Birmania, racismo e neoliberalismo

A Birmânia – cujo nome oficial é Mianmar – comemorou 70 anos de independência, em 4 de janeiro, num momento em que seu projeto de construção nacional tem fortes sinais de fracasso.

Por Carlos Sardiña Galache*

Aung San Suu Kyi - Divulgação

No ano passado, a limpeza étnica contra a minoria muçulmana rohingya no noroeste de Arakan, foi quase completa. Mais de 600 mil muçulmanos fugiram para campos de refugiados superlotados em Bangladesh. Enquanto isso, a guerra entre o Tatmadaw, como o exército birmanês é conhecido, e vários grupos armados etno nacionalistas, continuou intensa.

A ala civil do governo, liderada por Aung San Suu Kyi e sua Liga Nacional pela Democracia (NLD), foi incapaz de oferecer uma visão nacional diferente da "democracia disciplinar-florescente" prevista pela junta militar que governou a Birmânia por cinco décadas.

Os generais que controlaram a nação realizaram uma façanha surpreendente. A maior parte da população, majoritarianente de credo Budista Bamar e o povo do Rakhine budista (a maioria em Arakan) apóia os militares contra o rohingya. Enquanto isso, o governo civil encobre e nega as atrocidades, e tenta avançar para a paz com outros grupos étnicos armados. Aung San não controla os militares.

A nova constituição funciona sob a autoridade do governo federal. Mas as restrições institucionais não explicam completamente as deficiências da NLD. Na verdade, o partido parece partilhar grande parte de sua ideologia com a junta militar da qual foi oposição.

A questão nacional

A Birmânia tem uma ideologia: o conceito de "raças nacionais" (taingyintha), hegemônico no país. É um conjunto de crenças baseada na ideia de raça que separa as comunidades étnicas em grupos diferenres, ligadas a determinado território, e inalteráveis cultural e mesmo psicologicamente.

Não há texto legal que capte a ideologia taingyintha, mas ela tem expressão clara na Lei de Cidadania de 1982, que criou três camadas de grupos étnicos que "se estabeleceram [na Birmânia] … entre 1185 aC e 1823. "A data de corte é significativa, já que é anterior à primeira guerra anglo-birmanesa, quando os britânicos conquistaram Arakan e a província do sul de Tenasserim.

O governo adotou ostensivamente as novas regras de cidadania para proteger as raças nacionais contra estrangeiros, particularmente chineses e indianos.

Em 1991, o governo emitiu a atual lista de etnias nacionais, da qual arbitrariamente excluiu o rohingya, alegando a falta de relação linguistica, e e subdividiu outros grupos, como o Chin e o Kachin. Apesar das objeções, poucos contestaram essa divisão.

Grupos diferentes abordam a ideologia taingyintha de maneira diversa. Para os etno nacionalistas, ela fundamenta uma hierarquia civilizacional que os coloca no topo, enquanto os etno nacionalistas Kachin se vêem como parte, primeiro, da Kachinland e, depois, da Birmania.

De fato, as narrativas nacionalistas variam muito entre os diferentes grupos. Como o antropólogo Laur Kiik mostrou, o nacionalismo de Kachin espera libertar seu povo das restrições impostas pelo estado birmanês. O nacionalismo de Rakhine, ao contrário, depende da recuperação das glórias de um passado amplamente imaginado como um reino independente e relativamente poderoso. Este projeto retrospectivo já foi iniciado nas áreas de maioria muçulmana do norte de Arakan. Seu objetivo é restabelecer o "equilíbrio demográfico" que supostamente teria existido na região antes da Segunda Guerra Mundial.

Embora a ideologia taingyintha não forneça um senso de nacionalidade comum aos grupos étnicos da Birmânia, os rohingya são bengalis, imigrantes ilegais, através dos quais Bangladesh tenta ocupar e islamizar Arakan. Em conseqüência, eles não têm o direito de participar da política birmanesa – seja no parlamento ou na disputa política.

