O mercado de armas

A relação íntima entre o sector das armas e o aparelho político e militar dos EUA, num mutualismo de guerra e lucros, fora já reconhecido pelo Presidente Eisenhower e só tem vindo a aprofundar-se

Por André Levy*

Armas nucleares EUA - Hanna Barcyk/The New York Times

Os presidentes da França e dos EUA, Trump e Macron, já se encontraram várias vezes em um curto espaço de tempo, no qual ambos exercem as funções de liderança nos seus países.

Macron visitou os EUA e existem vários temas quentes em cima da mesa, incluindo o acordo nuclear com o Irã (que Trump critica desde a sua assinatura e que poderá estar em condições de rescindir após a recente limpeza do seu gabinete), a situação na Síria (no dia 14, ambos os países, junto com o Reino Unido e com o apoio explícito da OTAN, União Europeia e Israel, mas ao arrepio das Nações Unidas e do direito internacional, atacaram a Síria com mais de cem mísseis), e o Acordo Climático de Paris (do qual o Trump removeu os EUA).

Ambos os presidentes diferem de estilo, experiência e cultura, até na sua variante de conservadorismo, e há quem faça do encontro desta semana uma batalha pela definição do mundo ocidental. Mas eles têm muito de fundamental que os une, entre os quais o militarismo. Os EUA e França são o primeiro e terceiro, respectivamente, maiores vendedores de armas no mundo (a Rússia está em segundo lugar). E gostam de usá-las e exibi-las.

O ano passado, Trump foi o convidado de honra de Macron durante as comemorações do Dia da Bastilha (14 de Julho) em Paris, e assistiu à parada militar realizada todos os anos desde 1880, quase sem exceção.

Trump tanto gostou da pompa militar que, quando Macron se encontrou de novo com Trump em Nova Iorque este recordou a parada e disse: "Vamos ter que tentar isso e vamos superá-lo". 

Já aconteceram algumas paradas militares nos EUA, em particular para celebrar o final de uma guerra, mas nunca houve tradição de parada militar para mostrar de poder. 

"O crescimento da venda de armas era esperado e foi promovido pela implementação de novos programas nacionais de armas, operações militares em curso em vários países e persistentes tensões nacionais levando a uma crescente procura de armas"– Relatório do Sipri de 2017. 

Este ano, no dia 11 de novembro, dia dos veteranos, em vez da cerimônia no Cemitério Nacional de Arlington, honrando os veteranos mortos em guerra, deverá acontecer uma parada militar, incluindo soldados com uniformes da Guerra Revolucionária, da Guerra de 1812, da Guerra Civil e das guerras mundiais, veículos armados (mas não tanques, alegadamente devido à logística envolvida e custo elevado), e uma "componente pesada de aviões" (segundo afirma o memorando da Casa Branca sobre o evento). Estima-se que a cerimônia possa custar mais de 30 milhões de dólares.

Mas deixemos as questões de fanfarra – que são porém um indicativo preocupante – e voltemos às questões do negócio. Até porque as mostras de armas, em paradas cerimoniais, em feiras industriais, ou em plena ação num palco de guerra, são isso mesmo: um enorme negócio.

Em artigos anteriores, referi os enormes gastos dos EUA no setor militar, superando por si só o total dos restantes países do mundo. Em parte, esses fundos alimentam o setor industrial de produção das armas e armamento, aviões, navios, mísseis, drones etc., e companhias como a Lockheed Martin, Northrop Grumman, Raytheon e Boeing – que juntamente com a britânica BAE constituem as cinco mais lucrativas vendedoras de armas no mundo.

A relação íntima entre este setor industrial e o aparelho político e militar dos EUA, num mutualismo de guerra e lucros, fora já reconhecido pelo Presidente Eisenhower em 1961, e só tem se aprofundado.

Segundo o relatório de 2017 do Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI), "A venda de armas das 100 maiores companhias de venda de armas e serviços militares totalizou, em 2016, 374,8 mil milhões de dólares (…). Este é o primeiro ano de crescimento [deste índice] após cinco anos consecutivos de declínio. A venda de armas das 100 maiores companhias em 2016 é 38% mais elevada que em 2002. (…) O crescimento da venda de armas era esperado e foi promovido pela implementação de novos programas nacionais de armas, operações militares em curso em vários países e persistentes tensões nacionais levando a uma crescente procura de armas". 

