Da periferia até a Câmara, lutando pelos direitos das mulheres no Rio 

O Women and Girls (Mulheres e Meninas, em inglês) é uma plataforma de artigos referentes a população de pessoas do sexo e gênero feminino por todo o mundo, que faz parte do portal agregador News Deeply. No dia 5 de março de 2017 foi publicado um artigo detalhando a importante trajetória de luta de Marielle, sem imaginar que no mês do ano seguinte ela seria assassinada. O Portal Vermelho trás o artigo traduzido abaixo, para homenagear a grande mulher de luta que foi Marielle 

Marielle Franco

Quando Marielle Franco decidiu se candidatar para conquistar uma cadeira na câmara do Rio de Janeiro, ela já tinha três obtáculos pela frente aos olhos do público eleitor: ela é mulher, ela é afro-brasileira e ela veio da favela, as comunidades periféricas da cidade. Apesar das dificuldades, ela foi eleita no ano passado, e desde então tornou sua prioridade a luta pelo direito das suas eleitoras. 

"Nós, mulheres, estamos na base da pirâmide, com os salários mais baixos e trabalhando o dobro" diz Franco, aos 37 anos, que pertence ao Partido Scoailista e Liberdade (PSOL), de esquerda. "Eu também quero trabalhar em questões de raça e nas favelas, mas primeiro temos que nos concentrar em questões de gênero".

Desde o início, a primeira jogada foi propor um projeto de lei para melhorar a acessibilidade aos serviços de aborto no Brasil. Embora o procedimento seja legal no país em certos casos – quando a gravidez é o resultado de um estupro, quando coloca a vida da mãe em perigo ou quando o feto está sem partes do cérebro e do crânio – realmente ter acesso aos serviços de aborto é difícil.

A pesquisa da equipe de Franco mostrou que no Rio de Janeiro apenas uma clínica oferece abortos, e mesmo lá, as mulheres se queixam de um mau serviço. Por exemplo, os médicos podem se opor à realização do procedimento devido às suas crenças religiosas ou morais, deixando as mulheres que precisam encerrar suas gravidezes com nenhum outro lugar para ir.

A nova lei proposta por Franco obrigaria todos os profissionais de saúde do Rio a serem treinados no processo de aborto legal. Todas as clínicas e hospitais da cidade deveriam informar as mulheres sobre seus direitos em casos de aborto legal e todas as unidades da rede de cuidados obstétricos teriam que oferecer abortos legais, mesmo que os médicos tenham uma objeção política ou religiosa ao procedimento.

Combater pelos direitos reprodutivos das mulheres não é uma tarefa fácil em uma cidade cujo prefeito é um ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, uma igreja neopentecostal altamente conservadora. Mas Franco está acostumada a lutas difíceis: ela cresceu no Complexo do Maré, um complexo de 16 favelas no norte da cidade, e teve que abandonar a escola aos 18 anos, quando engravidou. Com o apoio de sua mãe, que ajudou a cuidar da filha de Franco, ela conseguiu continuar sua educação e obter um diploma em ciências sociais.


Em 2006, ela se ofereceu para a campanha estadual de Marcelo Freixo, que agora é congressista na bancada do PSOL. Ele ganhou, e Franco tornou-se uma das suas assistentes parlamentares. "Eu coordenei com a Comissão de Direitos Humanos, acompanhei as políticas das favelas e movimentos sociais e trabalhei com familiares de pessoas vítimas de violência – civis e policiais", diz ela.

Franco passou a maior parte de sua vida na favela da Maré. Ela diz que não quer trabalhar apenas pelo lugar de onde ela veio, mas que todas as causas pelas quais ela luta têm um impacto sobre as pessoas que vivem nas favelas. "As mulheres negras constituem a maioria das vítimas de estupro", diz ela. "Então, quando luto pelo acesso ao aborto legal, também estou lutando pelas favelas".

De acordo com as últimas estatísticas estaduais, 4.128 mulheres relataram estupro em 2015. E um estudo do Institute of Applied Economic Research mostra que em 2011, 51 por cento dos sobreviventes de estupro no Brasil eram mulheres negras.

A equipe de Franco, que inclui muitas mulheres e residentes da favela, planeja organizar um seminário sobre as favelas em maio de 2017. Uma das suas maiores preocupações é a violência armada, particularmente tiroteios policiais. De acordo com as últimas estatísticas do Ministério da Saúde, 50 crianças e adolescentes foram mortos pela polícia entre 2003 e 2012, no estado do Rio de Janeiro. "Damos apoio a famílias de vítimas de violência, como a família de Fernanda", diz Franco. Fernanda Adriana Caparica Pinheiro, de sete anos de idade, morreu durante um tiroteio em fevereiro de 2017 na favela maré do Parque União.

Em parte devido à violência nas favelas, Franco deixou a Maré em janeiro [de 2017], mudando-se para o bairro de classe média da Tijuca. "Eu já estava pensando em mudar, porque minha filha vai começar na faculdade e está mais perto", diz ela. "Minha família ainda vive lá, então eu vou lá muitas vezes – eu só não vou mais todas as noites".

Os residentes de Favela tendem a ser conservadores, em grande parte devido a fortes convicções religiosas, que Franco diz que muitas vezes resultam em votos que mantêm o status quo. Mas ela vê as coisas mudando, pouco a pouco.

"Eu acredito que nós [mulheres das favelas] estão melhorando, em termos de liberdade sexual, de poder estudar … Claro, isso só se aplica a algumas mulheres, mas estamos mudando", diz ela.