reduzindo-a a uma mera relação de dinheiro.

A burguesia demonstrou que a exibição brutal da força, que a reação tanto admira na Idade Média, tem o seu complemento adequado na mais indolente ociosidade. Foi a primeira a provar o que a atividade dos homens pode realizar: criou maravilhas maiores que as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas; levou a cabo expedições de maior porte que as antigas migrações e as cruzadas.

A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção; por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção constituía-se, pelo contrário, na condição primeira de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a permanente incerteza e a constante agitação distinguem a época burguesa de todas as épocas precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com o seu cortejo de velhos e veneráveis preconceitos e opiniões; todas as relações que as substituem envelhecem antes que possam se consolidar. Tudo o que é sólido e estável se dissolve no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são, enfim, obrigados a encarar, sem ilusões, a sua posição social e as suas relações recíprocas.

A necessidade de um mercado em constante expansão compele a burguesia a avançar por todo o globo terrestre. Ela precisa fixar-se em toda parte, estabelecer-se em toda parte, criar vínculos em toda parte.

Pela exploração do mercado mundial, a burguesia conferiu uma forma cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reacionários, retirou da indústria a base nacional em que estava assentada. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e, dia a dia, continuam a sê-lo. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão de vida ou morte para todas as nações civilizadas; indústrias que já não trabalham matérias-primas nacionais, mas sim as oriundas das regiões mais afastadas, cujos produtos são consumidos simultaneamente tanto no próprio país quanto em todos os continentes. Em lugar das velhas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades, que exigem, para a sua satisfação, produtos dos países mais longínquos e de climas os mais diversos. Em lugar da antiga autossuficiência e do antigo isolamento local e nacional, surgem um intercâmbio generalizado e uma generalizada dependência entre as nações. E isto se refere tanto à produção material como à produção espiritual. Os produtos espirituais de cada nação tornam-se patrimônio comum. A unilateralidade e a estreiteza nacionais mostram-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais nasce uma literatura universal.

Devido ao rápido aperfeiçoamento de todos os instrumentos de produção e às comunicações infinitamente facilitadas, a burguesia arrasta para a civilização todas as nações, até mesmo as mais bárbaras. Os baixos preços de suas mercadorias são a artilharia pesada com que destrói todas as muralhas da China e com que obriga à capitulação os bárbaros mais obstinadamente hostis aos estrangeiros. Sob pena de ruína total, compele todas as nações a adotarem o modo de produção burguês; e as força a se apropriarem da chamada civilização — isto é, a se tornarem burguesas. Numa palavra, a burguesia cria para si um mundo à sua imagem e semelhança.

A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população urbana em relação à rural e, com isso, arrancou parte significativa da população da idiotia da vida rural. E do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, tornou os povos bárbaros e semibárbaros dependentes dos civilizados; os povos camponeses dos povos burgueses; o Oriente do Ocidente.

A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A conseqüência necessária desses processos foi a centralização política. Províncias independentes, quase apenas aliadas, com interesses, leis, governos e direitos alfandegários diversos, foram reunidas numa nação, num governo, numa lei, num interesse nacional de classe, numa fronteira alfandegária.

A burguesia, com seu domínio de classe de apenas um século, criou forças produtivas mais massivas e mais colossais do que todas as gerações passadas juntas. A subjugação das forças naturais, a maquinaria, a aplicação da química à indústria e à agricultura, a navegação a vapor, as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização de rios, populações inteiras brotando do solo como por encanto — que século anterior teve pelo menos um pressentimento de que semelhantes forças produtivas estavam adormecidas no seio do trabalho social?

Vimos, porém, que os meios de produção e de troca, sobre cuja base se forma a burguesia, foram gerados na sociedade feudal. Numa certa etapa do desenvolvimento desses meios de produção e de troca, as relações mediante as quais a sociedade feudal produzia e trocava, a organização feudal da agricultura e da manufatura — em suma, as relações de propriedade feudais — deixaram de corresponder às forças produtivas já desenvolvidas. Dificultavam a produção ao invés de fomentá-la. Transformaram-se em outros tantos grilhões; que tinham de ser — e foram — despedaçados.

Em seu lugar surgiu a livre concorrência, com a organização social e política a ela adequada, com a supremacia econômica e política da classe burguesa.

