Governo gasta 20 vezes mais com juros da dívida que com investimentos

O governo federal deverá pagar em juros da dívida, este ano, 20 vezes mais que aquilo que gastará com investimentos. Quem faz a comparação é o professor de economia da PUC-SP, Antonio Corrêa de Lacerda. Em entrevista ao Record News, ele ressaltou que, apesar de a Selic estar na sua mínima histórica, a taxa de juros real (descontada a inflação), ainda é uma das mais altas do mundo.

Por Joana Rozowykwiat

Antônio Corrêa de Lacerda

“Este ano, o governo federal deverá investir menos de R$ 20 bilhões. O programa Bolsa Família, que atende 51 milhões de pessoas, custa R$ 30 bilhões por ano. Mas vamos gastar R$ 400 bilhões com o pagamento de juros, para se ter uma ideia do tamanho”, disse.

De acordo com o economista, o país vive um cenário de desinflação (quando a inflação de um mês é menor que a do mês anterior) e os índices de preço ao consumidor em patamar tão baixo deveriam estimular uma redução maior nos juros.

A inflação oficial, divulgada pelo IBGE nesta semana, ficou em 0,09% em março, bem abaixo dos 0,32% de fevereiro. Trata-se do menor nível para o mês em 24 anos. Lacerda apontou, contudo, que o resultado, na verdade, está associado à debilidade da economia brasileira, que, após dois anos recessão, cresceu quase nada em 2017 e não deve recuperar as perdas em 2018.

“Provavelmente, o que aconteceu é que o Banco Central errou a mão na dosagem dos juros, subiu demais ou demorou para reduzir a taxa. Eles não reconhecem isso, mas a realidade é essa. Os componentes dessa inflação são crise, desemprego alto, renda muito atrofiada”, detalhou o professor da PUC-SP. Sem demanda, os preços se mantêm baixos, sinalizando a falta de vitalidade da economia.

Segundo ele, a inflação atual se explica então pela crise, a supersafra agrícola e o câmbio “relativamente comportado”. Na sua avaliação, este ano, o índice de preços deverá ficar muito perto do piso, que é de 3%, o que deveria puxar os juros para baixo.

A justificativa para manutenção de juros altos tem sido sempre o controle de preços. Com juros altos, o governo torna o crédito mais caro e dificulta a tomada de empréstimos. Assim, pessoas e empresas têm menos dinheiro para consumir e investir. A demanda por produtos e serviços, portanto, diminui, derrubando os preços.

No atual momento do país, contudo, a inflação deixou de ser um problema, o que abriria espaço para uma queda maior da Selic. “Se temos uma Selic de 6,5%, com inflação abaixo de 3%, o juro real fica em 3,5%, o que ainda é muito alto para padrões internacionais”, criticou Lacerda.

Ele destacou que, além do mais, no país, a diferença entre a taxa básica de juros e aquela que é cobrada pelas instituições financeiras a empresas e famílias é enorme. “Esses 6,5% são juros primários. Mas, quando vamos ao banco, não pagamos juros primários, pagamos juros universitários, com pós-doutorado”, ironizou.

“A distância entre a taxa básica e o que chega ao tomador final é descomunal. O juro do empréstimo pessoal hoje é de cerca de 50%, 55% ao ano. O que é muito alto já. Mas se você cair no cheque especial, é 320% ao ano”, exemplificou.

Lacerda avaliou que, no melhor cenário, o Banco Central deverá fazer os juros caírem a 6% este ano. “É o menor nível da taxa, mas dado o quadro da inflação, segue sendo muito alto. O Brasil continua no ranking [da maior taxa de juros], entre os primeiros. O juro alto – além do efeito negativo sobre a economia, porque encarece o crédito para o consumidor e as empresas – é um ônus para o governo, porque o Estado é devedor. São trilhões de reais que a gente deve e que sofrem um impacto dessa taxa de juros”, alertou.

Para ele, a redução da taxa de juros e os valores pagos com a manutenção da dívida pública precisam estar na pauta das eleições deste ano. “Esse permanece como um grande desafio, que tem que entrar no debate dos candidatos. Quais as propostas que têm para a questão fiscal e para a dívida pública, que representa um peso muito significativo para a economia brasileira? Se queremos um país mais justo e desenvolvido, passa por isso necessariamente.”