Seis meses depois, programa de Doria para a infância ainda não começou

Tudo indica que não foi por falta de aviso. Seis meses depois de o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), aderir ao programa Criança Feliz, o serviço ainda não entrou em funcionamento na cidade, apesar de já ter recebido neste período o repasse de quase R$ 1,8 milhão do governo federal.

João Doria

Segundo a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads), “o Programa Criança Feliz está em fase de implantação com previsão de início para o mês de abril”. A justificativa para o atraso é a “necessidade de adequação metodológica, considerando a diversidade e extensão territorial da cidade de São Paulo”.

Foram problemas metodológicos do programa, anunciado pela primeira-dama Marcela Temer em outubro de 2016, que levaram o Conselho Municipal de Assistência Social de São Paulo (Comas) a negar a adesão do município à iniciativa. Em fevereiro de 2017, a Resolução nº 1162 do Comas determinou a não aprovação ao programa.

Em seu artigo 1º, parágrafo único, a resolução justifica a decisão: “Pelas ausências de informações em relação às questões técnicas, operacionais, metodológicas e conceituais de vinculação ao Sistema Único de Assistência Social (Suas), ao Plano Municipal Decenal e a Tipificação Municipal”.

Na sequência, o texto cita problemas como: perfil, atuação e vinculação dos profissionais; estratégias para elaboração e monitoramento com vistas à participação efetiva da sociedade civil, dos usuários e do Conselho Municipal de Assistência Social; termo de aceite condicionado, sem precedente jurídico; estudo territorializado do público a ser focalizado e de possíveis impactos orçamentários e estruturais da pasta; entre outras questões.

“A gente viu esses problemas, não tinha metodologia de trabalho, não tinha articulação no território, não dizia como seria feita a prestação de contas”, explica Darlene Terzi Afonso, conselheira do Comas e coordenadora da comissão que analisou o termo de adesão ao programa Criança Feliz.

Darlene destaca ainda que os recursos não teriam acompanhamento do conselho, e as entrevistas com o público alvo seriam feitas por pessoas com formação de ensino médio, sem prever a inclusão de assistentes sociais, conforme estipulado no Sistema Único de Assistência Social.

Por essas razões, o conselho decidiu não aprovar a adesão ao programa, o que contrariou a gestão Doria. A prefeitura não aceitou a decisão e articulou nova análise. No dia 14 de agosto de 2017, o Conselho Municipal de Assistência Social pôs novamente a adesão em votação. A segunda votação foi marcada por denúncias de pressão e ameaças aos conselheiros para que aprovassem a adesão. Na ocasião, a administração decidiu vincular o programa Criança Feliz ao Serviço de Assistência Social à Família (Sasf) – um serviço que, segundo Darlene Afonso, já está saturado, com problemas de verba e de pessoal.

“Não houve nenhum avanço, não havia metodologia. Eles implementaram à revelia do conselho, de todos os óbices que fizemos”, diz ela, ressaltando que nenhuma das justificativas apresentadas na primeira negativa foram corrigidas na segunda apresentação do programa ao conselho. “Na realidade, eles (o governo municipal) levaram como uma questão política e foi uma questão técnica que agora está se revelando.”

Para a conselheira Darlene Afonso, a justificativa de "adequação metodológica" da prefeitura seis meses depois não é surpreendente. Ela afirma que, desde a aprovação, o Comas não teve mais notícia sobre o desenvolvimento do programa, tampouco o que são, na prática, as “adequações metodológicas” agora alegadas pela prefeitura. E ressalta que os quase R$ 2 milhões repassados pelo governo federal, por não ingressar no Fundo Municipal de Assistência Social, não podem ser fiscalizados pelo conselho. “Na época já não era claro quem faria o controle dessa verba. Se esse dinheiro veio, a gente não sabe; e não sabe para onde vai.”

Criança Feliz

Tendo a primeira-dama Marcela Temer como madrinha, o programa Criança Feliz se propõe a ser “uma importante ferramenta para que famílias com crianças até seis anos ofereçam a seus pequenos ferramentas para promover seu desenvolvimento integral”. Segundo o governo federal, famílias participantes do Bolsa Família receberão visitas domiciliares de equipes do Criança Feliz para acompanhar, orientar e “fortalecer os vínculos familiares e comunitários e estimular o desenvolvimento infantil”.

Em maio de 2017, durante reunião com o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, Doria demonstrou descontentamento com a primeira negativa de adesão ao programa e garantiu que São Paulo implementaria o Criança Feliz.

“Já orientei os secretários para que o programa possa ser adotado, de preferência com a aprovação do conselho, ou de alguma outra maneira, mas não faz sentido que a maior cidade brasileira não tenha um programa como este que é importante para a população carente da cidade, especialmente para a população infantil. O ministro pode estar certo que, a partir de agora, este programa será implantado”, afirmou o prefeito na época.