Golpe da CIA levou à ascensão dos aiatolás no Irã

Por que o Irã não pode ter um governo laico e democrático? Muitos americanos se fazem essa pergunta quando pensam naquele velho adversário dos EUA no Oriente Médio – principalmente quando veem imagens de manifestantes pedindo mais liberdade nas ruas das cidades iranianas

Por Mehdi Hasan

Revolução Islâmica - Reuters

Entretanto, contrariamente aos cidadãos da República Islâmica, os cidadãos dos Estados Unidos costumam ter memória curta. O Irã teve, sim, um governo laico e democrático, chefiado pelo primeiro-ministro Mohammed Mossadegh de 1951 a 1953. Só que Mossadegh foi derrubado por um golpe de Estado organizado e financiado pela CIA e pelo Serviço Secreto de Inteligência do Reino Unido, também conhecido como MI6.

Com raras exceções – como Madeleine Albright em 2000 e Barack Obama em 2009 e 2015 –, a maior parte dos políticos americanos não reconhece a responsabilidade dos EUA nesse sórdido episódio. Em Washington, a hostilidade iraniana contra os americanos sempre foi vista como inexplicável e irracional; já o golpe orquestrado pela CIA em 1953 foi varrido para baixo do tapete, embora tenha desencadeado uma série de acontecimentos que culminou na Revolução Islâmica de 1979.

Foi o senador Bernie Sanders – logo ele –, que, em cadeia nacional, lembrou aos americanos as consequências catastróficas do golpe, em um debate com Hillary Clinton, durante a campanha das primárias do Partido Democrata para a presidência dos EUA, em fevereiro de 2016:

“Mossadegh, em 1953. Ninguém sabe quem foi Mossadegh. Era o primeiro-ministro democraticamente eleito do Irã. Ele foi derrubado por britânicos e americanos porque ameaçava os interesses do setor de petróleo da Grã-Bretanha. O resultado disso foi que o xá, um terrível ditador, assumiu o governo. E o resultado disso foi a Revolução Iraniana, que deixou o país como está até hoje. Consequências indesejadas.”

O que Sander chamada de “consequências indesejadas” a CIA chama de blowback, um conceito que, em português, poode ser traduzido como “efeito bumerangue” ou “tiro pela culatra”.

Como explico no terceiro episódio da minha série de seis curtas-metragens sobre o tema, a CIA criou o termo blowback para se referir aos resultados da Operação Ajax – o codinome dado pela agência ao golpe contra Mossadegh. “Todo agente da CIA envolvido nesse tipo de operação deve sempre ter em mente a possibilidade de blowback contra os EUA. Nenhum outro tipo de operação é tão explosivo quanto esse”, alerta um relatório de crítica interna da CIA sobre a queda de Mossadegh.

Mas nem por isso o governo americano abandonou a prática nas décadas seguintes. Os EUA continuaram orquestrando golpes de Estado, assassinando líderes estrangeiros, derrubando governos democraticamente eleitos e invadindo nações soberanas. Mesmo hoje em dia, os linhas-duras militaristas do governo Trump querem uma mudança de regime em Teerã. De novo. Será que eles não aprenderam a lição? Uma tentativa de derrubar o regime iraniano pode ter consequências catastróficas. Nas palavras de Michael Morell, antigo vice-diretor da CIA: “A probabilidade de êxito é pequena, mas a de blowback é enorme.”

E aí está essa palavra de novo. Blowback. Mais um tiro pela culatra. Mas será que tem alguém prestando atenção nesse governo?