Lição: Museu registra torturas no maior manincômio do país

Diante do debate sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental, feitas pelo governo, é importante resgatar o passado para que maus exemplos não se repitam. Em Barbacena (MG), a antiga política manicomial brasileira está muito bem registrada. A cidade cravada no alto da Serra da Mantiqueira que abrigou o maior manicômio do país, o Hospital Colônia de Barbacena.

museu da loucura - Fotos: Lucas Di Capri e Mike Tavares

Segundo o livro Holocausto Brasileiro, lançado em 2013 pela jornalista Daniela Arbex, o descaso que acompanhava a política de internação compulsória para pacientes com transtornos mentais em manicômios resultou na morte de cerca de 60 mil pessoas, expostas ao frio, à fome e à tortura.

No Museu da Loucura estão expostos os aparelhos de eletrochoque usados historicamente e os instrumentais para realização da lobotomia – uma técnica de intervenção psicocirúrgica feita no cérebro, que consiste na retirada total ou parcial dos lóbulos cerebrais. No Museu, também há registros fotográficos diversos dos descasos a que os pacientes eram expostos.

Em o Holocausto Brasileiro, Daniela Arbex conta que os pacientes chegavam ao manicômio de trem – origem da expressão mineira “trem de doido”. Já eram desumanizados na entrada: passavam por banhos de desinfecção, tinham os cabelos raspados e eram obrigados a usar uniformes – a exemplo dos judeus confinados nos campos de concentração.

Ainda conforme o livro, o Hospital Colônia de Barbacena, projetado para 200 pacientes, chegou a abrigar, em 1960, ao mesmo tempo, mais de 5 mil pessoas. No geral, apenas 30% delas possuíam diagnóstico médico de problema mental. Na esteira da cultura higienista que assolava o Brasil, homossexuais, militantes políticos e mulheres que perdiam a virgindade antes do casamento eram enviados para lá.

Os números das vítimas não são consensuais entre historiadores que investigam a saga do hospital inaugurado em 1903, que funcionou como manicômio até o início da década de 1980. O que ninguém discute é que o que aconteceu ali não pode jamais voltar a ocorrer. E, por isso, o Museu da Loucura foi erguido como um emblema da luta antimanicomial que eclodiu no país na década de 1980 e resultou na reforma psiquiátrica, oficializada em 2001.

A partir da reforma, os manicômios passaram a ser encarados como última opção de tratamento e ganhou vez a política de não internação, com a adoção das casas terapêuticas. Barbacena, inclusive, mudou completamente a política de tratamento das pessoas com problemas mentais. Desde então, a cidade mantém 28 residências terapêuticas, nas quais antigos internos do hospital, abandonados pelas famílias, retomam o convívio em sociedade, de forma humanizada, sob a orientação de equipes multidisciplinares.

Reprodução de foto do acervo do Museu da Loucura.

Riscos do modelo manicomial na atualidade

Conselheiros nacionais de saúde aprovaram no dia 30 de janeiro uma recomendação para revogar a Portaria nº 3.588, publicada em 21 de dezembro de 2017, que alterou as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM). As mudanças foram pactuadas na Comissão Intergestora Tripartite (CIT) – composta por gestores de saúde da União, estados e municípios – sem consulta à sociedade civil e ao CNS.

Para os movimentos da Luta Antimanicomial, além de retrocessos, a mudança traz a desestruturação da lógica organizativa da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Eles acreditam que a mudança beneficia as empresas de saúde e comunidades terapêuticas em detrimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

A recomendação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi apresentada pela Comissão Intersetorial de Saúde Mental (Cism), durante a 301ª Reunião Ordinária do colegiado. Os conselheiros solicitam ainda a publicação de portaria em substituição, que esteja de acordo com os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira e da Lei nº 10.216/2001. A lei prioriza os serviços comunitários e extra-hospitalares, devendo a internação psiquiátrica ser realizada somente como último recurso assistencial.