Tuiuti: “Fizemos uma crítica que está entalada na goela do brasileiro"

“Beija-Flor e Tuiuti: é a vitória do grito do povo”, disse Neguinho, intérprete da Beija-Flor durante a apuração das notas do carnaval 2018 do Rio, nesta quarta-feira (14), na Marquês de Sapucaí, que consagrou a Beija-Flor como campeã e a Paraíso do Tuiuti como vice-campeã.

Tuiuti - Foto: Carnavalesco

A disputa foi acirrada e a cada nota ouvia-se Fora Temer. A Beija-Flor foi campeã com 269,6, seguida da Paraíso do Tuiuti com 269,5 e do Salgueiro também com 269,5. O quesito samba-enredo foi o primeiro usado para estabelecer o desempate entre agremiações que obtiverem a mesma pontuação.

A Paraíso do Tuiuti, escola de São Cristóvão, despontou no primeiro quesito (enredo), com quatro notas 10. A escola foi para a avenida questionando se a abolição da escravatura de fato ocorreu e apontou as novas formas de escravidão, denunciando a reforma trabalhista.

“A escola fez uma crítica que está entalada na goela do brasileiro. Os empresários e governantes sempre ficam fazendo o povo de escravo. Mas nós estamos felizes com o segundo lugar por mostrar para o mundo que não somos escravos. A bateria não foi o que esperávamos ainda. Mas a gente ainda não está pensando no ano que vem, agora é comemorar”, afirmou Mestre Ricardinho, um dos diretores da bateria da Tuiuti.

Já a escola de Nilópolis conquistou público e jurados com o enredo “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”.

“Quem ganhou esse Carnaval, foi a minha comunidade, a nossa bravura”, declarou Luís Fernando Carmo, conhecido como Laíla. “Meu povo sofreu muito esse ano no barracão”, completou.

A azul e branco ganhou o Carnaval de 2018 levando para a Sapucaí uma crítica à crise política do Brasil e os efeitos sociais que acarreta. Durante a transmissão, a Globo buscou transformou a crítica da escola num apoio à Lava Jato e ao seu discurso da antipolítica.

A Beija-Flor trouxe para a avenida o prédio-sede da Petrobras que, tomado pela criminalidade, se transformava em uma favela com todas as mazelas atuais presentes: pobreza, criminalidade e mortes, ou seja, as consequências da corrupção.

Partindo de um outro ponto de vista, a Tuiuti também retratou o efeito devastador da crise política para o país. Um dos últimos carros alegóricos trazia um vampiro com faixa presidencial rodeado de dinheiro no topo do carro, juntamente com mãos gigantes manipulando figurantes com a camisa da seleção brasileira batendo panelas chamados de Manifestoches, referindo-se aos manifestantes que defenderam o impeachment de Dilma Rousseff.

Enquanto a arquibancada da Sapucaí levantava com o enredo “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão? ”, composto por Claudio Russo, Moacyr Luz, Dona Zezé, Jurandir e Aníbal, a transmissão da TV Globo ficou em silêncio. Comentaristas que costumam detalhar o desfile, silenciaram.

Na apuração, nesta quarta (14), a jornalista da Globo não escondeu o seu espanto e descontentamento com o resultado da Tuiuti. “Essa ninguém acertaria no bolão”, disse.

O desfile da Tuiuti foi o mais comentando nas redes sociais. “Fizemos um carnaval que gerou grande repercussão. E desde que o enredo foi decidido, sabíamos que ele bombaria muito. O nosso próprio enredo ‘Meu Deus, meu Deus, está extinta à escravidão?’ era um grande questionamento e não uma afirmação. Jogamos para o povo e a maioria deu a resposta”, disse Thiago Monteiro, diretor de carnaval da escola.

Jack Vasconcelos, carnavalesco da Tuiuti (foto acima, primeiro à direita, ao lado de Moacyr Luz e outros compositores do enredo) comemorou o vice-campeonato nas redes. “Beija-Flor em primeiro, Tuiuti (!!) em segundo: a consagração do carnaval politizado e de denúncia da tenebrosa condição do Brasil. E mais: a consagração do samba-enredo como força motriz do desfile de escolas de samba (os dois melhores sambas na frente). Parabéns!”, salientou.

Também pelas redes sociais diversas escolas confraternizaram com a Tuiuti. “Parabéns à nossa vizinha, irmã G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti pelo brilhante desfile, pelo vice-campeonato. Em 1988, a Mangueira trouxe o enredo, ‘100 anos de liberdade, realidade ou ilusão?’ Fomos vice-campeões do carnaval, repete-se a história. Viva o povo negro, pobre, favelado, marginalizado do nosso Brasil. Queremos democracia, direitos iguais, paz, saúde e educação! ‘Será que já raiou a liberdade, ou se foi tudo ilusão?’. Valeu Tuiuti!”, postou a Estação Primeira de Mangueira.