“Constituição não pode ser rasgada por contrariar as forças políticas”

“Como se sabe, a nossa Constituição não é uma mera folha de papel, que pode ser rasgada sempre que contrarie as forças políticas do momento”, afirma o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski em seu voto sobre a prisão em segunda instância, tema que deve voltar ao debate da Corte ao analisar o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Lewandowski, Presunção de inocência, a mais importante salvaguarda - Foto: Carlos Humberto/Época

Portanto, a decisão desta terça-feira (6), da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de negar o habeas corpus preventivo requerido pela defesa de Lula, apesar de ter sido unânime, pode não ser definitiva.

O principal ponto de controvérsia é o que trata do princípio da presunção de inocência, previsto na Constituição Federal, cuja interpretação era de que um réu só deveria cumprir a sentença de prisão após transitado em julgado, ou seja, após esgotados os recursos até a última instância. No entanto, em fevereiro de 2016, em votação também de um habeas corpus, o plenário do Supremo entendeu que o artigo 283 do Código de Processo Penal não impede o início da execução da pena após condenação em segunda instância.

A decisão alterou a interpretação jurisprudencial, transformando o “pode” em “deve” estabelecendo que um réu deverá cumprir a sentença de prisão imediatamente após esgotados os recursos na segunda instância.

“A questão está em aberto no Supremo. O tribunal está com muitas idas e vindas em relação a isso. Só depois da decisão do STF teremos uma definição. Não se pode achar que essa decisão já permite a prisão”, afirmou o jurista e professor emérito da USP, Dalmo Dallari.

O tema deve ser debatido com o recurso apresentado pelo ex-presidente Lula. Apesar da ministra Cármen Lúcia, presidenta da Corte, ter reafirmado que não pretende colocar em votação o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, apresentadas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, pedindo a suspensão da execução antecipada da pena após decisão no segundo grau.

As ações foram relatadas pelo ministro Marco Aurélio Mello, que também é contrário à pena antecipada e já liberou o voto para o Plenário, pressionando a presidenta, ministra Cármen Lúcia, para que coloque o tema em pauta.

Alguns ministros já manifestaram que a pauta deve ser reaberta para não gerar insegurança jurídica sobre o tema. Isso porque o recurso de Lula não pode ser avaliado sem que tais ações não sejam discutidas pelo plenário.

No entendimento do ministro Ricardo Lewandowski, por exemplo, a prisão só pode ocorrer após esgotados todos os recursos e instâncias.

Lewandowski, que adiantou o voto das cautelares ao site Conjur, defende que a Constituição determina que só após trânsito em julgado alguém poderá ser considerado culpado. Segundo o ministro, trata-se de cláusulas pétreas, ou seja, que não podem ser reformadas de modo a reduzir ou retroceder direitos e garantias fundamentais.

“A presunção de inocência integra a última dessas cláusulas, representando talvez a mais importante das salvaguardas do cidadão, considerado o congestionadíssimo e disfuncional sistema judiciário brasileiro”, afirma o ministro.

Lewandowski afirma ainda que a legislação brasileira não prevê a prisão automática em segunda instância, podendo ocorrer somente em casos excepcionais, a depender do caso particular do condenado.

“Não consigo ultrapassar a taxatividade desse dispositivo constitucional, que diz que a presunção de inocência se mantém até o trânsito em julgado. Isso é absolutamente taxativo, categórico; não vejo como se possa interpretar tal garantia.”

O STF está dividido sobre o tema. Há dois anos, a corte rejeitou os pedidos de liminar das ADCs. No entanto, a composição foi alterada com a morte do ministro Teori Zavascki e a chegada de Alexandre de Moraes. Houve ainda mudança na posição do ministro Gilmar Mendes. Em setembro, assume a presidência o ministro Dias Toffoli, para quem a execução de pena só deve ocorrer depois de julgamento no Superior Tribunal de Justiça.