Jovens mortos em chacina de Maricá davam aula de hip-hop para crianças

Os cinco adolescentes executados em Maricá, no domingo (25), organizavam Rodas Culturais para ensinar às crianças a cultura do rap e da rima. A chacina causou indignação em parentes e integrantes do movimento do hip-hop que agora temem a continuidade da repressão. A investigação aponta que os meninos foram mortos pela milícia e, infelizmente, esse fato endossa as estatísticas de que adolescentes negros e pobres são as maiores vítimas da violência.

Por Verônica Lugarini

Marco Jonathan da Silva Oliveira, 17 anos - Divulgação/Reprodução

“Fala galera, estamos trazendo a 14º edição do RUASIA e estamos aqui convidando você que gosta de poesia ou curte qualquer forma de expressão cultural. Como o evento é em praça publica(sic) não tem que pagar nada é só participar! Traga seus pais, avós, tios, filhos e netos para apreciar a cultura poética da nossa cidade”.

Essa é uma das chamadas no Facebook do Nação Hip-Hop, entidade que organiza eventos culturais, e da qual participavam os cinco jovens assassinados a tiros, no último domingo (25), dentro do Conjunto Residencial Carlos Marighella, em Maricá (RJ). Eles voltavam do show do cantor Projota no centro da cidade e haviam acabado de chegar no conjunto do Minha Casa Minha Vida.

Os cinco meninos foram mortos a alguns passos de suas casas. Sávio Oliveira de apenas 20 anos era conhecido como Soul, e Matheus Bittencourt (18 anos), chamado de Mabí, Marco Jhonata, de 17, Matheus Baraúna, de 16, e Patrick da Silva Diniz.

Os cinco jovens eram inocentes e envolvidos com atividades culturais na comunidade. Eles organizavam e davam aula para crianças de 8 a 10 anos na Roda Cultural Independente de Hip-Hop chamada de Bronx.

Amigo de Sávio e de Matheus, o presidente do Nação Hip-Hop de Maricá-RJ, Saulo Carter que é conhecido como Roots Mc, disse em entrevista ao Portal Vermelho que todos eles eram muito ligados à cultura de rua.

“Eu os conheço há muitos anos, desde quando a gente andava de skate… os dois eram muito extrovertidos, nunca tiveram problema com ninguém e nunca se revoltaram. Muito pelo contrário, eles eram dois meninos alto astral. Nunca soube de algum problema que os envolvesse”, disse.
“O Soul era o mestre de cerimônias nas rodas, ele que puxava o grito de guerra. Já o Mabi era DJ, ele que colocava o som”, falou Roots.

Soul era compositor, produtor e mestre de cerimônia das batalhas de rimas, estava gravando um CD de hip hop com os amigos ligados ao movimento. O Sávio foi mestre de cerimônia da Roda Cultural no ato contra a condenação do Lula no Circo Voador.

Já Mabí era DJ e participava da roda cultural Darcy Ribeiro, realizada de quinze e quinze dias em Itaipuaçu.

Marco Jonathan era dançarino e participou de projetos da Prefeitura. Ganhou o duelo do passinhos e se preparava para ser MC, com algumas músicas de rap prontas.

Cerca de 60 jovens e crianças participaram desses eventos que aconteciam na área de lazer do próprio conjunto. O intuito era de ensinar os jovens a cultura do hip hop e também promover o discurso político. Porém, essa movimentação emancipadora sempre desagradou quem usa farda.

“A Roda Cultural em si já era malvista, não só da área deles, mas em todos os lugares da cidade. Tem a Roda de Poesia que tem um cunho totalmente político, em que batemos no sistema, que falamos da polícia e abordamos a desigualdade… Então acredito que isso incomoda muita gente. Mesmo assim, prefiro não acreditar que isso seja uma forma de silenciar a cultura dos artistas da cidade”.

Logo após a chacina, a imprensa destacou que o Conjunto Residencial Carlos Marighella vinha sendo um local de tráfico de drogas, entretanto, ficou comprovado que nenhum deles tinha ficha criminal ou qualquer ligação com o tráfico. Infelizmente, a morte de inocentes não é exceção no cenário brasileiro. De acordo com uma pesquisa da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e pelo Senado Federal, a cada 23 minutos um jovem negro morre no Brasil.

O estudo apontou ainda que 56% da população brasileira concorda com a afirmação de que “a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco”.

As informações da pesquisa são alarmantes, porém não são uma revelação. Jovens que moram na periferia, são negros e pobres sofrem as consequências da violência urbana, seja ela de origem policial ou não.

“Parece que estamos vivendo um filme de crime, onde da meia noite até seis horas manhã está liberado matar qualquer um, os mais pobres no caso, e quem é rico se salva”, desabafou Roots Mc.

A investigação indica que a chacina foi cometida por milicianos. A delegada titular da delegacia de homicídios de Niterói, Bárbara Lomba, informou que as armas utilizadas no crime eram pistolas calibre 380, que todos os tiros foram dados na cabeça e as vítimas estava perfiladas. Todas essas características do crime indicam os jovens foram assassinados por milicianos.

"Mandaram deitar e atiraram nas cabeças. Foi execução. Não houve nem resistência nem tentativa de fuga. Todos os tiros partiram de uma arma só, pois havia projéteis de uma mesma arma deflagrados no local […] Ainda não há identificação de suspeito, mas indicações fortes. Há reclamações da atuação de milícias no local. Comprovadamente, eles não estavam fazendo nada de ilícito na área de convivência do conjunto habitacional", disse a delegada Bárbara Lomba ao G1.

“É um crime sem explicação. Estavam no lugar errado, na hora errada. O sentimento é o de que pagaram pelo que não fizeram. Meu sobrinho era um menino do bem. A família está abalada. Ele e os amigos eram rapazes que gostavam de cantar e dançar. Iam inclusive fazer um clipe. Meu sobrinho estava juntando dinheiro para isso e o pai prometeu ajudá-lo se houvesse necessidade”, contou um parente de Sávio Oliveira, sob condição de anonimato, ao jornal Extra.

Não são apenas os parentes dos jovens que demonstram medo do que pode acontecer daqui para frente. Saulo expõe a mesma preocupação:

“Aqui na cidade não foi a primeira vez que aconteceu isso. Sabemos que sempre houve repressão. Há alguns anos, inclusive, eu mesmo tomei dura da polícia fazendo Roda Cultural. A polícia chegou a pedir para parar a roda, tive que conversar com o policial para não acabar com o evento. E agora, depois dessas mortes, estamos com medo de saber quem pode ser o próximo ou o que pode acontecer”.

Violência incessante

Casos como esse vêm acontecendo frequentemente, principalmente no Rio de Janeiro. Um dia antes outro adolescente também chamado Matheus foi morto. O jovem Matheus da Silva Duarte, de 19 anos, morreu durante confronto entre policiais e traficantes no sábado (24) na Rocinha. De acordo com parentes ele tinha o sonho de ser militar e trabalhava como príncipe de valsa.

Um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que negros representam 71% das vítimas de homicídios no país e que de 2005 a 2015, o número de brancos assassinados caiu 12% e o de negros subiu 18%. Pesquisas confirmam que jovens negros sem estudo são maiores vítimas de violência.

Enquanto isso, a intervenção militar continua sendo uma medida paliativa e eleitoreira. Efetivamente a intervenção não solucionou ou diminuiu os crimes no Rio, ela tem acirrado a disputa entre a milícia e os traficantes.

Conclue-se que adolescentes com planos e esperanças são punidos pelas fardas todos os dias e, assim como mostrou a pesquisa citada acima, “a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco”. Todos esses meninos eram negros.