Corte da Selic é insuficiente para puxar economia e expõe incertezas

O Comitê de Política Monetária (Copom) anunciou nesta quarta (21) uma redução da taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual. Com isso, a Selic passa a ser de 6,5%, nova mínima histórica. Mesmo assim, o país continua a ter uma das taxas de juros reais (descontada a inflação) mais altas do mundo. Com o spread bancário nas alturas e sem o fomento a investimentos públicos e privados, o corte da Selic tem se mostrado insuficiente para impulsionar a combalida economia brasileira.

Centrais promovem ato nesta terça-feira contra os juros altos

Desde outubro de 2016, quando a Selic se encontrava em 14,25%, o Copom vem promovendo cortes na taxa, que agora chega ao seu 12º recuo. Em comunicado, o comitê sinalizou que pode fazer nova redução moderada nos juros na próxima reunião, em 16 de maio, algo que analistas do mercado financeiro não esperavam.

"A evolução do cenário básico tornou adequada a redução da taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual nesta reunião. Para a próxima reunião, o comitê vê, neste momento, como apropriada uma flexibilização monetária moderada adicional [novo corte na Selic]. O Comitê julga que este estímulo adicional mitiga o risco de postergação da convergência da inflação rumo às metas", informou o Copom.

Ao anunciar a manutenção da queda dos juros, o Banco Central, na verdade, está apenas corrigindo seus próprios erros nas projeções de inflação. Isso porque a autoridade monetária vinha estimando um Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) muito acima do que vem se confirmando. E, nesse cenário, manter a Selic no patamar em que se encontrava significaria que a taxa real estaria na prática subindo ao invés de cair.

Para o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, tantas quedas consecutivas da Selic refletem as incerteza do governo ante o prolongamento da crise econômica do país."Os sinais indicam que a saída do fundo poço é instável e insegura. Há sinalizações de melhoras e pioras em diferentes quadros. Os resultados de janeiro foram ruins em diversos setores da economia. Portanto, a crise é muito mais grave do que aquela que o governo tenta mostrar à sociedade", opina Clemente, em entrevista à Rádio Brasil Atual.

Mesmo com a redução promovida nesta quarta, o Brasil continua entre os campeões de juros do mundo. Mas caiu de quinto para sexto lugar no ranking elaborado pelo MoneYou e pela Infinity Asset Management. Com os juros básicos em 6,5% ao ano, a taxa real do Brasil soma 2,54% ao ano, atrás apenas da Turquia (5,95% ao ano), Argentina (4,56% ao ano), México (3,57% ao ano), Rússia (3,36% ao ano) e Índia (2,67% ao ano), informa matéria do G1.

Segundo os trabalhadores, o recuo dos juros não tem sido suficiente para recuperar a economia, num quadro em que há 12,7 milhões de pessoas desempregadas. Vale lembrar que o PIB do país acumulou queda de 7,2% entre 2015 e 2016, algo que o 1% de crescimento em 2017 está longe de conseguir compensar.

O secretário-geral da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Wagner Gomes, destaca que, apesar de a Selic estar caindo, não só os juros reais continuam altoa, como o spread bancário se mantém nas alturas. Spread é a diferença entre o que os bancos pagam na captação de recursos e o que eles cobram ao conceder um empréstimo para uma pessoa física ou jurídica.

“A Selic tem que continuar caindo, precisa baixar mais. Mas o principal problema são os juros reais e o spread bancário. A Selic não reflete os juros que são cobrados pelo sistema financeiro. Há operações que cobram 250% de juros ao ano”, afirma o sindicalista.

Em janeiro, as taxas do cheque especial e do cartão de crédito rotativo, por exemplo, estavam acima de 300% ao ano. Segundo o presidente da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs), Paulo Solmucci, apenas dois países têm spread acima de 20% no mundo: Brasil, em torno de 39%, e Madagascar, que chega aos 45%.

Wagner Gomes destaca que os juros elevados terminam por inviabilizar o crédito, atravancando a economia. “As empresas, para pegarem financiamento nos bancos, não pagam a Selic, se submetem a juros escorchantes que inviabilizam os investimentos. O mesmo acontece com a população, que poderia pegar empréstimos para melhorar a sua casa, viajar, fazer compras, mas não consegue, porque os juros são muito altos. Então é preciso fazer campanha para que os juros bancários baixem muito”, defende.

Na sua opinião, enquanto a Selic se mantiver baixa, mas os juros cobrados de empresas e família permanecerem na estratosférica, não vai haver a retomada necessária dos investimentos na indústria e do consumo das famílias. “Tem que haver um movimento do governo para combater o spread bancário. O governo precisa pressionar os bancos a reduzirem. Ele tem o BNDES e os bancos estatais na mão, poderia fazer um movimento assim, para reaquecer a economia”, sugere.

Gomes destaca que o fato de os juros reais brasileiros serem tão altos, num contexto em que vários países do mundo têm taxas negativas, inibe o interesse de investimentos – internos e externos – no setor produtivo, base fundamental para a retomada do crescimento de qualquer nação.

“Não devemos ter ilusões. Não será somente reduzindo os juros que superaremos a realidade dramática de mais de 30 milhões de brasileiros, hoje, condenados ao desemprego ou a condições de subemprego. Há de se perguntar, por que essa queda não alancou o crescimento? Lembremos que nosso pibinho foi de 1%. A realidade mostra que reduzir os juros é somente um passo dentro da engrenagem do sistema. Não vemos empenho nenhum do governo em investir na retomada da economia, com o fomento de investimentos públicos e privados, para assim estimularmos a geração de emprego e reaquecermos nossa economia”, completa.

Em nota divulgada ainda nesta quarta (21), o dirigente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, também avaliou que a redução de 0,25 ponto percentual na Selic é insuficiente para alavancar a atividade econômica. “A redução é extremamente tímida e fica muito aquém daquilo que os brasileiros esperavam. Ela serve apenas como um pequeno alento. É acertar no medicamento mas errar feio na dosagem”, avalia.

Para a central, o conservadorismo do Copom segue mantendo a economia estrangulada, “inibindo os investimentos no setor produtivo, que gera emprego e renda, e impedindo a geração de novos postos de trabalho formais, cuja falta vem penalizando milhões de famílias brasileiras”.