Hoje, um processo semelhante desenrola-se diante de nossos olhos. As relações burguesas de produção e de troca, as relações de propriedade burguesas, a sociedade burguesa moderna, que desencantou meios tão poderosos de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar as forças infernais que invocou. Há algumas décadas, a história da indústria e do comércio não é mais do que a história da revolta das forças produtivas modernas contra as modernas relações de produção e de propriedade, que condicionam a vida da burguesia e o seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, em sua recorrência periódica, ameaçam cada vez mais a existência de toda a sociedade burguesa. Nas crises comerciais é regularmente destruída uma grande massa não só de produtos fabricados como também das forças produtivas já criadas. Nas crises evidencia-se uma epidemia social que, a todas as épocas anteriores, teria parecido um contra-senso — a epidemia da superprodução. Subitamente, a sociedade vê-se reconduzida a um estado de barbárie momentânea; dir-se-ia que uma fome ou uma guerra de extermínio generalizado cortaram-lhe todos os meios de subsistência; o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui civilização em excesso, meios de subsistência em excesso, indústria em excesso, comércio em excesso. As forças produtivas de que dispõe deixam de promover as relações de propriedade burguesas; pelo contrário, tornaram-se por demais poderosas para essas relações, e são por elas tolhidas, e assim que delas se liberam lançam na desordem toda a sociedade burguesa, ameaçando a existência da propriedade burguesa. As relações burguesas tornaram-se, em demasiado, estreitas para conter as riquezas criadas no seu interior. E de que maneira a burguesia supera as crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. E o que isso representa? Representa a preparação de crises mais generalizadas e mais graves e a redução dos meios para evitá-las.

As armas que a burguesia utilizou para a derrocada do feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia.

A burguesia, porém, não se limitou a forjar as armas que lhe trarão a morte; produziu também os homens que manejarão essas armas — os operários modernos, os proletários.

Na mesma medida em que a burguesia — isto é o capital —, se desenvolve, também o proletariado desenvolve-se, a classe dos operários modernos, que só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho enquanto o seu trabalho aumenta o capital. Esses operários que têm de se vender no varejo, são uma mercadoria como qualquer outro artigo de comércio e, em conseqüência disso, estão igualmente expostos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.

O trabalho dos proletários perdeu, com a expansão da maquinaria e da divisão do trabalho, todo caráter autônomo e, portanto, todos os atrativos. O trabalho torna-se um mero acessório da máquina e dele se exige apenas o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Desse modo, os custos do operário se reduzem quase exclusivamente aos meios de subsistência de que necessita para o seu sustento e para reprodução de sua espécie. O preço de uma mercadoria e, portanto, também o do trabalho , é, porém, igual ao seu custo de produção. Logo, quanto mais cresce o caráter enfadonho do trabalho, mais se reduz o salário. E mais ainda: à medida que evoluem a maquinaria e a divisão do trabalho, evolui também a quantidade de trabalho, seja pelo aumento das horas de trabalho, seja pelo aumento do trabalho exigido num determinado lapso de tempo, seja pela aceleração do movimento das máquinas etc.

A indústria moderna transformou a pequena oficina do mestre de corporação patriarcal na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de operários, amontoadas na fábrica, são organizadas como exércitos. São colocados como soldados rasos da indústria, sob a vigilância de uma hierarquia completa, de sargentos e oficiais. Não são somente escravos da classe burguesa, do Estado burguês: dia a dia, hora a hora, são transformados em escravos da máquina, do contramestre e, sobretudo, de cada um dos burgueses industriais. E esse despotismo é tanto mais mesquinho, mais odioso e mais exasperador quanto mais abertamente proclama o lucro como sua finalidade exclusiva.

Quanto menos habilidade e dispêndio de força o trabalho manual exige, isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é suplantado pelo das mulheres e crianças. Diferenças de idade e de sexo já não têm qualquer validade social para a classe operária. Há apenas instrumentos de trabalho que, conforme a idade e o sexo têm custos diferentes.

Terminada temporariamente a exploração do operário pelo industrial, na medida em que recebe o seu salário em dinheiro, logo o proletário torna-se presa de outros setores da burguesia: o senhorio, o comerciante, o penhorista etc.

As pequenas classes médias anteriores, os pequenos industriais e comerciantes e os rentistas, os artesãos e os camponeses; todos engrossam as fileiras do proletariado: uns porque o seu pequeno capital não e suficiente para grandes empreendimentos industriais e sucumbe na concorrência com os grandes capitalistas; outros porque a sua habilidade profissional é desvalorizada por novos métodos de produção. Assim, o proletariado é recrutado em todas as classes da população.

O proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. A sua luta contra a burguesia começa com a sua própria existência.

A princípio, os operários se empenham na luta isoladamente; depois, os operários de uma fábrica; em seguida, os operários de um ramo industrial, de uma mesma localidade, lutam contra cada um dos burgueses que os exploram diretamente. Não dirigem seus ataques somente contra as relações burguesas de produção; mas também contra os próprios instrumentos de produção: destroem as mercadorias estrangeiras concorrentes, incendeiam as fábricas e esforçam-se por reconquistar a posição perdida do trabalhador medieval.

Nessa fase, constitui-se o proletariado numa massa dispersa por todo o país e dividida pela concorrência. A coesão das massas operárias não é ainda a conseqüência da sua própria união, mas o resultado da união da burguesia que, para alcançar os fins políticos que lhe são próprios, é levada a pôr em movimento todo o proletariado —, o que, por enquanto, ainda consegue. Durante essa fase, os proletários combatem não os seus inimigos, mas os inimigos dos seus inimigos: os restos do absolutismo, os proprietários fundiários, os burgueses não industriais, os pequeno-burgueses. Todo o movimento histórico está, desse modo, concentrado nas mãos da burguesia e qualquer vitória alcançada nessas condições é uma vitória da burguesia.

