Guadalupe Carniel: Colonizadores da América

Em 1806, Sebastián Francisco de Miranda Rodríguez tenta invadir a região da Venezuela e proclamar a independência, hasteando pela primeira vez a bandeira venezuelana. Padre Miguel Hidalgo em 1810 dá o famoso Grito de Dolores: numa missa dominical, faz o primeiro levante social na América Latina contra os espanhóis, sob o estandarte da Virgem de Guadalupe.

Por Guadalupe Carniel*

Democracia corintiana

Depois destes eventos, outras figuras se tornam destaque no processo de independência e luta na região: Simon Bolívar (que atuou na Colômbia, Venezuela, Equador, Panamá, Peru e Bolivia), Manuel Belgrano na Argentina junto com José de San Martín (que também participou da independência do Peru e Chile) que era amigo de Bernardo O’Higgins Riquelme (qualquer semelhança com o jogador Juan Roman Riquelme não é obra do acaso, é mística sudaca); Jose Artigas (Uruguai), o primeiro líder a se preocupar com a questão de distribuição de terras. Juana Azurduy (Bolívia e toda a América), líder militar de origem indígena. De mesma origem, Tupac Amarú e sua companheira Micaela Bastidas rebelaram-se em Cuzco (Peru).

Esses são alguns dos nomes da independência, aqueles que dão nome ao principal torneio da América Latina, a Libertadores, que recebeu este nome em 1965 e que antes chamava-se Copa Campeões da América. Mas a lista completa possui mais de 20 nomes, que remetem a outras centenas de guerreiros anônimos, heróis da nossa América do Sul.

Nesta semana, o Corinthians junto com a Nike, lançou o novo modelo de camisa em homenagem aos 25 anos do bicampeonato paulista do time conhecido como Democracia Corintiana, que traz nas costas esta expressão, na camisa número 2 que é preta tem a ideia da origem de luta do clube, com tons que lembram o concreto da cidade. Em ambas há na parte interna a frase “não para de lutar”, o que seria uma ótima decisão. Seria porque a proposta era colocar a camisa a preço acessível (os valores estão entre R$129,90 e R$299,90), um valor que ainda está longe de ser acessível à massa.

Além da camisa, uma estátua em homenagem ao Sócrates, bastião do período da Democracia Corintiana, movimento histórico nos anos 1980 que mostrava que política e futebol são indissociáveis, foi inaugurada em frente à Arena. Chamaram os jogadores como Zé Maria para imitar o gesto clássico do doutor e Fagner, que se recupera de lesão na coxa direita. Mas um deslize: além deles, para a inauguração foi convocado Roger, jogador que já declarou apoio ao Bolsonaro chamando-o de “meu presidente” e que ainda não estreou pela equipe alvinegra. O fato, passou despercebido pela grande mídia só sendo comentado em redes sociais por torcedores e fãs de futebol.

Mas ai vem o maior absurdo de todos, a equipe paulista entrou em campo ontem para enfrentar o Independiente da Argentina, pela Libertadores da América, sim, o torneio que faz referência a todas aquelas figuras que listamos no primeiro parágrafo e muitas outras, ou seja, homens e mulheres que fizeram luta e política em seu tempo, e nos libertaram dos colonizadores, o Corinthians então, entraria com sua camisa estampada “Democracia Corintiana”. Mas a Conmebol vetou o uso da peça. O motivo? Não são permitidas “mensagens políticas” nos uniformes dos participantes do torneio.

Ora, não seria melhor então mudar também o nome da competição? Quem sabe “Colonizadores da América” e ai convidamos todo ano uma equipe europeia, quem sabe o Paris Saint Germain ou o Barcelona, que a mídia tanto empurra goela abaixo da nossa população… ironias a parte, triste ver um torneio de tamanha importância e simbolismo para nosso continente ser distorcido dessa forma por quem atualmente comanda nosso futebol.