Jô Moraes: Agora é que são elas

As comemorações do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março de 2018 devem se transformar em momento especial de reforço da luta pela democracia, pelos direitos dos trabalhadores e por um projeto que retome o desenvolvimento soberano do país. Mas, deve ser, sobretudo, um momento de dar visibilidade às situações degradantes que, em pleno século XXI, as mulheres ainda estão submetidas. 

Por Jô Moraes*

Jô Moraes defende aprovação de cota para mulheres - Richard Silva/PCdoB na Câmara

A experiência histórica já nos ensinou que os avanços mais importantes conquistados pelas mulheres só se dão em períodos de expansão democrática, de desenvolvimento econômico e através da pressão direta das ruas.   

O mundo e o Brasil vivem, hoje, um momento de desconstrução de projetos nacionais e de negação de valores humanos historicamente consolidados, onde as maiorias sociais e minorias políticas são as mais atingidas. A crise do capitalismo leva ao aumento da exclusão social, com desemprego, baixos salários e perda de direitos. Ao mesmo tempo, uma ofensiva conservadora retira conquistas civis e amplifica práticas preconceituosas e autoritárias o que não se via desde o começo do século XXI.  

Desigualdade secular 

Não se pode negar as alterações substantivas que se deram no papel da mulher ao longo dos séculos. Dos tempos da barbárie e seus desenhos com figuras femininas arrastadas pelos cabelos, passando pelo período das fogueiras onde as “sábias e rebeldes” eram queimadas, chegamos a um patamar em que, a partir de 2004 as brasileiras passaram a representar 51% do total de doutores titulados no país, segundo o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos . 

Apesar dessas mudanças significativas permanece, no entanto, as profundas marcas da opressão de gênero. 

Expressão dolorosa desse fato é a persistência nos índices de violência contra a mulher que leva o Brasil a ser o quinto em número de feminicídios, entre 83 países, só perdendo para El Salvador, Colômbia, Guatemala e Federação Russa. No ano de 2015 foram assassinadas, em circunstâncias de violência doméstica e sexual 4.621 brasileiras.   

Apesar de ter crescido o percentual da presença feminina no mercado de trabalho, a desigualdade nos salários e nas relações entre homens e mulheres mostram que o capital usa a força de trabalho feminina para aumentar a exploração de todos.  De 2007 a 2016, as mulheres foram de 40,8% a 44% das vagas ocupadas no mercado formal de trabalho. Mas, em 2015 o rendimento médio das trabalhadoras era 16% inferior ao dos trabalhadores, segundo o Portal Brasil, em matéria de 2017. 

Importante destacar que os lares brasileiros dependem cada vez mais da renda dessas trabalhadoras. Em 1995, 23% dos domicílios tinham mulheres como pessoas de referência.  Em 2015 as casas onde elas são as principais responsáveis por prover a subsistência já chegam a 40%. Garantir direitos para essa parcela da população é melhorar as condições de quase metade dos lares brasileiros.

 Os socialistas e a emancipação da mulher 

De todos os movimentos progressistas que a humanidade fez na construção de seu futuro, foi o movimento operário, sobretudo sua corrente marxista, o que mais contribuição deu à luta pela emancipação da mulher.  A mobilização da classe operária por sua libertação sempre manteve uma íntima ligação com a das mulheres por seus direitos. Os marxistas deram uma importante contribuição para mostrar que a condição de subordinação das mulheres não era um fenômeno natural. Eles sempre defenderam que as relações entre homens e mulheres não são imutáveis e sim construções culturais que podem ser transformadas. 

Acontecimentos simbólicos na história humana são sempre referências para nos tirar de impasses conjunturais. Estamos completando 108 anos do 2º Congresso da Internacional de Mulheres Socialistas realizado na Dinamarca, em 1910, quando foi instituído o Dia Internacional da Mulher. A proposta de Clara Zetkin indicava este dia como uma homenagem à data provável da morte de 129 operárias em greve, em 1857, na cidade de Nova Iorque. 

