Futbol Club S/A

Que futebol e política se misturam desde que o esporte existe, independente de pra onde surgiu o futebol pra você e como se deu a História dele, não é novidade e não existem questionamentos acerca.

Por Guadalupe Carniel*

Texto da Guadalupe - Luis Manzur

Outra coisa que não é novidade é que a água que passa pelo Plata é a mesma que passa desse lado, portanto é sempre bom ficar de olho no que acontece por aquelas bandas.

Há cerca de dez dias aconteceu uma reunião entre três representantes diretos do governo, Fernando de Andreis (secretário geral da presidência), Nicolás Massot (deputado) e Fernando Marín (assessor da presidência) e sete empresários de indústrias que vão desde automobilísticas até farmacêuticas. Mas o que isso tem a ver com futebol? A ideia é a criação das tão temidas SAD: Sociedades Anónimas Deportivas, ou seja, transformar os clubes em empresas.

A ideia é que após a Copa da Rússia já comecem a rolar experiências neste sentido, baseando-se no futebol alemão e espanhol. Mas para tanto, o governo já quer fechar os nomes das empresas até abril para elas terem visibilidade impulsionado pelo torneio mundial, além de atrair capital estrangeiro. Para começar, será feito um experimento com quatro equipes de quatro cidades do interior do país. Se a experiência der certo em seis meses, estende-se ao restante do país. Por enquanto a lista foi feita com: Racing (de Córdoba); Tiro Federal (Rosario), Gimnasia y Tiro (Salta) e Gimnasia (Mendoza). Talvez some-se o Alvarado (Mar del Plata), mas ainda é incerto.
As próximas reuniões serão feitas até março e serão de portas fechadas, sem consulta pública. Em abril deve-se começar a colocar o plano do SAD em operação.

Por outro lado, os empresários exigem segurança jurídica para investir e também querem condições especiais sobre o que se chama de “acción de oro” que garante aos sócios dos clubes que eles possam tomar certas decisões. No modelo alemão, por exemplo, os sócios têm a palavra final sobre decisões que afetam o que eles chamam de “patrimônio histórico”, como é o caso de algo que interfira na história do time, que é tão querida pelos torcedores, como mudar de cidade, mexer no estádio, mudar escudo ou até mesmo o nome. Os representantes do Estado alegam que não haverão problemas em negociações entre os empresários e os sócios.

A AFA e a Superliga (que é subordinada à AFA, mas tem autonomia para gerir a primeira e segunda divisão do país, criada em 2016) se pronunciaram dizendo que não esperam mesmo que seja aberta a população uma consulta. E se abstém sobre. Apenas pronunciaram-se dizendo que ‘’é um processo inevitável”. Aliás, dentro de alguns dias terá uma reunião entre as duas entidades (AFA e Superliga) com representantes do governo. Serão tratados seis temas fundamentais para o futebol argentino. Em janeiro já teve um encontro entre a Superliga e governo, mas nada oficial. A partir de março serão mediadas com a AFA. O Estado alega que precisa aproximar-se do futebol. Os temas a serem debatidos são:

-Decreto 1212: Em vigor desde 2003, é uma medida que trata da previdência social em que os clubes contribuem ao Estado para garantir a aposentadoria de jogadores, corpo técnico, médico, auxiliares, enfim, qualquer categoria profissional referida ao futebol nas divisões Primera A e B e Nacional B. Desde julho de 2017 esta medida vem sendo questionada se deve cair ou não.

– Visitantes: retorno dos torcedores visitantes à cancha após a Copa. Querem que faça-se um trabalho com o Ministério de Segurança. O governo já admitiu que apoia a ideia.

-Transparência nas informações: Na Argentina existe a Unidad de Información Financiera (UIF) que é uma instituição que deveria receber informações dos clubes, como por exemplo, transferência dos jogadores para cuidar da parte financeira dos clubes, o que na prática não acontece. A ideia aqui é que role uma simplificação do processo para repasse de informações.

– As categorias de base: as categorias de base viajam por todo o país e como aqui enfrentam dificuldades como alojamento, alimentação, etc. A ideia é que o Governo e as províncias organizem estes espaços para as categorias inferiores (como são chamadas lá).

-Social: a ideia é saber quais as funções do clube socialmente? E fazer com que eles tenham uma função coordenada junto ao Estado, fazendo um trabalho conjunto com o Ministério do Desenvolvimento Social.

-Arbitragem: juízes não tem vida fácil. Além de como diria Eduardo Galeano, estarem de castigo e não poderem jogar o futebol, sendo apenas obrigados a acompanharem de perto a partida sem tocar na pelota, objeto de desejo (deveria ser npe? Hoje são canecos e números) são obrigados a se aposentarem aos 45 internacionalmente e na argentina aos 48. Alguns exercem funções administrativas na AFA, mas nem todos conseguem. E o que fazer com eles? A ideia é que haja um regime especial assim como outros profissionais para poderem se aposentar antecipadamente.

Além disso, seguirá em voga o assunto sobre o qual gira o texto: a SAD, o governo já deixou claro que esta será a pauta principal, tratando os outros assuntos em plano secundário e convocando as partes envolvidas, como por exemplo no caso do Decreto 1212, o Ministério do Trabalho, Sindicato de Jogadores.

As ideias propostas por AFA e Superliga devem mais do que nunca serem debatidas. Árbitros tem que ter direitos trabalhistas, os jogadores devem ter direitos, sim deve existir maior transparência nas contas dos times que recebem sim incentivos do Estado, condições melhores para a base para desenvolvimento de um futebol forte; além da parte social que é nisso que os clubes foram criados, como base social para a comunidade daquele bairro. Mas para por aí. E claro, a volta das torcidas visitantes, que eu sei que AFA, governo e demais agentes se interessam porque tem maior rentabilidade, óbvio, mas além disso trás o que é o mais importante: o futebol. Sim, ele é mais do que esporte, é a ciência mais louca e absurda do mundo. Ou você consegue explicar sobre como um espaço e pessoas carreguem ao mesmo tempo rivalidade e alteridade? A alteridade é aquele lance de eu preciso reconhecer e respeitar as diferenças do outro, mas o outro não sou eu. Mas eu só sou o que sou na minha relação com o outro. O mesmo envolve duas torcidas.

A rivalidade é isso; o outro é inseparável de mim; preciso manter a relação com ele, brigando no puro alento, disputando o mesmo espaço, descontrole e loucura.

O SAD é uma ideia absurda. O governo de Macri se elegeu graças a ideia de que não iria acabar com o Futbol Para Todos (criado no governo kirschnerista e que dava cotas de TV estatal, e aí entra dinheiro além de visibilidade, para equipes da primeira e segunda divisão do argentino). Uma de suas primeiras providências foi acabar com o programa. Entendo que outras áreas necessitem tanto de dinheiro como saúde, educação entre outros. Mas negar ao povo o que é do povo por direito? Hoje para ver o futebol só pago. E agora transformando os clubes em empresas é saber que leis como a da garantia de transparência que mal são cumpridas passarão para a categoria de jamais serão cumpridas. E quem garante que a acción de oro será cumprida? É a pá final que falta pro futebol porteño.

E como comecei falando no texto, a água que passa pelo Plata passa por aqui; não se assuste se a ideia das SAD, que aqui já são ditas à boca pequena, se espalhar e serem vendidas como a salvação do futebol. Assim como as arenas, que não passam de elefantes brancos. E que pra quem brada que futebol não tem nada a ver com política ou vice-versa, só posso dizer uma coisa: você não entende de nenhum dos dois.