Mas, com o desenvolvimento da indústria, não somente aumenta o número de proletários, também se reúnem em massas cada vez maiores; sua força cresce e eles adquirem maior consciência dela. Os interesses, as condições de vida no interior do proletariado se igualam cada vez mais na medida em que a maquinaria cada vez mais vai diminuindo as diferenças do trabalho e quase por toda parte reduz o salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da crescente concorrência entre os burgueses e das crises comerciais dela resultante, os salários dos operários tornam-se progressivamente mais instáveis; o contínuo aperfeiçoamento da maquinaria, que se desenvolve cada vez mais depressa, acentua a precariedade da condição de vida dos operários; os confrontos individuais entre o operário e o burguês assumem cada vez mais o caráter de choques entre duas classes. Os operários começam a formar coalizões contra os burgueses; atuam em comum na defesa de seus salários; chegam a fundar associações permanentes para se prevenirem para as ocasionais insurreições; aqui e ali, a luta se expressa em motins.

Os operários triunfam de tempos em tempos; mas apenas transitoriamente. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Esta união é facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação, criados pela grande indústria, que colocam em contato operários de diferentes localidades. E essa relação basta para concentrar as numerosas lutas locais, que têm o mesmo caráter em toda parte, numa luta nacional, numa luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta política. E a união que os burgueses da Idade Média levavam séculos para realizar, com seus caminhos vicinais, os proletários modernos a obtêm em poucos anos com as ferrovias.

Essa organização do proletariado em classe e, portanto, em partido político, é incessantemente destruída pela concorrência entre os próprios operários. No entanto, ela sempre renasce, cada vez mais forte, mais firme, mais poderosa. Na medida em que se aproveita das divisões internas da burguesia, consegue o reconhecimento legal de interesses particulares dos operários — como aconteceu na Inglaterra, com a jornada de dez horas de trabalho.

Em geral, os choques da velha sociedade favorecem de diversos modos o processo de desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive em guerra permanente: primeiro, contra a aristocracia; depois, contra frações da própria burguesia cujos interesses entram em contradição com os progressos da indústria; e sempre contra a burguesia de todos os países estrangeiros. Em todas estas lutas, vê-se forçada a apelar ao proletariado, a recorrer à sua ajuda e, assim, a arrastá-lo para o movimento político. A própria burguesia fornece aos proletários os seus próprios elementos de educação política, isto é, armas contra si mesma.

Ademais, como vimos, frações inteiras da classe dominante, em conseqüência do desenvolvimento da indústria, são lançadas no proletariado ou, pelo menos, vêem ameaçadas as suas condições de vida. Também elas levam ao proletariado numerosos elementos de formação política.

Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução no interior da classe dominante e de toda a velha sociedade, assume um caráter tão aberto, tão violento, que uma pequena fração da classe dominante dela se desliga, para se juntar à classe revolucionária, a classe que traz nas mãos o futuro. Dessa forma, tal como outrora, uma parte da nobreza passou para a burguesia, e, em nossos dias, também uma parte da burguesia passa para o proletariado, especialmente uma parte dos ideólogos burgueses que chegaram à compreensão teórica do movimento histórico em seu conjunto.

De todas as classes que hoje se opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes vão se arruinando e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é seu produto mais autêntico.

As classes médias — o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês — combatem a burguesia para assegurar a sua existência como classes médias. Não são, pois, revolucionárias, mas conservadoras; mais ainda, reacionárias, pois procuram fazer girar para trás a roda da história. Quando se tornam revolucionárias é em conseqüência de sua iminente passagem para o proletariado; e, dessa forma, não defendem seus interesses atuais, mas seus interesses futuros, abandonando a sua própria posição de classe para assumirem a do proletariado.

O lumpemproletariado, esta putrefação passiva das camadas mais baixas da velha sociedade, pode, eventualmente, ser atraído ao movimento por uma revolução proletária; todavia, as suas condições de vida o predispõem a vender-se a maquinações reacionárias.

Nas condições de existência do proletariado já estão destruídas as da velha sociedade. O proletário não possui propriedade. A sua relação com a mulher e os filhos já nada tem em comum com a relação familiar burguesa. O trabalho industrial moderno, a sujeição moderna ao capital — que é a mesma na Inglaterra e na França, na América e na Alemanha — o despojou de todo caráter nacional. As leis, a moral, a religião, são para ele meros preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.

Todas as classes que no passado conquistaram o poder trataram de consolidar a situação adquirida, submetendo toda a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários só podem apoderar-se das forças produtivas sociais abolindo o modo de apropriação a elas correspondentes e, com ele, todo modo de apropriação até hoje existente. Os proletários nada têm de seu para salvaguardar; têm a missão de destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada até aqui existentes.

Todos os movimentos históricos anteriores foram movimentos de minorias ou em razão de interesses de minorias. O movimento proletário é o movimento autônomo da imensa maioria no interesse da imensa maioria. O proletariado, a camada inferior da sociedade atual, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar toda a superestrutura de camadas que formam a sociedade oficial.

