As marcas de Pinochet na literatura de Alejandro Zambra

Romances curtos com narrativas diretas e sem rebuscamento são atributos da escrita do escritor chileno Alejandro Zambra. Ele faz parte de uma geração de novos autores que são conhecidos como os filhos da ditadura chilena, pois cresceram sob o olhar repressor do Estado comandado pelo general Augusto Pinochet que derrubou o então presidente do país Salvador Allende (1973) por meio de um golpe.

Por Verônica Lugarini

Alejandro Zambra - Ilutração por Olavo Costa - Olavo Costa

Foi durante esse período conturbado que Zambra criou suas primeiras memórias, ainda infantis e inocentes, sobre o um país latino americano sitiado. O retrato e as lembranças dessa sociedade chilena foram transcritos nos dois últimos livros do autor: "Formas de Voltar para Casa" e em "Múltipla Escolha", sendo o primeiro estruturalmente um romance e o segundo constituído por questões de múltipla escolha de uma prova de vestibular.

Em ambos, a ditadura chilena é tema central, diferentemente dos dois primeiros romances do escritor ("Bonsai" e "Vida privada das árvores"). Nesses dois últimos livros, a ditadura está presente em cada fissura e espaço da escrita.

Em "Formas de voltar para casa", Zambra aborda de forma delicada um tema traumático para os chilenos e para toda América Latina sob uma ótica pouco explorada: a ditadura pela visão de uma criança.

O livro é separado por dois momentos: o primeiro quando o narrador descreve sua infância na ditadura dos anos 80 e depois, quando já adulto, onde começa a rememorar as lembranças do período e de um amor passado que ressurge.

No texto, a inocência da idade transforma o olhar sobre a ditadura em arte, misturando a leveza e o peso em um espaço de tempo finito e infinito, já que os impactos da repressão ainda estão presentes não só no país, mas na América Latina: “Perdono pero nunca olvido”*, como na música “Latinoamérica” da banda Calle 13.

Por meio de uma escrita que funciona como um pêndulo, Zambra opta por redigir textos mais curtos e aparentemente simples de se compreender mas que, por debaixo deles, há uma imensidão de significados. Há o retrato de uma sociedade contemporânea que tenta se adaptar a um mundo onde os traumas, como a ditadura de Pinochet, ainda não foram superados e estão em constante transformação.

“O passado nunca deixa de doer, mas podemos ajuda-lo a encontrar um lugar diferente”, diz o protagonista do terceiro romance. E, talvez, essa seja a tentativa não só do personagem principal mas também do próprio autor.

Não só "Formas de voltar para casa", mas todos os livros de Zambra são ímpares. Tão dilacerantes quanto delicados, tão modestos quanto monumentais. Sua obra sobre a ditadura é um ode à memória, onde pela primeira vez Zambra traz uma história compartilhada pelos latino-americanos ao abordar um tema político de forma explícita: a ditadura militar.

Já em "Múltipla Escolha", Zambra usa a linguagem de vestibular para permitir ao leitor um jogo de frases e construções com as questões que permitem a escolha de mais de uma alternativa, sempre abordando o tema da ditadura.

O efeito literário da obra é libertador. O texto permite inúmeras interpretações que não são necessariamente certas ou erradas, mas que têm como premissa a liberdade. Um contraponto justamente com o período de repressão na ditadura militar, quando os chilenos não tinham escolha.