Na verdade, quando comparado a organizações armadas como o Exército de Independência de Kachin (KIA) ou o Exército de Estado de Shan-Sul (SSA-Sul), o Exército de Salvação de Arakan Rohingya (ARSA), o recém-criado grupo insurgente rohingya promoveu uma repressão extrema, mesmo pelos padrões brutais do exercito birmanês. A KIA e a SSA-South são tecnicamente ilegais, e a polícia pode prender alguém sob suspeita de participar deles. É claro que os rohingya não são uma população a ser subjugada, como o Kachin, mas vista como para ser expulsa.

Esta questão é um processo longo em que a etnia tomou o centro das considerações à custa de quase todas as outras questões políticas. A transição para a democracia apenas agravou a situação, ao promover uma aliança entre dois grupos de elite – o militar e a intelectualidade, um grupo pró-democracia paradoxalmente despolitizado que gira em torno da NLD de Aung San Suu Kyi – que proporcionou poucos benefícios para os birmaneses comuns.

Legados coloniais

A dominação britânica deixou um legado venenoso do qual a Birmânia ainda não se livrou. A criação do estado moderno depende de duas forças – uma centrípeta e outra centrífuga. Por um lado, dos ingleses dividiram a Birmânia entre uma unidade administrativa central, "Birmânia propriamente dita", e outra, a "Birmânia administrada", e deixaram para as elites das chamadas tribos da montanha a gestão dos seus assuntos internos. Por outro lado, o domínio colonial aprofundou as divisões inter-étnicas e solidificou as identidades historicamente mais difusas e fluidas.

Usando a tecnologia britânica de modernização, os ingleses fizeram a complexidade de grupos etno-linguísticos em gruos impermeáveis, muitas vezes introduzindo políticas que desencorajavam a interação entre eles. Por exemplo, por não confiar na maioria de Bamar, os governantes coloniais recrutaram em Kachin, Chin e Karen – supostamente concorrentes marciais – os componentes das forças armadas. Como resultado, a unificação política inacabada do país é acompanhada pela divisão e desagregação de suas partes constituintes.

Além disso, até 1937, os britânicos governaram a Birmânia como uma província da Índia, incentivando milhões de indianos a migrar, o que transformou Rangoon em uma cidade de maioria indiana nos anos trinta. A elite colonial favoreceu os indianos como administradores, policiais e médicos. Eles tinham também um poder financeiro muito grande. Como resultado, os nacionalistas birmaneses são muito ressentidos contra a população de origem indiana, cuja maioria é muçulmana, e vista como ligada ao império. No século XX, diz o administrador colonial e estudioso J.S. Furnivall, a Birmânia se tornou uma "sociedade plural", onde "havia uma divisão racial do trabalho" e "todos os diferentes povos" no mercado de trabalho, que vivem “separados e continuamente tendem a desmoronar".

Os muçulmanos também entraram em Arakan, vindos de Bengala, mas sua migração teve um caráter diferente. Eram trabalhadores principalmente sazonais e se juntaram a uma população muçulmana já considerável que havia chegado nos tempos pré-coloniais. Além disso, eles vieram de um espaço geográfico e cultural contíguo à Arakan, que historicamente serviu de fronteira entre os mundos birmanês e bengali, onde eles se misturaram durante séculos. As reclamações em Rakhine e dos nacionalistas birmaneses, de que a população muçulmana de Arakan chegou com os britânicos – ou mesmo mais tarde – são simplesmente insustentáveis.

As tensões entre todos esses grupos explodiram com a invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial. A maioria da população de origem indiana viveu em um êxodo horrível, que custou dezenas de milhares de mortos. Os nacionalistas birmaneses, liderados por Aung San, pai de Suu Kyi, se uniram aos japoneses antes do fim da guerra. As minorias étnicas, incluindo a Karen, o Kachin e o Chin, lutaram no lado britânico. Às vezes, o exército de Aung San se chocou diretamente com esses grupos. A maioria Rakhine em Arakan apoiou Aung San pai e os japoneses; enquanto o exército britânico recuava, os muçulmanos esperavam desacelerar o tão temido avançado japonês na Índia. Arakan logo se viu envolvido em uma brutal guerra civil que opôs muçulmanos contra budistas. No final, no norte houve a limpeza etnicamente dos budistas, e no sul, dos muçulmanos.

