Estudo da Folha sobre possíveis fraudes tenta desvalorizar o Enem

Nesta segunda (23), a Folha de S.Paulo divulgou uma análise estatística em que aponta possíveis fraudes nas provas do Enem. De 3 milhões de avaliações analisadas, 1.125 poderiam ter sido fraudadas. Consultado pelo Portal Vermelho, o especialista em educação Daniel Cara afirmou que a notícia “aponta um indício, mas não tem provas de fraudes”. Ele disse ainda que da forma como foi exposto, o estudo pode gerar uma politização do debate negativa para a imagem do Enem.

Por Verônica Lugarini

Enem - Divulgação

A matéria de capa do jornal Folha de S.Paulo, desta segunda-feira (23), trouxe um estudo sobre possíveis fraudes nas provas do Enem, exame nacional que, por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), seleciona permite o ingresso de estudantes em universidades públicas no país.

De acordo com a análise estatística, de um total de 3 milhões de provas analisadas, 1.125 delas poderiam ter sido fraudas. O estudo levou em consideração apenas candidatos que ficaram entre as 10% melhores notas e entre as edições 2011 e 2016.

A análise foi feita a partir da identificação de padrões de respostas muito semelhantes entre si, que estatisticamente, seria improvável não ter havido algum tipo de cola. O jornal ainda separou essas “colas” em dois grupos: um de duplas de provas suspeitas, o que indica algum tipo de cola rudimentar, e outros grupos que englobam até 67 candidatos suspeitos, apontando para um esquema mais sofisticado de transmissão de respostas.

Diante da mera exposição factual dos dados e sem a análise de um especialista no texto da Folha, o Portal Vermelho conversou com Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para repercutir o tema.

De acordo com Daniel Cara, a análise estatística aponta um indício, mas que não é uma prova de que ocorreu fraude. Por outro lado, ele destaca que é necessário se ter responsabilidade na divulgação da informação, principalmente quando se trata de um sistema de ingresso às universidades públicas – junção do Enem com o Sisu – bem-sucedido e democrático.

“Essa fraude não é uma prova, é um indício pois tem base em um modelo estatístico que não tem nenhuma evidencia comprobatória de que houve fraude no Enem. Eu fico sempre muito desconfiado e me impressiono com o esforço que alguns setores têm de desconstruir o acesso à educação superior no Brasil. A pesquisa que a Folha repercute é um modelo estatístico, mas é ruim colocar essa pulga atrás da orelha, de maneira até um pouco desleixada, porque é um estudo que não colabora para o processo de debate público da maneira que foi exposto. Eu não vejo problema no estudo, mas a forma como ele foi apresentado se torna uma problemática”, explicou.

O próprio número exposto pelo jornal – 0,04% das 3 milhões de amostras avaliadas – demonstra que a porcentagem é muito pequena em relação aos avanços proporcinados pelo exame.

Hoje, o Enem faz parte de uma conquista brasileira. O exame tenta suprir a demanda de 14,3 milhões de estudantes que já concluíram o ensino médio, mas não chegaram à universidade. Em 2014, por exemplo, o número de instituições que integravam o sistema (Enem e Sisu) dobrou e o número de vagas praticamente triplicou.

Além de ampliar a possibilidade de estudo para os jovens brasileiros em seus próprios estados, o sistema também promoveu a distribuição de vagas em instituições de todo o país, pois a prova do Enem pode ser realizada localmente, mas para diversas universidades do país. Isso permite a participação de uma parcela da população que não poderia custear os gastos de transporte e estadia para prestar os vestibulares de outras regiões. Em consequência, isso também reduz a ociosidade de vagas.

Mecanismos de proteção

Ainda segundo Daniel Cara, estudos como esse podem confundir a opinião pública e deixar de lado discussões de extrema importância como o desmonte das universidades públicas e, até mesmo, a representação do Enem, um exame de âmbito nacional, que junto com o Sisu trouxe a democratização do acesso às instituições públicas de ensino superior.

“Sou conselheiro da Unifesp e a universidade está com uma enorme dificuldade orçamentária para dar conta da assistência estudantil e da expansão de vagas. A UFABC também tem a mesma realidade. Eu sempre sou favorável a investigação, mas que se faça uma investigação com a frieza necessária para uma apuração desse tipo, sem gerar status político e sem fazer da questão investigativa um instrumento de politização do debate como a imprensa tem feito nos últimos anos”, ponderou o especialista.

De toda maneira, o coordenador afirmou que sempre há formas de se aprimorar a gestão pública e aponta alternativas de fortalecimento desse sistema (Enem e Sisu) como a transparência na constituição do banco de questões, transparência sobre o orçamento do Enem e sobre os instrumentos de controle.

“O Enem precisa de uma confidencialidade na execução do procedimento e não em relação aos procedimentos. Os procedimentos precisam ser públicos porque eles interessam a população. Agora, não adianta nenhum ator da sociedade brasileira ir contra esse exame porque de fato o Enem com o Sisu – ainda que na minha opinião o vestibular seja um mecanismo injusto que acaba privilegiando os filhos da elite brasileira – é o mecanismo mais democrático de ingresso ao ensino superior, além da política de cotas”, finalizou o especialista em educação.