A luta do proletariado contra a burguesia começa por ser uma luta nacional pela forma, não pelo conteúdo. O proletariado de cada país tem de começar, naturalmente, por resolver os problemas com a sua própria burguesia.

Esboçando as fases mais gerais do desenvolvimento dos proletários, descrevemos a guerra civil, mais ou menos oculta no seio da sociedade atual até o momento em que explode uma revolução e o proletariado lança as bases do seu próprio domínio pela derrubada violenta da burguesia.

Todas as sociedades anteriores, como vimos, se assentaram no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas, para oprimir uma classe é preciso ao menos garantir-lhe as condições mínimas que lhe permitam ir arrastando a sua existência servil. O servo da gleba, em plena servidão, conseguia tornar-se membro da comuna, da mesma forma que o pequeno-burguês, sob o jugo do absolutismo feudal, conseguiu tornar-se grande burguês. O operário moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, afunda-se cada vez, indo abaixo das condições de sua própria classe. O trabalhador passa a indigente e a indigência cresce mais rapidamente do que a população e a riqueza. É, pois, evidente que a burguesia é incapaz de continuar desempenhando por muito mais tempo o papel de classe dominante e de impor à sociedade, como lei suprema, as condições de existência da sua classe. Não pode exercer o seu domínio porque é incapaz de assegurar ao seu escravo a própria existência no quadro da escravidão, porque é obrigada a deixá-lo cair numa tal situação em que tem de ser ela a alimentá-lo, em lugar de ser alimentada por ele. A sociedade não pode mais viver sob sua dominação, ou seja, a existência da burguesia já não é mais compatível com a sociedade.

A condição essencial para a existência e o domínio da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado. Este se baseia, exclusivamente, na concorrência entre os operários. O progresso da indústria, de que a burguesia é portadora indiferente e involuntária, substitui o isolamento dos operários, resultante da concorrência, por sua união revolucionária resultante da associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria retira da burguesia a própria base sobre a qual assentou o seu regime de produção e de apropriação. A burguesia produz, sobretudo, os seus próprios coveiros. A sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.
Capítulo I
Burgueses e proletários

Até hoje, a história de todas as sociedades é a história das lutas de classes.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e aprendiz; em resumo, opressores e oprimidos, estiveram em constante antagonismo entre si, travando uma luta ininterrupta, ora aberta, ora oculta — uma guerra que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou com a destruição das classes em luta.

Nas épocas anteriores da história, verificamos, quase por toda parte, uma completa estruturação da sociedade em estados ou ordens sociais, uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga, encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores feudais, vassalos, mestres das corporações, aprendizes, servos e, além disso, gradações particulares no interior dessas classes.

A sociedade burguesa moderna, que surgiu do declínio da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classes. Não fez senão estabelecer novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta em lugar das anteriores.

Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. Toda a sociedade está se dividindo, cada vez mais, em dois grandes campos hostis, em duas grandes classes em confronto direto: a burguesia e o proletariado.

Dos servos da Idade Média saíram os habitantes dos primeiros burgos; a partir dessa população municipal desenvolveram-se os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América e a circunavegação da África criaram para a burguesia em ascensão um novo campo de ação. Os mercados das Índias Orientais e da China, a colonização da América, o comércio com as colônias, a multiplicação dos meios de troca e das mercadorias em geral deram ao comércio, à navegação e à indústria um impulso, desconhecido até então, e, com ele, um rápido desenvolvimento ao elemento revolucionário na sociedade feudal em decomposição.

A organização da indústria, até então feudal ou corporativa, já não era suficiente para atender a procura, que crescia com os novos mercados. Ela foi substituída pela manufatura. Os mestres das corporações foram suplantados pela pequena burguesia industrial; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão de trabalho no interior das próprias oficinas.

Todavia, os mercados prosseguiam crescendo e a procura continuava a aumentar. A própria manufatura tornou-se insuficiente — o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia manufatureira foi suplantada pelos fabricantes milionários, chefes de verdadeiros exércitos industriais — os burgueses modernos.

A grande indústria criou o mercado mundial preparado pela descoberta da América. O mercado mundial propiciou ao comércio, à navegação e às comunicações terrestres um desenvolvimento imensurável. Este, por sua vez, incidiu sobre a expansão da indústria; e na mesma escala em que a indústria, o comércio, a navegação, as ferrovias se expandiam, também se desenvolvia a burguesia, multiplicando seus capitais e compelindo, para segundo plano, todas as classes legadas pela Idade Média.

Vemos, pois, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de profundas transformações no modo de produção e de troca.

