Stanley Kubrick muito além de diretor, um artista

O filme “2001 – uma odisseia no espaço” completa 50 anos e seu diretor, Stanley Kubrick, é um dos nomes mais aclamados por cinéfilos de todo o mundo. Mas existe um espaço entre o gênio e o homem.

Por Carol Fernandez*

especial 2001 - Olavo Costa

Arte contemporânea é uma forma potente de comunicação, trata-se da visão de um indivíduo sobre algo ou aspecto que o cerca em seu contexto. É a expressão que faz um grupo de pessoas se unir para usá-la como bandeira ou rebelar-se contra. Cada vez mais a arte foi se democratizando por todas as camadas da sociedade, na música, cinema, quadrinhos, moda e, por isso, mais artistas apareceram e mais indivíduos se tornaram ícones. É como se os “seres geniais” fossem criados por demanda. Junto a esse movimento, apareceu o clichê de “gênio”. Seja na área que for, a obra dessas pessoas acaba por definir quem elas são e caímos num debate cíclico para tentar entender se é a obra quem define o artista ou o contrário.

Entre esses gênios contemporâneos alguns se destacam. Aqui, vamos discutir um deles, um dos últimos grandes diretores que conseguiu unir cinema arte e ainda entrar no circuito comercial: Stanley Kubrick. Você que está lendo pode pensar "você esta insinuando que Kubrick é um diretor comercial, como esses que faz filmes Blockbuster?" A resposta é simples. Sim! Se formos debater investimentos, Kubrick trabalhava para estúdios, conglomerados, que cobravam resultados, como ele mesmo explica em entrevista para a Rolling Stone em 1987: "meus orçamentos ficam dentro de um limite razoável e têm boa bilheteria. O único que foi mal do ponto de vista do estúdio foi Barry Lyndon. Então, como eles não custam muito, encontro uma maneira de passar um pouco mais de tempo para transportar a qualidade para a tela". Tanto que seu filme perdido sobre Napoleão não aconteceu devido ao fracasso de Waterloo, filme de Serguei Bondartchouk, que abordava o gênero.

Neste contexto, é difícil desvincular clichês e pressuposições de ícones que elevamos à condição de geniais. Afinal, o clichê institui: gênios são excêntricos. Kubrick foi tachado como perfeccionista, obsessivo, calculista, difícil, cult, genial na ponta do lápis. Se você ler um punhado de entrevistas dele – e não encontrará muitas mais, afinal gênios são reclusos – verá que esses temas se repetem e do outro lado está um senhor dizendo que não se deve aceitar como realidade tudo o que se escuta. "Parte do meu problema é que não consigo destruir esses mitos que, de alguma forma, se acumularam ao longo dos anos. A imprensa escreve algo, é maluquice total, mas é publicado e repetido até que todos acreditem. Por exemplo, eu já li que uso um capacete de futebol americano no carro", explicou ele mesmo.

Kubrick era de fato genial. Dirigiu uma galeria de filmes que impressiona até hoje, um diretor exímio, com olhar fotográfico perfeito, roteiro complexos e simbolismos. Sua matéria de inspiração vinha de obras que estavam em livros de escritores tão artísticos quanto ele. "2001 – Uma odisseia no espaço" é parcialmente inspirado em um conto de "A Sentinela" de Arthur Clarke; o "Iluminado" vem do popular livro de mesmo nome de Stephen King; mesmo caso de "Lolita" de Vladmir Nabokov. Era um artista que queria ser visto. Mesmo prezando por qualidade, queria que seus filmes fossem exibidos em grandes salas de cinema.

O que não entra no clichê de gênio é ver o homem, pai e marido que não era antissocial, mas apenas não gostava de frequentar locais badalados, como explica sua esposa Christiane, que este ano faria 60 anos de casada com ele: "dizer que não saía de casa não corresponde à verdade. Na verdade, fazia-o muitas vezes, só que não frequentava locais públicos onde normalmente se encontravam figuras conhecidas, como por exemplo grandes restaurantes. Frequentava locais mais discretos. Quanto aos amigos célebres, como Spielberg, esses vinham nos visitar em casa. Mais uma vez não vejo nada de extraordinário nisso: há tanta gente que prefere comer tranquilamente em casa, com os amigos".

Kubrick é um exemplo do artista que é tão bom, tão empenhado e tão apaixonado que vende sua arte e não a si mesmo e deixa que as pessoas preencham as outras lacunas. Seu maior e mais divertido brinquedo era criar essas obras e vendê-las, produzi-las e colocá-las nas melhores salas para que fossem exibidas com qualidade. Como ele mesmo explica: "algumas pessoas ficam espantadas por eu me preocupar com os cinemas onde o filme está sendo exibido. Acham que é alguma forma de ansiedade demente, mas a Lucasfilm fez uma pesquisa em muitas salas e publicaram os resultados em um relatório que praticamente confirma todas as suas piores suspeitas. Por exemplo, em um dia, 50% das impressões são arranhadas. Os amplificadores não são bons e o som é ruim. As luzes são desiguais…", isso não mostra obsessão, mas sim paixão, e querer entregar o melhor produto a seus espectadores.
Um diretor que sempre enfatizou que o público deve construir uma conexão com as histórias, com os personagens – eles são complexos e fortes, mas são humanos e de grande empatia. Entender a diferença entre arte e artista é uma tarefa hercúlea para alguns que não conseguem entender que arte pode ser a extensão do artista, mas não necessariamente de seu todo.