Iugoslávia: o dia em que uma televisão se tornou um alvo militar

Dentro de algumas horas, a Rádio Televisão da Sérvia será bombardeada para calar a agressão da OTAN contra a Iugoslávia. Estamos em 1999 e este é um dos muitos ataques contra alvos civis, ao longo de 78 dias

Quartel general sérvio após ser destruído pela OTAN

A agressão imperialista à República da Iugoslávia tinha começado um mês antes, a 24 de março de 1999, e desenrolou-se até 10 de junho do mesmo ano, depois do fracasso das negociações em Rambouillet e Paris, entre 6 e 23 de fevereiro de 1999, com o pretenso objetivo de pôr fim ao conflito entre o Exército de Libertação do Kosovo (UÇK) e as forças de Belgrado, acusadas de promoverem uma limpeza étnica.

Durante 78 dias, aviões e navios de guerra da OTAN realizaram 3800 "operações de combate", lançando 22 milhões de quilos de bombas, cerca de 2300 mísseis e 14 mil bombas sobre milhares de alvos, entre os quais a Rádio Televisão Sérvia, onde morreram 16 pessoas.

Para a OTAN, a sede da TV Sérvia, em Belgrado, era um alvo militar a abater pelo fato de ser "porta-voz da propaganda" de Milosevic. Em outras palavras, pelo fato de revelar uma realidade diferente daquela fabricada pelo Ocidente, evidenciando as consequências dos ataques da Aliança Atlântica, liderada pelos EUA.

Os ataques a pontes, comboios, colunas de refugiados, mercados e fábricas foram alguns dos crimes cometidos pela NATO, e que a televisão estatal cobriu.

Em 2002, Milanovic, ex-diretor da televisão estatal, foi condenado por um tribunal sérvio a dez anos de prisão por não ter evacuado os trabalhadores do prédio, apesar de "saber que o edifício poderia ser alvejado e que um ataque provocaria necessariamente a perda de vidas humanas". Milanovic acabaria por ser o único condenado pelo bombardeamento ocorrido na madrugada do dia 23 de abril.

O advogado de Milanovic classificou a sentença como "o mais vergonhoso veredito na história da justiça de Belgrado". Mais curioso ainda, o fato de Carla del Ponte, procuradora do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPIJ), ter admitido que, após analisar a possibilidade de indiciar os dirigentes dos países da OTAN, estes não eram responsáveis pelos crimes.

Criado em 1993 pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, o TPIJ foi, segundo Diana Johnstone, na sua obra Cruzada de Cegos, "uma instituição estabelecida de cima para julgar os de baixo. […] Desde o princípio, o objetivo proclamado pelos seus promotores principais não foi forjar um instrumento de Justiça neutra e universal mas punir um grupo nacional: os sérvios".

É pegar ou largar

As supostas negociações ocorridas em França e mediadas pela OTAN não foram mais do que uma encenação. Numa entrevista concedida ao Belgrado Politika, em 2013, Zivadin Jovanovic, então ministro iugoslavo das Relações Exteriores, afirmou que "em Rambouillet, não houve nem tentativa de alcançar um acordo, nem de negociação".

Zivadin Jovanovic explicou que o enviado norte-americano exigiu à delegação iugoslava que se limitasse a assinar o texto que ele mesmo tinha elaborado e colocado em cima da mesa, "segundo o princípio 'take it or leave it' [é pegar ou largar]". 

Entre os pressupostos do referido texto, assinalava-se a passagem livre e sem restrições, bem como o acesso total em todo o território da República Federal da Iugoslávia por parte do pessoal da OTAN, incluindo os seus veículos, navios, aviões e equipamento.

Uma provocação

Numa entrevista ao Daily Telegraph de Londres, a 27 de junho de 1999, o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger denunciou: "O texto do projeto de acordo de Rambouillet, que exigia o estacionamento de tropas da OTAN em toda a Iugoslávia, era uma provocação. Serviu de pretexto para começar os bombardeamentos. O documento de Rambouillet estava formulado de tal maneira que nenhum sérvio podia aceitá-lo".