A abertura saudita às mulheres e suas liberdades – será real?

Novos ares são o motivo das transformações. As mulheres sauditas agora podem dirigir, se alistar nas forças armadas, frequentar estádios esportivos e cinemas – e parece ser só o começo.

mulheres sauditas - EPA

O grupo formado por Nada Qahtani e outras sete mulheres aguardava ansiosamente no saguão do Museu Nacional. Vestidas de abayas pretos, com os rostos protegidos por máscaras que deixavam apenas os olhos expostos, o grupo nunca tinha visto o prédio antes e sabia pouco sobre o que havia dentro.

Um novo cartaz gigante de um sítio da Arábia Saudita antiga cobria a maior parte da parede à frente. Uma coleção de artefatos anteriores à era islâmica ocupava um lugar privilegiado na entrada. “Há dois ídolos lá dentro”, comentou um visitante do museu, apontando para a exposição que teria sido inimaginável nas últimas décadas, quando o passado arqueológico do país era ignorado e, muitas vezes, desautorizado. “O resto está sendo exibido no Japão.”

Outrora guardiões de uma cultura que considerava o período anterior à vida do profeta muçulmano como um tempo de ignorância, os visitantes marcavam o início de uma nova era que abraça – em vez de evitar – a longa história da região. Em novembro, quando a exposição ampliada foi aberta, muitos temiam que a exibição de artefatos considerados por alguns como idolatria geraria fortes reações. Para alívio de muitos, a reação foi quase sempre positiva.

“Tive medo”, disse a historiadora da arte Maha al-Sinan. “Não sabia qual seria a reação das pessoas. Especialmente porque as peças eram exibidas pela primeira vez. As crenças religiosas são associadas a ideias sociais. Era necessário mostrar o que esses ídolos realmente representam. Nem todos eram adorados como um deus. As pessoas querem que saibamos que aceitam a mudança.”

Qahtani, de 26 anos, ficou igualmente entusiasmada. “Nós, da nova geração, precisamos conhecer a história da nossa região”, disse. “Temos raízes profundas aqui. Compreender nossa identidade histórica é importante para nós.”

Do lado de fora do museu, também está em voga entender como o reino moderno chegou até aqui. Nos últimos três meses, os líderes políticos proclamaram – para um público muitas vezes cético – que conhecer o passado do país é fundamental para escrever seu futuro. Discussões sobre história, arqueologia e cultura tornaram-se parte do léxico saudita. Assim como outros antigos tabus, como as liberdades individuais – e uma identidade nacional que assumiu dimensões para além do Islã.

Lentamente, cresce a percepção de que uma mudança real está ocorrendo em um reino conhecido pela resistência a qualquer coisa nova. Mas o ritmo do programa de reforma, introduzido pelo príncipe herdeiro do trono, Mohammed bin Salman, parece ter deixado muita gente desnorteada.

Somente no mês passado, as mulheres foram informadas de que poderiam se alistar no exército e trabalhar no serviço de inteligência. As autoescolas começam em breve as aulas para mulheres, que poderão pegar as estradas sozinhas legalmente a partir de junho. Estádios esportivos já permitem a entrada de mulheres e há cinemas sendo construídos ou reabertos em todo o país. E em um movimento que causou muita surpresa, um importante líder religioso recentemente decretou que o uso do abaya não era obrigatório para o Islã, e deveria ser uma escolha pessoal.

“A maior parte do que conhecemos é a cultura islâmica. É importante que haja algo além”, disse Qahtani. “Não deveríamos nos esconder do que nós, sauditas, éramos.”

Calçando tênis roxos que aparecem por baixo do vestido, Qahtani diz aprovar o decreto sobre o uso do abaya, especialmente a parte sobre ser uma escolha. “Ninguém nos obrigava a vestir isso no Islã”, diz, ignorando o fato de que as mulheres que não respeitassem o rígido código de vestimenta seriam provavelmente chicoteadas pela polícia religiosa. “Para mim, é uma escolha, faz parte da minha identidade.”