Cada uma das etapas de desenvolvimento da burguesia foi acompanhada de um progresso político correspondente. Estado (ou ordem social) oprimido sob o domínio dos senhores feudais, armado e autônomo na comuna , aqui uma cidade-república independente, ali um terceiro estado tributário da monarquia; depois, durante o período manufatureiro, um contrapeso à nobreza na monarquia de estados ou absoluta, base principal das grandes monarquias em geral, a burguesia acabou por conquistar, com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial, o domínio político exclusivo no moderno Estado parlamentar. O executivo do Estado moderno não passa de um comitê para gerir os negócios coletivos de toda a classe burguesa.

A burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário.
Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia destruiu todas as relações feudais, patriarcais, idílicas. Todos os variados laços feudais que prendiam o homem a seus “superiores naturais” ela rasgou sem piedade, não deixando subsistir outro vínculo, entre homem e homem, que não o do frio interesse, o do insensível “pagamento em dinheiro”. Afogou a sagrada reverência da exaltação religiosa, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia sentimental do burguês filisteu nas águas geladas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e, no lugar de um sem-número de liberdades legítimas e duramente conquistadas colocou a liberdade única, sem escrúpulos, do comércio. Em uma palavra, no lugar da exploração velada por ilusões religiosas e políticas, colocou a exploração aberta, seca, direta e despudorada.

A burguesia despiu da sua auréola sagrada todas as atividades até então reputadas e veneráveis como dignas. Ela transformou médicos, juristas, padres, poetas, homens de ciência em trabalhadores assalariados por ela pagos.

A burguesia arrancou da relação familiar o seu comovente véu sentimental, reduzindo-a a uma mera relação de dinheiro.

A burguesia demonstrou que a exibição brutal da força, que a reação tanto admira na Idade Média, tem o seu complemento adequado na mais indolente ociosidade. Foi a primeira a provar o que a atividade dos homens pode realizar: criou maravilhas maiores que as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas; levou a cabo expedições de maior porte que as antigas migrações e as cruzadas.

A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção; por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais. A conservação inalterada do antigo modo de produção constituía-se, pelo contrário, na condição primeira de existência de todas as classes industriais anteriores. Essa subversão contínua da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições sociais, a permanente incerteza e a constante agitação distinguem a época burguesa de todas as épocas precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com o seu cortejo de velhos e veneráveis preconceitos e opiniões; todas as relações que as substituem envelhecem antes que possam se consolidar. Tudo o que é sólido e estável se dissolve no ar, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são, enfim, obrigados a encarar, sem ilusões, a sua posição social e as suas relações recíprocas.

A necessidade de um mercado em constante expansão compele a burguesia a avançar por todo o globo terrestre. Ela precisa fixar-se em toda parte, estabelecer-se em toda parte, criar vínculos em toda parte.

Pela exploração do mercado mundial, a burguesia conferiu uma forma cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países. Para desespero dos reacionários, retirou da indústria a base nacional em que estava assentada. As velhas indústrias nacionais foram destruídas e, dia a dia, continuam a sê-lo. São suplantadas por novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão de vida ou morte para todas as nações civilizadas; indústrias que já não trabalham matérias-primas nacionais, mas sim as oriundas das regiões mais afastadas, cujos produtos são consumidos simultaneamente tanto no próprio país quanto em todos os continentes. Em lugar das velhas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades, que exigem, para a sua satisfação, produtos dos países mais longínquos e de climas os mais diversos. Em lugar da antiga autossuficiência e do antigo isolamento local e nacional, surgem um intercâmbio generalizado e uma generalizada dependência entre as nações. E isto se refere tanto à produção material como à produção espiritual. Os produtos espirituais de cada nação tornam-se patrimônio comum. A unilateralidade e a estreiteza nacionais mostram-se cada vez mais impossíveis; das inúmeras literaturas nacionais e locais nasce uma literatura universal.

Devido ao rápido aperfeiçoamento de todos os instrumentos de produção e às comunicações infinitamente facilitadas, a burguesia arrasta para a civilização todas as nações, até mesmo as mais bárbaras. Os baixos preços de suas mercadorias são a artilharia pesada com que destrói todas as muralhas da China e com que obriga à capitulação os bárbaros mais obstinadamente hostis aos estrangeiros. Sob pena de ruína total, compele todas as nações a adotarem o modo de produção burguês; e as força a se apropriarem da chamada civilização — isto é, a se tornarem burguesas. Numa palavra, a burguesia cria para si um mundo à sua imagem e semelhança.

A burguesia submeteu o campo ao domínio da cidade. Criou grandes centros urbanos; aumentou prodigiosamente a população urbana em relação à rural e, com isso, arrancou parte significativa da população da idiotia da vida rural. E do mesmo modo que subordinou o campo à cidade, tornou os povos bárbaros e semibárbaros dependentes dos civilizados; os povos camponeses dos povos burgueses; o Oriente do Ocidente.

A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerou as populações, centralizou os meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. A conseqüência necessária desses processos foi a centralização política. Províncias independentes, quase apenas aliadas, com interesses, leis, governos e direitos alfandegários diversos, foram reunidas numa nação, num governo, numa lei, num interesse nacional de classe, numa fronteira alfandegária.

