Pedro Celestino: "Sem Embraer, acaba emprego, acaba tudo"

Se a Embraer for vendida para a Boeing, “acaba a indústria, vai embora emprego, vai embora tudo”. O alerta é de Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia. Para ele, a proposta de venda da empresa brasileira aos norte-americanos demonstra mais uma vez que o governo Temer quer “destruir o que se construiu neste pais nos últimos 80 anos”.

Por Eleonora Lucena e Rodolfo Lucena

Pedro Celestino

Na sua visão, essa sanha destruidora ocorre porque “o governo Temer foi capturado pelo mercado financeiro”. Ele pergunta: “Cadê a indústria, cadê a agricultura, cadê o comércio que não reagem à destruição? O que me faz pensar que o umbigo deles já tenha passado para Miami. Eles não terão condição de produzir com tudo na mão de estrangeiros”, afirma.

Outro motivo para a falta de reação é a ausência de debate dessas questões na sociedade: “O mundo inteiro hoje assiste ao que eu chamo de goebbelização da mídia. Se nós formos a qualquer lugar do planeta, o que a mídia publica é a mesma versão dos fatos, a mesma versão”, assinala.

De acordo com ele, há um “monopólio da mídia capturada pelo capital financeiro internacional”, que não abre espaço para discussão dos assuntos econômicos. “É esse monopólio da desinformação que dificulta a formação de consciências que resistam a esse processo de alienação”.

Celestino afirma essa questão passou a ser muito presente no Brasil em razão da transformação do país em protagonista. “Essa crise decorre não das nossas debilidades, mas do que nós conseguimos fazer”.

Destruição da economia

Ele lembra do salto que o país deu nos últimos 80 anos, deixando de ser um mero exportador de café e se tornando uma economia industrial complexa. Foi a partir dos anos 1930, com Getúlio Vargas, que o país se transformou, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, a Petrobras, a Eletrobras, o BNDES.

Nessa trajetória, diz, “o Brasil enfrentou muitos interesses contrariados. A visão contrária aos interesses nacionais esteve presente na crise que levou ao suicídio de Getúlio, na instalação do regime militar em 64”. Na década de 1960, o país era a 56ª economia mundial; hoje é uma das 10 maiores. Naquela época, o café representava 70% das receitas cambiais; hoje significa 2% –e o país segue liderando o mercado.

“Esse processo tem um corte a partir da ascensão de Temer ao poder. É uma ruptura com o que se fez no Brasil dos anos 30 até agora. É uma ruptura traumática e dramática. Porque está destruindo todas as conquistas da nossa sociedade, do ponto de vista econômico, social, ao longo de oito décadas. O Brasil está em processo de destruição de seu sistema econômico, nos tornando mais uma vez dependentes da importação de produtos industrializados e exportadores de produtos primários”, declara.

Petrobras esfolhada como alcachofra

Essa destruição atinge a Petrobras, o BNDES, a Eletrobras, a Embraer –todos os ícones do desenvolvimento brasileiro construídos por oito décadas graças à atuação forte do Estado.

“A Petrobras está sendo esfolhada como se fosse uma alcachofra”, resume Celestino. Ele ressalta que a estatal é a âncora do desenvolvimento industrial brasileiro, responsável por uma cadeia de mais de cinco mil empresas nacionais e estrangeiras, 800 mil empregos especializadas.

Para ele, caso a esfolhação continue, dentro de três anos, no máximo, a Petrobras será apenas uma pequena produtora de petróleo.

Visão satânica da privatização

O caso da Eletrobras também é dramático. O engenheiro lembra da construção do inovador sistema hidrelétrico no país. Único no mundo, ao interligar amplas regiões e administrar regimes hídricos diferentes, proporcionou um modelo seguro de energia barata –o que é vital para o desenvolvimento industrial, entre tantos outros benefícios à população.

“Hoje, temos uma das maiores tarifas de energia elétrica no mundo. E o governo pensa em privatizar a Eletrobras, que é responsável pela integração de todas as nossas bacias hidrográficas, tirando partido de nossa dimensão continental. Hoje está sendo proposto destruir, privatizar, para que passemos a consumir energia como se fosse mercadoria qualquer. Essa visão satânica de querer privatizar tudo chega à água”.

Celestino afirma que a decisão de Temer vai na contramão da tendência mundial. “Todas as experiências de décadas de privatização de serviços de abastecimento estão sendo revertidas. Porque os grandes grupos que se apossam não têm compromisso com tarifa módica, com a universalização do serviço e com qualidade”.

