FHC e o inconformismo patológico com o fato do povo não esquecer Lula

Para lançar o seu novo livro, o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) concedeu entrevistas a diversos jornais. O destaque em todas as matérias publicadas não é o conteúdo das 238 páginas da obra “Crise e Reinvenção da Política no Brasil”, mas o seu inconformismo patológico com o fato de Luiz Inácio Lula da Silva ser o presidente mais popular da história do Brasil.

Por Dayane Santos

Lula nos bracos do povo 2

De seu apartamento em Paris – bem longe de um tríplex no Guarujá – FHC concedeu entrevista e ao ser questionado sobre como avaliava a prisão de Lula para o processo eleitoral, ele admite que “Lula tem um peso simbólico, foi líder sindical, criou um partido”, mas diz que não é um preso político. “O PT está dizendo: é um preso político. Não é. É um político preso”, disse na entrevista ao Valor Econômico.

Mas o próprio FHC cai em contradição quando afirma que se a “decisão [sentença] não foi correta” a alternativa é apenas apelar por meio de recurso. A declaração seguinte mostra o motivo real de não considerar tal condição de prisão como resultado de uma perseguição política.

“Você pode dizer: decisão não foi correta. Apela. A condição (de preso) vai pesar contra (no processo eleitoral), com o passar do tempo. Aí na campanha os partidos vão transformar um fato numa versão. Na política, não adianta eu ter razão, adianta ter capacidade de convencer, explicar”, disse.

A força simbólica de Lula

Em vários trechos da longa entrevista, FHC mostra o seu incômodo com Lula e com os seus feitos que são reconhecidos pelo povo brasileiro e em todo o mundo, onde é recebido como uma das principais lideranças mundiais e recebe manifestações de apoio e solidariedade contra a perseguição que enfrenta.

“A força simbólica de Lula não é sobre o que ele faz e diz, mas sobre o que ele fez. E foi capaz de, ao fazer, cantar, cacarejar. Um dos defeitos do PSDB e meu é cacarejar pouco sobre o que se fez, quando se fazia. O Lula tem a virtude de que ele cacareja: eu fiz, eu fiz, agora sou ideia. A ideia pode ser boa ou pode ser má, não sei (risos). Mas foi uma boa sacada”, destila.

Com essa falsa modéstia, FHC finge que os tucanos só promoveram benfeitorias ao país, sem que tivessem feito propaganda de seus feitos. Mas o próprio tucano tentou “carcarejar” a tese de que o seu “plano Real” foi a alavanca do desenvolvimento e da inclusão social do país e que Lula apenas surfou na sua grande obra.

A realidade é que as urnas rejeitaram a proposta neoliberal tucana por quatro vezes consecutivas porque em dois mandatos, o que o PSDB promoveu não foi inclusão social, pleno emprego com melhoria da renda e retomada da indústria, mas o desmonte do estado com privatizações em setores estratégicos da economia e desemprego.

Resultado: ao deixar o governo, encerrando um período de oito anos ocupando a Presidência da República, Fernando Henrique teve a maior taxa de reprovação. Mas certamente a pesquisa que mais incomoda e explica esse inconformismo de FHC é a que aponta Lula como o melhor presidente de todos os tempos, feita pelo Datafolha.

Para se ter uma ideia, em 2001, a rejeição de um possível candidato que representasse a continuidade da chamada “política de estabilização econômica” de FHC era de 65% dos brasileiros que não votariam, em hipótese alguma, num candidato que representasse a continuidade de seu governo.

“A sociedade vota e esquece em quem votou, mas não esquece do presidente”, disse o tucano. De fato, a população não esquece de Lula e é exatamente isso que incomoda tanto FHC.

FHC foi um dos líderes da campanha de judicialização da política. Em artigo publicado abril de 2015, o tucano assumiu o posto de arauto da direita golpista e pregava que o discurso dos derrotados nas urnas deveria ser o “de desconstrução da imagem” de Lula por meio da Lava Jato.

“Embora os diretores da Petrobras diretamente envolvidos na roubalheira devam ser penalizados, não foram eles os responsáveis maiores. Quem enganou o Brasil foi o lulopetismo”, escreveu FHC.

Agora, FHC diz na entrevista que não tem culpa pela judicialização da política, pois não foi o PSDB ou outros partidos que moveram a ação contra Lula, mas o Ministério Público. “A narrativa fica capenga se disser que foi por interesse político”, disse.

Mas em seguida ele se contradiz ao afirmar que o apoio que se deu apoio, “quase até com certo exagero, ao Ministério Público e à Polícia Federal” foi porque “mostrava “uma porção de coisas”.

“Às vezes certo, às vezes errado, mas estão mostrando”, disse. “A Lava Jato pode ter abusos, mas está salvaguardando as instituições”, acrescentou.

Novamente a afirmação de FHC não condiz com a realidade. A Lava Jato insuflou o golpe de 2016, levando ao poder um presidente ilegítimo e desmoralizado. Criou um ambiente de criminalização da política e das instituições partidárias de forma generalizada. E empurrou os abusos e ilegalidades do judiciário levaram a uma insegurança jurídica que ameaça direitos e garantias constitucionais.

Narrativa da desmoralização

Em 2015, as investigações já apontavam que o esquema de corrupção na Petrobras funcionava desde 1997, portanto durante o governo tucano, e os delatores também apontavam nomes ligados aos tucanos, mas FHC alimentava a narrativa de criminalização do PT e do ex-presidente Lula, como responsáveis pelos desmandos na estatal.

“Não estou insinuando que sem impeachment não há solução”, disse ele no artigo de 2015. “Nem dizendo o contrário, que impeachment é golpe. Estou apenas alertando que as lideranças brasileiras (e escrevo assim no plural) precisam se dar conta de que desta vez os desarranjos (não só no plano econômico, mas no político também) foram longe demais”, carcarejou. “A raiz dos desmandos foi plantada antes da eleição da atual presidente. Vem do governo de seu antecessor e padrinho político”, completa o tucano se referindo a Lula.

As afirmações evidenciam a essência que levou a fundação do PSDB: o inconformismo. Nascido de um racha no PMDB, os tucanos diziam que sua existência era resultado da falta de espaço no governo Sarney.

Autodenominados como “o novo”, o PSDB dizia que era resultado de uma racha ideológico dentro do PMDB, resultado da divergência com o campo da direita. A narrativa de “divergência ideológica” era para esconder a falta de espaço que o grupo tinha no governo Sarney. Ou seja, a criança da legenda era eleitoral e pragmática. Tanto é que o PSDB se alinhou e continua alinhando ao campo da direita conservadora brasileira.

Assim como em 2015, FHC volta a subestimar e desprezar a consciência política do povo brasileiro refletida nas urnas. Mas, principalmente, demonstra o seu ranço com Lula reside no fato de que ele não é aclamado por onde vai como o melhor presidente do Brasil. Certamente, FHC esperava que a direita o apontasse como a saída para a crise que o país enfrenta. Mas a implacável soberania popular não perdoa. E ele sabe disso, por isso tanto ódio no seu coraçãozinho tucano.