Quando a Birmânia se tornou independente, em 1948, foi devastada pela guerra, com um estado muito fraco e milícias que vagavam pelo campo. Nos agitados dois anos após o fim da guerra, Aung San pai serviu como interlocutor com os britânicos. Até hoje, a maioria de Bamar o vê como arquiteto e herói da independência, apesar de não viver em uma Birmânia totalmente independente: um rival político o assassinou, juntamente com todo o gabinete, alguns meses antes da independência.

Aung San

É difícil definir a ideologia de Aung San pai e seus seguidores. Ele não era um intelectual mas um homem de ação que perseguia a independência. "Desafio da Birmânia", um folheto contendo vários discursos pronunciados após a expulsão dos japoneses e publicado em 1946, permite uma visão de seu pensamento

Ele procura construir uma "verdadeira democracia", livre da "ditadura da classe capitalista". Distanciando-se de um modelo clássico de democracia liberal, defendeu o socialismo e o comunismo porque "buscam a ampla conotação da democracia". Esse modelo o levou a nacionalizar as indústrias mais importantes e os meios de produção, embora admitisse que as condições econômicas da Birmânia tornavam impossível estabelecer o socialismo.

Sobre a questão da raça e da etnia, ele se baseou principalmente na obra de Stalin, Marxismo e a questão nacional, que aplicou de forma arbitrária, limitada à minoria nacional. Em sua versão do nacionalismo, ele esperava manter raça, linguagem e religião à parte da política. Via a nação como o cumprimento da "necessidade histórica de ter uma liderança comum". Ele estava disposto a aceitar os indianos, chineses e anglo-birmaneses que viviam na Birmânia na época como cidadãos com plenos direitos.

Os britânicos só aceitariam a independência desde que as minorias étnicas concordassem. Aung San pai apressou-se a chegar ao acordo de Panglong, assinado em fevereiro de 1947. Apesar de suas fraquezas óbvias, o acordo adquiriu um status quase mítico como o documento fundamental da Birmânia moderna.

Em vez de um acordo definitivo, o texto foi lido como uma declaração de intenções. Somente regiões como Kachin, Shan, Chin e o Bamar realmente o assinaram. Aung San persuadiu o Rakhine a esperar por sua soberania até depois da independência. Além disso, ele preferiu lidar com os líderes do Reino Unido. De qualquer modo, o acordo aceitou, "em princípio a plena autonomia interna para as áreas fronteiriças". A constituição, no mesmo ano, concedeu diferentes graus de autonomia às áreas fronteiriças e reconheceu aos estados de Shan e Karenni o direito de secessão.

O Caminho Burmês para o Socialismo

Muitos birmanes viram o assassinato de Aung San pai como a hora em que tudo deu errado. O país foi jogado em circunstâncias extremamente difíceis.

Logo várias insurgências explodiram, e o estado fraco não estava equipado para controlar seu território. O Partido Comunista, clandestino, declarou guerra ao governo; o Karen também se rebelou e quase ocupou a própria capital, Rangoon. Em Arakan, onde a presença comunista era ativa, surgiu uma rebelião muçulmana que exigia a união com o Paquistão Oriental (atual Bangladesh). Para piorar as coisas, o nacionalista Kuomintang chinês, na véspera de ser vencido pelo Exército de Libertação do Povo, de Mao Zedong, estabeleceu bases no estado de Shan, perto da fronteira chinesa.

Com os comunistas, a Liga da Liberdade do Povo Anti-Fascista (AFPFL) dominou a política. Mas o partido se dividiu em 1958. O Exército de Independência de Kachin (KIA) foi criado em 1961, após treze anos de luta política. No mesmo ano, o governo derrotou a rebelião muçulmana em Arakan e reconheceu o rohingya como um grupo nacional.