Boeing não pode ter participação na Embraer

O presidente do Clube de engenharia coloca o debate sobre a venda da Embraer para a Boeing na mesma quadra de destruição promovido por Temer. Enfatiza a base tecnológica da empresa sediada em São José dos Campos: dos seus 18 mil funcionários, 7 mil são engenheiros. E recorda seu crescimento em vários setores da aviação, “fruto da dedicação e idealismo de gerações de oficiais da aeronáutica”.

No contexto mundial de hoje, com a compra da divisão de aeronáutica da canadense Bombardier pela Airbus, “o adversário da Embraer passou a ser a Airbus. É David e Golias. A Embraer tem que buscar uma parceria com alguma gigante para poder enfrentar a Airbus. Ou com a Boeing, ou com uma empresa russa ou com uma chinesa. EUA, Rússia e China são três países que tem mercado interno, e indústria aeronáutica forte”, declara.

Celestino diz não ter “nada contra buscar entendimento com um gigante. O que não pode é ter participação acionária. Se tiver participação, o gigante come”.

Ele lembra que a Dassault teve participação minoritária na Embraer (20%), o que foi suficiente para impedir que a companhia brasileira se desenvolvesse na área de aviação executiva.

“Não pode ser sócio, mas pode ser parceiro”, diz Celestino. Para ele, sem mexer na composição acionária, a Embraer poderia discutir acordos de parceria com a Boeing que seriam vantajosos para as duas companhias. Por exemplo, ele sugere acordos de comercialização de aviões da Embraer pela Boeing, de utilização de bases de manutenção etc.

“Se tiver um governo sério, vai conduzir negociação dessa maneira. E a Boeing vai topar, porque ela não tem outro jeito. Ou ela vai levar 10 anos para substituir o Hércules”. A Embraer já desenvolveu o KC-390 para entrar nesse mercado de transporte militar.

Celestino enfatiza que mesmo com parcerias, que seriam bem-vindas, é necessário manter como está a estrutura da Embraer. “A área militar só sobrevive com os ganhos da área civil; se separar, mata”. Ele advoga que o BNDES tenha uma política para financiar jatos para o mercado interno. E informa que no entorno da Embraer existem outras 100 empresas de base tecnológica.

Opep das Commodities

A defesa que Celestino faz do setor industrial não implica crítica à agropecuária. “Não tenho nada contra o Brasil ser o celeiro do mundo”, diz. Para ele, o essencial é que “a comercialização seja controlada por nós”. Na sua análise, o grande objetivo em afetar a JBS era justamente atingir “o único setor do agronegócio em que a formação de preços era feita no Brasil”, pois ela controlava os mercados brasileiro, argentino, australiano, norte-americano.

“Tinha que se quebrar essa estrutura, para que nosso produtor de carne passasse a depender da Bolsa de Chicago. No dia em que Brasil e Argentina decidirem comandar a política de formação de preços da soja e do milho, muda a relação de poder no mundo”.

Empresariado acuado

O presidente do Clube de Engenharia lamenta, nesta entrevista ao TUTAMÉIA, a falta que fazem grandes industriais do passado, como Roberto Simonsen, José Mindlin, Antônio Ermírio de Moraes. Einar Kok. “Eram expoentes do interesse nacional, pensavam o país, iam além do seu faturamento. Hoje esse empresariado se encontra acuado”, declara.

Celestino salienta também a importância vital do BNDES para o desenvolvimento do país nessas oito décadas. Agora, sem falar em privatização, o governo Temer esvazia o papel do banco público. “Estão liquidando com o BNDES. Não é privatizar o BNDES. É deixar definhar”, aponta.

Risco de explosão social

Com a toda essa destruição atingindo os pilares da economia brasileira, Celestino teme pelo pior:

“Estamos quebrando as cadeias produtivas, o que faz de nosso pais novamente uma colônia. Uma nação com mais de 200 milhões de pessoas não sobrevive se não tiver um projeto de desenvolvimento. Que é o que assegura a paz social. Sem um projeto de desenvolvimento, explode o pais. Tenho medo de nós nos mantermos como país sem um projeto de desenvolvimento. A Nigéria é um barril de pólvora, explodiu. Não há polícia, Exército que dê conta da revolta popular. Nós corremos o risco decorrente de não haver no país uma proposta de desenvolvimento. O caminho é eleição, buscar apoiar candidatos que tenham compromisso com o desenvolvimento. É o que assegura a paz social”.