A burguesia, com seu domínio de classe de apenas um século, criou forças produtivas mais massivas e mais colossais do que todas as gerações passadas juntas. A subjugação das forças naturais, a maquinaria, a aplicação da química à indústria e à agricultura, a navegação a vapor, as estradas de ferro, o telégrafo elétrico, a exploração de continentes inteiros, a canalização de rios, populações inteiras brotando do solo como por encanto — que século anterior teve pelo menos um pressentimento de que semelhantes forças produtivas estavam adormecidas no seio do trabalho social?

Vimos, porém, que os meios de produção e de troca, sobre cuja base se forma a burguesia, foram gerados na sociedade feudal. Numa certa etapa do desenvolvimento desses meios de produção e de troca, as relações mediante as quais a sociedade feudal produzia e trocava, a organização feudal da agricultura e da manufatura — em suma, as relações de propriedade feudais — deixaram de corresponder às forças produtivas já desenvolvidas. Dificultavam a produção ao invés de fomentá-la. Transformaram-se em outros tantos grilhões; que tinham de ser — e foram — despedaçados.

Em seu lugar surgiu a livre concorrência, com a organização social e política a ela adequada, com a supremacia econômica e política da classe burguesa.

Hoje, um processo semelhante desenrola-se diante de nossos olhos. As relações burguesas de produção e de troca, as relações de propriedade burguesas, a sociedade burguesa moderna, que desencantou meios tão poderosos de produção e de troca, assemelha-se ao feiticeiro que já não pode controlar as forças infernais que invocou. Há algumas décadas, a história da indústria e do comércio não é mais do que a história da revolta das forças produtivas modernas contra as modernas relações de produção e de propriedade, que condicionam a vida da burguesia e o seu domínio. Basta mencionar as crises comerciais que, em sua recorrência periódica, ameaçam cada vez mais a existência de toda a sociedade burguesa. Nas crises comerciais é regularmente destruída uma grande massa não só de produtos fabricados como também das forças produtivas já criadas. Nas crises evidencia-se uma epidemia social que, a todas as épocas anteriores, teria parecido um contra-senso — a epidemia da superprodução. Subitamente, a sociedade vê-se reconduzida a um estado de barbárie momentânea; dir-se-ia que uma fome ou uma guerra de extermínio generalizado cortaram-lhe todos os meios de subsistência; o comércio e a indústria parecem aniquilados. E por quê? Porque a sociedade possui civilização em excesso, meios de subsistência em excesso, indústria em excesso, comércio em excesso. As forças produtivas de que dispõe deixam de promover as relações de propriedade burguesas; pelo contrário, tornaram-se por demais poderosas para essas relações, e são por elas tolhidas, e assim que delas se liberam lançam na desordem toda a sociedade burguesa, ameaçando a existência da propriedade burguesa. As relações burguesas tornaram-se, em demasiado, estreitas para conter as riquezas criadas no seu interior. E de que maneira a burguesia supera as crises? De um lado, pela destruição violenta de grande quantidade de forças produtivas; de outro, pela conquista de novos mercados e pela exploração mais intensa dos antigos. E o que isso representa? Representa a preparação de crises mais generalizadas e mais graves e a redução dos meios para evitá-las.

As armas que a burguesia utilizou para a derrocada do feudalismo voltam-se hoje contra a própria burguesia.

A burguesia, porém, não se limitou a forjar as armas que lhe trarão a morte; produziu também os homens que manejarão essas armas — os operários modernos, os proletários.

Na mesma medida em que a burguesia — isto é o capital —, se desenvolve, também o proletariado desenvolve-se, a classe dos operários modernos, que só vivem enquanto têm trabalho e só têm trabalho enquanto o seu trabalho aumenta o capital. Esses operários que têm de se vender no varejo, são uma mercadoria como qualquer outro artigo de comércio e, em conseqüência disso, estão igualmente expostos a todas as vicissitudes da concorrência, a todas as flutuações do mercado.

O trabalho dos proletários perdeu, com a expansão da maquinaria e da divisão do trabalho, todo caráter autônomo e, portanto, todos os atrativos. O trabalho torna-se um mero acessório da máquina e dele se exige apenas o manejo mais simples, mais monótono, mais fácil de aprender. Desse modo, os custos do operário se reduzem quase exclusivamente aos meios de subsistência de que necessita para o seu sustento e para reprodução de sua espécie. O preço de uma mercadoria e, portanto, também o do trabalho , é, porém, igual ao seu custo de produção. Logo, quanto mais cresce o caráter enfadonho do trabalho, mais se reduz o salário. E mais ainda: à medida que evoluem a maquinaria e a divisão do trabalho, evolui também a quantidade de trabalho, seja pelo aumento das horas de trabalho, seja pelo aumento do trabalho exigido num determinado lapso de tempo, seja pela aceleração do movimento das máquinas etc.

