Eleições na Colômbia: Votar na Farc foi um ato de coragem

Depois de 50 anos clandestinos na selva colombiana, os guerrilheiros das Farc vieram à luz e se lançaram na disputa política para defender paz e justiça social. O partido, que tem a mesma sigla da ex-guerrilha, conquistou mais de 58 mil votos para o Senado e a Câmara nas eleições gerais realizadas no último domingo (11). Pode parecer pouco, mas se levamos em conta que há menos de um ano, muitos destes candidatos sequer tinham rosto, a história muda de contexto.   

Por Mariana Serafini

Eleições na Colômbia - Divulgação

Um dos pontos do Acordo de Paz foi a garantia de transição dos ex-guerrilheiros à vida civil e participação da ex-guerrilha na disputa política eleitoral colombiana. Ao abandonar as armas, as Farc se converteram em partido e conquistaram o direito a cinco cadeiras no Senado e cinco na Câmara durante dois mandatos, mesmo que não tenham votos o suficiente para preenchê-las. Com isso, os guerrilheiros que até pouco tempo atrás viviam na clandestinidade, ganham tempo e espaço para se apresentar à sociedade e, principalmente, mostrar qual é o programa político do partido recém fundado.

Certamente a Farc não contava com uma votação expressiva nesta primeira disputa porque sabe exatamente o campo minado em que está inserida enquanto força política. No dia seguinte à eleição, emitiu um comunicado oficial onde agradeceu cada um dos votos que foram, antes de tudo, um ato de coragem.

Votar na Farc foi uma ação valente porque, para isso, o eleitor precisou vencer o medo, as ameaças e uma imensa campanha de ódio contra a ex-guerrilha, até chegar nas urnas. Desde que os guerrilheiros “ganharam rosto”, ao sair da clandestinidade, são alvo de ataques sistemáticos da extrema-direita que em nenhum momento tentou colaborar com o processo de paz.

Assim que o acordo foi assinado com o Governo, os guerrilheiros passaram a viver em áreas de transição, para entregar as armas, ser registrados e receber documentos como cidadãos colombianos e integrar a vida civil. Este não é um processo simples porque muitas destas pessoas passaram toda a vida adulta na guerra, afinal foi a única forma que encontraram de defender a si mesmas num país dominado pelo narcotráfico e o crime organizado. Não bastasse isso, estas regiões, antes protegidas pela guerrilha, ficaram descobertas e viraram alvo fácil deste paramilitarismo que não foi combatido pelo Estado.

Não à toa, desde que as Farc entregaram oficialmente as armas à ONU, em um processo fiscalizado por diversos organismos internacionais, a violência no campo aumentou em grande escala. Em 2017 os assassinatos de líderes sociais aumentaram 45%. Só em janeiro de 2018, 23 dirigentes foram assassinados. Isso significa que o Estado não está cumprindo com a parte dele no acordo. Uma vez que as regiões antes protegidas pela guerrilha ficaram sem proteção, cabe ao Estado garantir a integridade física destas populações. Mas os números mostram que isso não está acontecendo.

Somado a isso, há uma guerra suja de informação nos grandes meios de comunicação que, assim como no Brasil, são dominados por uma elite pouco interessada em estabilidade social. Fora a mídia hegemônica, há uma guerrilha de informação que envolve as chamadas fake news e campanhas falaciosas para amedrontar a população. E para completar o caos, nas regiões mais pobres, principalmente nas áreas rurais, há a intimidação do paramilitarismo, uma vez que com este aumento dos assassinatos seletivos, a população fica com medo de demonstrar qualquer tipo de apoio ao partido da guerrilha.

Então, para um eleitor sair de casa e decidir depositar o voto dele num candidato da Farc, ele precisou enfrentar contrainformação, campanha de ódio, intimidação e, em alguns casos, ameaça real de morte. Diante deste quadro, a Farc considera que cada um dos pouco mais de 58 mil votos, foram atos de valentia de pessoas dispostas a se somar à luta pela paz.


Bancada da Farc no Senado e na Câmara 


Agora, a Farc pretende honrar estes votos atuando no parlamento para defender a implementação completa do acordo e garantir, desta forma, a tão sonhada paz “estável e duradoura". Depois de assinar o documento, que levou quatro anos para ser elaborado em Havana, o presidente Juan Manuel Santos ganhou um Prêmio Nobel da Paz. Porém, não cumpriu com sua parte do jogo e os movimentos sociais tem sido perseguidos, intimidados e seus líderes assassinados.

Ainda assim, o fim da guerra de mais de 50 anos representa um novo capítulo na história do país. Os movimentos sociais ganharam um novo fôlego para ocupar as ruas, os partidos políticos de esquerda, e não só a Farc, têm mais espaço ampliar o debate e a população passa a ter, aos poucos, acesso a outro tipo de informação que não só o viés da velha elite conservadora.

De acordo com o presidente da Farc, Rodrigo Lodoño, o Timochenko, o partido vai atuar no parlamento de forma a fortalecer a bancada progressista para implementar politicas públicas que beneficiem a todos os colombianos. A sigla defende também a ampliação de serviços públicos básicos, como saúde e educação, além da paz com justiça social.

Em um vídeo publicado nesta segunda-feira (12), o partido agradece os votos e garante que, com a confiança do povo colombiano, poderá avançar para construir uma nova forma de fazer politica no país, sem as velhas práticas clientelistas. O mandato dos dez parlamentares que largaram as armas começa em breve e desafio está lançado.