Assinale-se ainda que, entre as 100 maiores companhias do mundo, 63 são dos EUA e Europa Ocidental, responsáveis por 82,4% das vendas em 2016, tendo as companhias dos EUA assinalado um aumento de 4% de vendas, o fator motriz do aumento mundial referido acima.

As 12 maiores companhias – cuja identidade não mudou nos últimos 15 anos – inclui apenas companhias dos EUA e Europa; e só as dez maiores são responsáveis por 52% das vendas mundiais.

Para qualquer bom negócio, porém, não basta vender entre fronteiras, há que procurar e criar novos mercados, exportar. Mas o mercado de armas cresce com insegurança, tensão, guerra, destruição e morte.

O que a indústria produz, e os militares põem em marcha, os políticos têm de promover e vender. Também aqui o império estadunidense lidera, sendo responsável por 35% da exportação de armas, um terço das exportações globais, e 58% mais que o segundo maior exportador, a Rússia. Seguem-se a França, Alemanha, China e Reino Unido.

De 2013 até 2017, os EUA aumentaram as suas exportações em 25%, tendo um mercado comprador que inclui 98 estados pelo mundo, sendo a Arábia Saudita o maior importador de armas dos EUA e o segundo maior do mundo. (O maior importador mundial é a Índia, que importa sobretudo da Rússia.)

Recordemos que Trump finalizou o acordo, iniciado pela Administração Obama e depois suspensa devido à guerra no Iêmen, de vender 100 mil milhões dólares de armas, incluindo 7 milhões em mísseis guiados de precisão.

O acordo avançou apesar de a Arábia Saudita estar a liderar o assalto ao Iémen, onde pretenderá usar o novo armamento, uma guerra que já levou a milhares de mortes e mergulha o país numa gritante crise humanitária.

Trump quer fortalecer a produção doméstica e exportação. Por um lado, a Administração Trump tem enviado altos responsáveis para negociar vendas de armas, e o próprio Trump tem reunido e falado por telefone com líderes estrangeiros sobre estas vendas. Por outro, Trump procura diminuir as barreiras legais à venda de armas ao estrangeiro. Barreiras criadas para evitar que essas armas sejam depois usadas em conflitos contrários à estratégia global dos EUA ou por países que abusem dos direitos humanos (sim, sim, eu sei, mas se os entraves forem eliminados…).

A semana passada foi anunciado que avançava uma nova política de exportação de armas dizendo que iria "promover a indústria de defesa e a criação de empregos". Estas regras somam-se a um relaxamento de restrições à exportação de armas, promovida pelo Presidente Obama em 2014.

Trump quer acelerar ainda mais o processo de aprovação de exportação de armas pelo Congresso (que geralmente demora anos), aumentando também o tamanho das vendas autorizadas e a potência das armas. A nova política minimiza as preocupações com direitos humanos, em consonância com o fato de Trump ter posto fim à suspensão de venda de armas ao Bahrain, Nigéria e Arábia Saudita por preocupações humanitárias.

As armas mais lucrativas são mísseis, bombas e aviões. Mas "agora em promoção" estão os aviões não tripulados, ou drones. Até agora limitada para procurar evitar o roubo de tecnologia, a nova política de Trump irá permitir às companhias venderem diretamente, em vez de obrigar os países estrangeiros a fazerem um pedido de compra ao governo, promovendo assim a competição com as vendas dos outros grandes exportadores como a China.

A nova política para venda de drones está classificada, mas inclui uma maior lista de compradores aceitáveis pelo Departamento do Estado. Duas das companhias que esperam lucrar com a nova política são a Textron e a Kratos Defense que fabricam drones armados.

Diz Peter Navarro, conselheiro de comércio de Trump, que "só o mercado de drones pode crescer 50 mil milhões de dólares numa década", acrescentando, "os nossos aliados e parceiros querem comprar americano". Estes são os mesmos drones, com a precisão do laser, responsáveis por milhares de mortos de civis em ataques dos EUA no Médio Oriente, Afeganistão, etc.