A indústria moderna transformou a pequena oficina do mestre de corporação patriarcal na grande fábrica do industrial capitalista. Massas de operários, amontoadas na fábrica, são organizadas como exércitos. São colocados como soldados rasos da indústria, sob a vigilância de uma hierarquia completa, de sargentos e oficiais. Não são somente escravos da classe burguesa, do Estado burguês: dia a dia, hora a hora, são transformados em escravos da máquina, do contramestre e, sobretudo, de cada um dos burgueses industriais. E esse despotismo é tanto mais mesquinho, mais odioso e mais exasperador quanto mais abertamente proclama o lucro como sua finalidade exclusiva.

Quanto menos habilidade e dispêndio de força o trabalho manual exige, isto é, quanto mais a indústria moderna progride, tanto mais o trabalho dos homens é suplantado pelo das mulheres e crianças. Diferenças de idade e de sexo já não têm qualquer validade social para a classe operária. Há apenas instrumentos de trabalho que, conforme a idade e o sexo têm custos diferentes.

Terminada temporariamente a exploração do operário pelo industrial, na medida em que recebe o seu salário em dinheiro, logo o proletário torna-se presa de outros setores da burguesia: o senhorio, o comerciante, o penhorista etc.

As pequenas classes médias anteriores, os pequenos industriais e comerciantes e os rentistas, os artesãos e os camponeses; todos engrossam as fileiras do proletariado: uns porque o seu pequeno capital não e suficiente para grandes empreendimentos industriais e sucumbe na concorrência com os grandes capitalistas; outros porque a sua habilidade profissional é desvalorizada por novos métodos de produção. Assim, o proletariado é recrutado em todas as classes da população.

O proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. A sua luta contra a burguesia começa com a sua própria existência.

A princípio, os operários se empenham na luta isoladamente; depois, os operários de uma fábrica; em seguida, os operários de um ramo industrial, de uma mesma localidade, lutam contra cada um dos burgueses que os exploram diretamente. Não dirigem seus ataques somente contra as relações burguesas de produção; mas também contra os próprios instrumentos de produção: destroem as mercadorias estrangeiras concorrentes, incendeiam as fábricas e esforçam-se por reconquistar a posição perdida do trabalhador medieval.

Nessa fase, constitui-se o proletariado numa massa dispersa por todo o país e dividida pela concorrência. A coesão das massas operárias não é ainda a conseqüência da sua própria união, mas o resultado da união da burguesia que, para alcançar os fins políticos que lhe são próprios, é levada a pôr em movimento todo o proletariado —, o que, por enquanto, ainda consegue. Durante essa fase, os proletários combatem não os seus inimigos, mas os inimigos dos seus inimigos: os restos do absolutismo, os proprietários fundiários, os burgueses não industriais, os pequeno-burgueses. Todo o movimento histórico está, desse modo, concentrado nas mãos da burguesia e qualquer vitória alcançada nessas condições é uma vitória da burguesia.

Mas, com o desenvolvimento da indústria, não somente aumenta o número de proletários, também se reúnem em massas cada vez maiores; sua força cresce e eles adquirem maior consciência dela. Os interesses, as condições de vida no interior do proletariado se igualam cada vez mais na medida em que a maquinaria cada vez mais vai diminuindo as diferenças do trabalho e quase por toda parte reduz o salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da crescente concorrência entre os burgueses e das crises comerciais dela resultante, os salários dos operários tornam-se progressivamente mais instáveis; o contínuo aperfeiçoamento da maquinaria, que se desenvolve cada vez mais depressa, acentua a precariedade da condição de vida dos operários; os confrontos individuais entre o operário e o burguês assumem cada vez mais o caráter de choques entre duas classes. Os operários começam a formar coalizões contra os burgueses; atuam em comum na defesa de seus salários; chegam a fundar associações permanentes para se prevenirem para as ocasionais insurreições; aqui e ali, a luta se expressa em motins.

Os operários triunfam de tempos em tempos; mas apenas transitoriamente. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Esta união é facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação, criados pela grande indústria, que colocam em contato operários de diferentes localidades. E essa relação basta para concentrar as numerosas lutas locais, que têm o mesmo caráter em toda parte, numa luta nacional, numa luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta política. E a união que os burgueses da Idade Média levavam séculos para realizar, com seus caminhos vicinais, os proletários modernos a obtêm em poucos anos com as ferrovias.

Essa organização do proletariado em classe e, portanto, em partido político, é incessantemente destruída pela concorrência entre os próprios operários. No entanto, ela sempre renasce, cada vez mais forte, mais firme, mais poderosa. Na medida em que se aproveita das divisões internas da burguesia, consegue o reconhecimento legal de interesses particulares dos operários — como aconteceu na Inglaterra, com a jornada de dez horas de trabalho.

Em geral, os choques da velha sociedade favorecem de diversos modos o processo de desenvolvimento do proletariado. A burguesia vive em guerra permanente: primeiro, contra a aristocracia; depois, contra frações da própria burguesia cujos interesses entram em contradição com os progressos da indústria; e sempre contra a burguesia de todos os países estrangeiros. Em todas estas lutas, vê-se forçada a apelar ao proletariado, a recorrer à sua ajuda e, assim, a arrastá-lo para o movimento político. A própria burguesia fornece aos proletários os seus próprios elementos de educação política, isto é, armas contra si mesma.