Embora, poucos estudiosos da causa da mulher saibam, é digno de registro a condenação enérgica que Marx fez à ala direita da 1a. Internacional Socialista que queria limitar o trabalho feminino em consideração à família. Limitar a atuação da mulher ao espaço doméstico sempre foi e, continua sendo, até os dias atuais, uma forma de reduzir a ação transformadora da metade do gênero humano. Foi com essa compreensão que Lênin, após a revolução de 1917 definiu que, “fazer a mulher participar do trabalho produtivo social, libertando-a da escravidão doméstica, libertando-a do jugo bruto e humilhante, eterno e exclusivo, da cozinha e do quarto dos filhos, eis a tarefa principal”. 

Mulheres nos espaços de poder 

A discussão sobre a participação das mulheres nas estruturas de poder é parte do debate sobre a construção plena da democracia, sobre o protagonismo das maiorias sociais que, em geral, ainda são minorias políticas, em nosso país. É só ver as representações parlamentares e as instâncias do executivo onde estão ausentes as mulheres, os trabalhadores, os negros, a população LGBT. 

Com a permanente resistência da luta das brasileiras registraram-se lentas conquistas históricas. Nas décadas de 20 e 30 do século XX, a luta foi pelo direito ao voto feminino, alcançado em 1932. Os anos 30 e 40 foram marcados pelo reconhecimento dos direitos das trabalhadoras, com a simbólica licença-maternidade. A ditadura interrompeu qualquer avanço, retomados na transição democrática. Nos anos 80 criaram-se os primeiros órgãos públicos, os conselhos e delegacias especializadas. Os anos 90 trouxeram as cotas eleitorais, a partir da ampliação da presença das mulheres nos partidos políticos. 

O início do século XXI, com a vitória de Lula e Dilma, governantes de compromissos democráticos, ampliou-se a mobilização dos movimentos feministas. E, com a realização das Conferências Nacionais de Mulheres tivemos vitórias significativas como o status de Ministério da Secretaria da Mulher, o Plano Nacional de Políticas Públicas para as Mulheres, a aprovação e sanção da Lei Maria da Penha, o tempo de TV e rádio para as candidatas nas campanhas eleitorais, e tantas outras. 

Mas é importante registrar que a lentidão do crescimento médio da participação das mulheres é tanta, que se for mantido o ritmo atual, o Brasil deve atingir igualdade de gênero no Parlamento Federal só no ano de 2080, segundo estudos do projeto Mulheres Inspiradoras.  Nosso país ocupa, hoje, a 115ª posição na participação feminina das casas legislativas, entre os 138 países analisados, pela referida instituição.

 Agora é que são Elas 

O Brasil-Mulher, pela sua presença em cada canto e em cada movimento desse país é a grande força transformadora para confrontar o gigantesco impasse autoritário que o país vive. Desde 2015, o protagonismo feminino nas ruas tem se materializado na chamada Primavera das Mulheres que resistiu sempre aos retrocessos fundamentalistas e conservadores. 

É preciso aproveitar a simbólica data do Dia Internacional da Mulher para dar visibilidade a essa força transformadora. Usar formas que dialoguem com a sociedade perplexa e, em certa medida apática.

 Vamos colocar nas ruas duas campanhas: a primeira, “Tire as Mãos!”, dos meus direitos, do meu país, da minha aposentadoria, do meu corpo, da minha paz nas ruas e em casa, da minha liberdade. A segunda campanha, reforçando a os espaços de poder para as mulheres: “Agora é que são Elas”, para garantir a eleição de mulheres nos governos e nos parlamentos, através de efetivas ações dos partidos políticos e fiscalização da justiça eleitoral.   

Mulheres brasileiras, somos pérolas vermelhas, somos pedras raras, somos nióbio, somos aglomerados de galáxias em combustão. 8 de Março, um dia para ter de volta o nosso país, ter de volta a nossa democracia, ter de volta os nossos direitos, ter de volta o nosso corpo, ter de volta a nossa liberdade.