Dentro do museu Abdullah, um visitante de Meca conta que usar o abaya era obrigatório. Ao lado dele, sua irmã e sua sobrinha, ambas cobertas da cabeça aos pés, concordam. Novos valores culturais são uma coisa, códigos pessoais são outra.

“É aqui que vão enfrentar resistência”, afirma um diplomata baseado em Riad. “É muito difícil avaliar a verdadeira aprovação a um programa de reforma realmente revolucionário.”

Há quase um ano como homem forte do reino, Mohammed bin Salman consolidou sua autoridade através de uma agenda de mudanças tão acelerada que acabou calando aqueles que poderiam se levantar contra ela. Ao mesmo tempo, ele afastou os clérigos que considerava opositores ao projeto, e expulsou os membros rivais da família real que poderiam tentar disputar o trono.

Sua impressionante ascensão será reconhecida em Londres esta semana, quando o jovem príncipe herdeiro se encontrará com a rainha em sua primeira visita internacional desde que seu pai, o rei Salman, afastou seu primo, Mohammad bin Nayef, para deixar o caminho aberto na monarquia. A recepção que se prepara para o príncipe é a de um herdeiro como também a de um líder de facto. “Muita coisa deve ser superada”, explica um alto funcionário britânico. “A agenda doméstica é autêntica. Mas ele tem algumas questões no âmbito regional. E ele precisa estar atento a quem o aconselha.”

A Arábia Saudita está envolvida em três conflitos regionais – uma guerra no Iêmen, um impasse com o Catar e uma disputa com o líder do Líbano, Saad Hariri – todos eles inflamados pelo príncipe Mohammed. Os conflitos têm raízes na percepção saudita de que o rival regional, o Irã, usou as três arenas para fazer avançar sua agenda. Em Riad, e em partes do Oriente Médio, o príncipe herdeiro é acusado de, involuntariamente, estar jogando os três países no colo do Irã.

“Ele ainda não sabe liderar”, disse um grande empresário de Riad. “Mas espera-se que chegue lá.”

Na capital da Arábia Saudita, nos últimos três meses, o assunto são os acontecimentos no hotel Ritz Carlton, onde titãs da indústria, executivos e políticos estiveram detidos, acusados de suborno. Louvada pelo príncipe Mohammed como uma faxina contra a corrupção e o marco de um novo ambiente de negócios mais transparente em uma sociedade que busca atrair capital internacional, a operação também foi criticada e foi considerada por muitos uma demonstração flagrante de abuso de poder.

Um alto funcionário descreveu o episódio, que terminou em meados de fevereiro com dezenas de detidos (de uma lista original de cerca de 300) sendo transferidos para uma prisão, como “uma operação com três objetivos” – primeiro: buscar uma forma mais transparente de fazer negócios globalmente; segundo: recuperar ativos e dinheiro perdido ao longo de décadas de suborno de escala industrial; e terceiro: afastar os rivais do príncipe Mohammed. “Como ele vai sair do episódio ainda vamos descobrir”, disse outro alto funcionário.

Também é incerto como uma sociedade conservadora, desabituada a perturbações, vai sair de sessões tão regulares de terapia de choque. Com anúncios sobre as últimas reformas sendo feitos quase diariamente, há o temor de que “o sistema” possa frear o impulso.

“Há muitos funcionários de médio escalão que não querem ver mulheres no local de trabalho ou nas ruas”, afirmou um alto funcionário militar. “Eles sabem que a melhor maneira de frear o movimento não é bater de frente com a lei, mas obedecê-la. Qualquer mudança real aqui precisará de muito mais do que uma pessoa – mesmo com muita força e poder – mandando mudar.”

Nas ruas de Riad, uma rede de metrô semiacabada e um centro financeiro semiconcluído sugerem que o fosso entre ambição e realização permanece enorme. “Os preços mais do que duplicaram nos últimos nove meses”, conta Mahmoud Azzam, um motorista da cidade. “Se os negócios não melhorarem, aí veremos se essas reformas vão ser bem-sucedidas ou não.”