Ademais, como vimos, frações inteiras da classe dominante, em conseqüência do desenvolvimento da indústria, são lançadas no proletariado ou, pelo menos, vêem ameaçadas as suas condições de vida. Também elas levam ao proletariado numerosos elementos de formação política.

Finalmente, nos períodos em que a luta de classes se aproxima da hora decisiva, o processo de dissolução no interior da classe dominante e de toda a velha sociedade, assume um caráter tão aberto, tão violento, que uma pequena fração da classe dominante dela se desliga, para se juntar à classe revolucionária, a classe que traz nas mãos o futuro. Dessa forma, tal como outrora, uma parte da nobreza passou para a burguesia, e, em nossos dias, também uma parte da burguesia passa para o proletariado, especialmente uma parte dos ideólogos burgueses que chegaram à compreensão teórica do movimento histórico em seu conjunto.

De todas as classes que hoje se opõem à burguesia, só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As outras classes vão se arruinando e perecem com o desenvolvimento da grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é seu produto mais autêntico.

As classes médias — o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês — combatem a burguesia para assegurar a sua existência como classes médias. Não são, pois, revolucionárias, mas conservadoras; mais ainda, reacionárias, pois procuram fazer girar para trás a roda da história. Quando se tornam revolucionárias é em conseqüência de sua iminente passagem para o proletariado; e, dessa forma, não defendem seus interesses atuais, mas seus interesses futuros, abandonando a sua própria posição de classe para assumirem a do proletariado.

O lumpemproletariado, esta putrefação passiva das camadas mais baixas da velha sociedade, pode, eventualmente, ser atraído ao movimento por uma revolução proletária; todavia, as suas condições de vida o predispõem a vender-se a maquinações reacionárias.

Nas condições de existência do proletariado já estão destruídas as da velha sociedade. O proletário não possui propriedade. A sua relação com a mulher e os filhos já nada tem em comum com a relação familiar burguesa. O trabalho industrial moderno, a sujeição moderna ao capital — que é a mesma na Inglaterra e na França, na América e na Alemanha — o despojou de todo caráter nacional. As leis, a moral, a religião, são para ele meros preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.

Todas as classes que no passado conquistaram o poder trataram de consolidar a situação adquirida, submetendo toda a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários só podem apoderar-se das forças produtivas sociais abolindo o modo de apropriação a elas correspondentes e, com ele, todo modo de apropriação até hoje existente. Os proletários nada têm de seu para salvaguardar; têm a missão de destruir todas as garantias e seguranças da propriedade privada até aqui existentes.

Todos os movimentos históricos anteriores foram movimentos de minorias ou em razão de interesses de minorias. O movimento proletário é o movimento autônomo da imensa maioria no interesse da imensa maioria. O proletariado, a camada inferior da sociedade atual, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar toda a superestrutura de camadas que formam a sociedade oficial.

A luta do proletariado contra a burguesia começa por ser uma luta nacional pela forma, não pelo conteúdo. O proletariado de cada país tem de começar, naturalmente, por resolver os problemas com a sua própria burguesia.

Esboçando as fases mais gerais do desenvolvimento dos proletários, descrevemos a guerra civil, mais ou menos oculta no seio da sociedade atual até o momento em que explode uma revolução e o proletariado lança as bases do seu próprio domínio pela derrubada violenta da burguesia.

Todas as sociedades anteriores, como vimos, se assentaram no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas. Mas, para oprimir uma classe é preciso ao menos garantir-lhe as condições mínimas que lhe permitam ir arrastando a sua existência servil. O servo da gleba, em plena servidão, conseguia tornar-se membro da comuna, da mesma forma que o pequeno-burguês, sob o jugo do absolutismo feudal, conseguiu tornar-se grande burguês. O operário moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, afunda-se cada vez, indo abaixo das condições de sua própria classe. O trabalhador passa a indigente e a indigência cresce mais rapidamente do que a população e a riqueza. É, pois, evidente que a burguesia é incapaz de continuar desempenhando por muito mais tempo o papel de classe dominante e de impor à sociedade, como lei suprema, as condições de existência da sua classe. Não pode exercer o seu domínio porque é incapaz de assegurar ao seu escravo a própria existência no quadro da escravidão, porque é obrigada a deixá-lo cair numa tal situação em que tem de ser ela a alimentá-lo, em lugar de ser alimentada por ele. A sociedade não pode mais viver sob sua dominação, ou seja, a existência da burguesia já não é mais compatível com a sociedade.

A condição essencial para a existência e o domínio da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de particulares, a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado. Este se baseia, exclusivamente, na concorrência entre os operários. O progresso da indústria, de que a burguesia é portadora indiferente e involuntária, substitui o isolamento dos operários, resultante da concorrência, por sua união revolucionária resultante da associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria retira da burguesia a própria base sobre a qual assentou o seu regime de produção e de apropriação. A burguesia produz, sobretudo, os seus próprios coveiros. A sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.