Judiciário está dividido e resposta popular pode mudar jogo, diz Boito

O desfecho em relação à prisão do ex-presidente Lula depende da reação popular. Para o professor de Ciência Política Armando Boito, há uma divisão no Judiciário quanto aos procedimentos da Lava Jato, e uma mobilização democrática forte pode alterar o jogo. Ele aponta ilegalidade na postura do juiz Sérgio Moro e resume: sempre que o movimento popular se organiza, “imperialismo e burguesia agem para decapitá-lo”. Segundo Boito, as arbitrariedades contra o petista deixam todos vulneráveis.

manifestação em apoio a Lula em São bernardo

No caminho para São Bernardo do Campo, onde acontece ato contra a ordem de prisão expedida por Moro, o cientista político e professor da Unicamp conversou com o Portal Vermelho por telefone. De acordo com ele, houve ao menos três irregularidades na determinação do magistrado.

“A decretação da prisão foi em tempo recorde, 19 minutos depois do juiz Sérgio Moro receber o ofício do Tribunal Regional Federal de Porto Alegre (TRF-4). Além disso, há arbitrariedades evidentes. Primeiro, ainda não tinha sido publicado o acordão do Supremo Tribunal Federal, com a recusa do habeas corpus do Lula. Segundo, não tinham se esgotado os recursos ao TRF-4. Mas uma turma do Tribunal autorizou ilegalmente Sérgio Moro a realizar a prisão”, criticou.

A outra arbitrariedade que Boito aponta é o fato de que o juiz determinou que Lula se apresentasse até as 17h desta sexta (6), em Curitiba. “Pela lei, o condenado tem direito a cumprir sua pena na cidade em que mora. Lula não é obrigado a arrumar transporte para ir a uma cidade a 600 km de onde ele se encontra”, disse. Boito considerou positivas as notícias de que o petista não pretende se entregar. “Achei muito importante”, avaliou.

Movimento popular precisa crescer

O professor da Unicamp citou que, apesar das posturas que Moro adota, “ninguém ousa desafiá-lo”. “Ele tem muita força. Tem o apoio ativo do capital internacional, por intermédio do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. Tem o apoio militante e massivo da camada mais abastada da classe média brasileira, que, quando chamada, sai às ruas em sua defesa”, indicou.

Boito, contudo, aposta em uma reação popular. “Temos que ver a resposta que o movimento democrático e popular vai dar. O movimento democrático está ainda atuando aquém do que poderia. Vamos esperar que os sindicalistas se movimentem mais, porque, até agora, quem está mais se mobilizando são as organizações do movimento popular, os Sem Terra, os Sem Teto e os Atingidos por Barragens”, avaliou.

Ele classificou como “uma ironia” o fato de que os sindicalistas ainda não tenham reagido à altura da situação, uma vez que Lula formou-se como liderança sindical. “Estamos chegando aqui no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo [local do ato], mas está faltando atividade sindical em defesa da democracia, da liberdade e do direito de Lula de se candidatar”, afirmou.

Judiciário dividido

Para ele, as mobilizações podem interferir nesse jogo. “Já há algum tempo tem uma divisão no próprio aparelho judicial. Estamos assistindo hoje a um confronto também entre os três desembargadores de Porto Alegre e Sérgio Moro de um lado e uma parte do STF, que está em evidente conflito com a Lava Jato, do outro”, opinou.

O cientista político defendeu que, mesmo na “direita” do STF, há críticas em relação à operação. E lembrou que o ministro Gilmar Mendes explicitou isso, no seu voto a favor do habeas corpus de Lula, na última quarta. “Gilmar Mendes pegou pesado, citou que delegados, promotores e juízes de primeira instância formam uma casta e decidem como querem e por conta própria. Então há uma divisão, e acho que uma mobilização democrática forte pode conseguir alguma coisa.”

De acordo com Boito, a luta agora é “palmo a palmo”. “Primeiro, conseguir que Lula não vá para Curitiba. Depois tem que ver. Será que vai acontecer algo no STF? Que o [ministro do STF] Marco Aurélio vai dar liminar favorável às Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), exigindo trânsito em julgado para execução da pena? Não sabemos. Mas a decisão de não ir a Curitiba é algo em que a gente avançou. Agora é rua a rua, casa a casa, palmo a palmo. E assim acho que dá para conseguir alguma coisa”, disse.

História que se repete

Questionado sobre o momento histórico atual, no qual uma liderança política como Lula pode ser presa em processo permeado por questionamentos, Boito destacou que o ataque às forças populares não é novidade na trajetória do país.

“O movimento popular, operário e democrático demora 20, 30 anos no Brasil para acumular forças, colocar em pé organizações. Aí vem o imperialismo e a burguesia e agem para decapitá-lo. Aconteceu em 1964, quando depois de 20 anos de acúmulo o golpe militar veio e derrubou tudo, prendeu, torturou e matou lideranças populares. Aí reiniciamos a caminhada em 1985 e, 30 anos depois, estamos de novo em uma situação semelhante”, lamentou.

Para ele, a esquerda vai precisar aprofundar suas análises e pensar melhor sobre como enfrentar esse cenário. “Diferentemente da história de muitos outros países, aqui eles cortam periodicamente a acumulação de forças que a gente realiza. E isso é um drama, uma dificuldade estrutural para o movimento democrático e popular”, colocou.

Arbítrio fortalece fascistas

Segundo o professor, o ataque aos direitos do ex-presidente coloca toda a população em situação de maior vulnerabilidade. “Essas decisões do Judiciário estão dando força para os fascistas atacarem, como atacaram a caravana do Lula, por exemplo. Hoje, balearam uma menina, Lindinalva. Então os grupos fascistas vão se sentindo mais à vontade para agir. E, nas delegacias, na primeira instância da Justiça, todos os reacionários que atuam nesses espaços vão se sentindo com a mão mais livre para reprimir e julgar de maneira desfavorável a cidadania e o movimento popular”, encerrou.