Reforma agrária desenvolve cidades, une famílias e alimenta o país

Depois de permanecer parada durante cerca de três horas na entrada de Francisco Beltrão, interior do Paraná, em função da ação criminosas de ruralistas, a Caravana Lula pelo Brasil pela região Sul chegou à cidade de Quedas do Iguaçu na noite desta segunda-feira (27).

Por Cláudia Motta Especial para RBA e TVT

Caravana de Lula no Sul Quedas do Iguaçu 2018 - reprodução

Logo na entrada, trabalhadores, agricultores, assentados da reforma agrária espalhavam-se à margem da estrada. Uma faixa dizia: “Quedas do Iguaçu não é Bagé”. Muitos acompanham a caravana, proporcionando a segurança renegada pelas autoridades locais aos atos.

Entre Quedas do Iguaçu e Rio Bonito do Iguaçu está o assentamento Celso Furtado, uma das muitas conquistas da reforma agrária promovida pelos governos petistas na região. A área foi ocupada em maio de 1999 por quase 2 mil integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Após muita disputa, o assentamento foi oficialmente criado em 2004.

Os pequenos agricultores do oeste do Paraná travam luta ferrenha por terras com a madeireira Araupel, complexo de 63 mil de hectares sob suspeita de ter sido grilada da União. Paira ainda uma disputa judicial sob o assentamento já que a empresa cobra do Incra indenização.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) já venceu em primeira e segunda instâncias e aguarda um último julgamento. Enquanto isso, o assentamento cresceu. Dados do Incra, de 2016, indicam que a produção de leite local chega a 4,3 milhões de litros por mês.

Além de crédito para os pequenos agricultores, programas como Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos, Pronaf, mudaram a lógica do desenvolvimento local. Dados do Departamento de Economia do governo paranaense dão conta de que 50% das propriedades em Quedas do Iguaçu são da reforma agrária. E como a agricultura movimenta em torno de R$ 300 milhões ano na cidade, é possível compreender o acolhimento à visita do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à região.

Mas a batalha do MST não para, pois quanto piores as condições de vida nos centros urbanos – no Brasil e até em países vizinhos –, mais trabalhadores procuram os acampamentos que se formam na região. A crise vem sendo agravada no país após o golpe de 2016, e pelo retrocesso político e nos direitos sociais desencadeados em parte do continente.     

O camponês Valdir Szimanski, de 51 anos, desde criança vivia no Paraguai, mas abandonou o país e há alguns meses passou a compor o grupo de 4 mil famílias que ocuparam uma nova área grilada pela Araupel, formando o assentamento São Tomás Balduíno, a 9 quilômetros do Celso Furtado. “Tava difícil com esse presidente lá (o conservador Horácio Cartes). Não tinha serviço, estávamos passando dificuldade.”

Alguns tios que moram em Quedas e um primo que participa do movimento fizeram o primeiro contato. “Trabalho todo dia pra comer. Mas gosto de ficar aqui.” Desde pequeno Valdir trabalha na agricultura e considera melhor a vida no assentamento, onde está com a mulher Maria, 26 anos, a filha Fernanda, 5, e o pequeno Paulo, de 2. Fernanda já estuda na escolinha do assentamento onde a professora Débora Makoski Francelino, 19 anos, dá aulas.

“Eu me sinto muito orgulhosa por estar lutando por algo que acho que todos os jovens deveriam estar, presentes em algum movimento social”, afirma. “É um orgulho e tanto fazer parte do MST porque é algo que a gente está conquistando para nós, para o Brasil, para estar melhorando tanto na alimentação, quanto na educação”, diz a jovem professora, defensora da agroecologia e do manejo sustentável da terra.

Débora conta que chegou ao acampamento cheia de preconceito em relação aos sem-terra. “Com o passar do tempo fui tendo uma mente totalmente aberta para ouvir as pessoas.” O avô de Débora fez parte da luta pela terra que resultou no assentamento Celso Furtado. “A gente ia visitar ele e eu não gostava. Todo mundo naquelas barraquinhas de lona. Eu tinha uma vida de conforto, numa casa de tijolos que era três vezes maior do que a que eu moro hoje aqui. Chegar e ter uma casa de madeira foi muito diferente.”

Seu pai abandonou a vida desse “conforto” na cidade – “era viver para trabalhar e não trabalhar para viver, sem tempo nem para a família” – e decidiu seguir ao lado do movimento. “Eu tinha 16 anos e não queria vir. Todo mundo falava mal dos sem-terra e eu não sabia o que era. Tinha esse preconceito que têm os que não têm tempo ou dedicação para pesquisar o que é de fato.”

E a futura professora foi se enturmando. “Vi que estávamos todos na mesma realidade, éramos todos iguais. Fui estudando mais sobre o movimento, e gostando”, constatou. Ela conta que o contato com o dia a dia desses camponeses obstinados acabou com o estereótipo de “violentos e vagabundos” atribuído ao movimento pelos adversários que controlam as mídias regionais e nacional, financiadas pelo agronegócio.

“Vi uma realidade toda diferente. Cheguei e nossa casa estava pronta. E quem vai chegando a gente ajuda. Tem lona, vamos fazer casa. Não tem fogão, vamos correr atrás de fogão. Tem fogão velho sobrando, dá para o vizinho. É uma coisa de cooperação: um por todos, todos por um”, descreve. “Aqui não existe uma pessoa só para comandar o movimento, todos nós comandamos.”

Praticamente toda a família de Débora vive unida junto ao MST. “Hoje temos uma causa, por nós e pelo povo. É uma causa muita nobre”, diz, orgulhosa. Quando perguntada sobre a visita da caravana, os olhos marejam. “Ele ter vindo pra cá mostra que nosso futuro presidente reconhece a nossa luta e está do nosso lado. E representa também uma democracia muito grande para nós. A democracia está aí, é só a gente saber respeitar como nosso futuro presidente está fazendo.”

Sobre os agressores da caravana, ela considera uma covardia. “Eu não tenho nada contra quem vota para fulano, para outro. A gente só quer respeito. A gente tem direito de votar para quem a gente quer, porque a gente quer o melhor para o Brasil”, disse, já partindo para o ato que esperava Lula na praça central de Quedas do Iguaçu.

Conhecimento libertador

A frase, que resume o pensamento da professora Débora, estava em uma das paredes do galpão do assentamento Dom Tomás Balduíno. “O conhecimento liberta”. A educação é uma das ações mais valorizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Assim, a criação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) contou com a cessão de três lotes de terra pelo Assentamento 8 de Junho.

“O que interessa nesses assentamentos é discutir a educação no campo. Aqui dentro, à medida que assentamos as famílias, passamos a ter várias escolas do campo, do ensino infantil ao médio”, relata Elemar do Nascimento, do MST e professor da UFFS. “Temos ao redor de 3 mil estudantes só em Rio Bonito do Iguaçu.”

O professor participou de todo o processo que levou à construção da universidade em Laranjeiras do Sul e conta que os movimentos sociais da região, nos três estados, começaram a debater o ensino superior como direito e como estratégia de desenvolvimento. “Em 2005 nos unificamos e, em 2007, houve a concordância do governo federal em criar a universidade. Era Lula presidente e Haddad no Ministério da Educação.”

Além de filhos de agricultores de trabalhadores de pequenas e médias cidades, a UFSS de Laranjeiras acolhe também indígenas da região.