U Nu e o general Ne Win foram figures chaves naquele período. Um firme defensor do movimento dos não-alinhados, U Nu apoiou uma economia mista e foi também um piedoso budista que tornou sua fé em religião do estado em 1961, alienando as minorias cristãs e muçulmanas. No final de seu mandato, prometeu que suas religiões seriam protegidas; em reação, monges budistas radicais incendiaram mesquitas em Rangon.

Em 1962, Ne Win liderou o golpe contra o governo U Nu. O putsch foi relativamente sem sangue em comparação com outros na região. Com uma população cansada da era democrática de instabilidade e disputas de facções, Ne Win teve oposição nas cidades do centro da Birmânia. Somente os estudantes, uma força política importante desde a década de trinta, se rebelaram.

Win iniciou uma repressão brutal, matando dezenas de manifestantes. Demoliu a histórica sede da União de Estudantes da Universidade de Rangoon (RUSU), que foi um centro de atividades políticas estudantis durante décadas.

O secular Win imediatamente reverteu a decisão que tornou o budismo religião do estado. E também manteve a comunidade monástica budista sob controle. Mas era um supremacista de Bamar, e adotou uma abordagem quase puramente militar na guerra contra os grupos armados etno nacionalistas.

Win fechou o país na esperança de isolá-lo dos tumultos dos anos da Guerra Fria que afligiam o Sudeste Asiático. Conseguiu, a custo de paralisar o desenvolvimento do país. Adotou o que chamou de "caminho birmanês para o socialismo", que consistia em uma economia centralizada e autárquica e na imposição do partido único.

Enquanto seu governo iniciava esse processo de nacionalização, não conseguiu redistribuir a riqueza entre os pobres. Mas favoreceu os setores privados e estrangeiros da economia. Em vez de um modo birmanês para o socialismo, seu sistema era um meio socialista para o birmanês, no qual o sistema econômico ajudava a alcançar um fim patriótico. Como resultado da nacionalização, centenas de milhares de birmaneses de origem indiana foram empurrados para o subcontinente.

A operação "Dragão Rei". lançada em 1978 em Arakan foi parte deste plano. Ostensivelmente configurada para exibir imigrantes ilegais provenientes de Bangladesh, o projeto empurrou 250 mil rohingya para o país vizinho. A Birmânia aceitou o retorno de muitos, depois de um acordo de repatriamento bilateral – e os bengalis pressionaram muitos rohingya a retornar a Arakan. A operação marcou o início de décadas de opressão.

Na Constituição de 1974, Ne Win criou o Programa do Partido Socialista da Birmânia (BSPP) como partido único, mas nunca pode construir uma organização suficientemente forte para estabelecer a regra de partido único. A liderança do BSPP vinha do tatmadaw e o partido se tornou mero apêndice dos militares. Em 1988, uma revolta motivada por condições econômicas difíceis, embora reprimida brutalmente, derrubou Ne Win e o BSPP, que foram substituídos por uma opressiva ditadura militar.

O caminho birmanês para o capitalismo

A junta militar que assumiu o poder após a queda de Win, foi o Conselho de Restauração e Ordenamento do Estado (SLORC), cujo nome mudou para Conselho Estatal de Paz e Desenvolvimento (SPDC). A junta sempre se apresentou como um gvoverno provisório destinado a criar as condições para uma ordem constitucional que o substituísse. Até então governaria por decreto em um estado de exceção permanente.

A junta militar logo abandonou os objetivos socialistas do governo anterior e aplicou a força pura. Sem qualquer razão ideológica para manter seu poder e popularidade, os generais postularam a herança dos antigos reis birmaneses. E tornaram o budismo religião do estado de fato, tornando-se seus protetores, e financiaram pagodes e mosteiros.

Os generais iniciaram um processo de liberalização da economia, que não decolou. E as potências ocidentais impuseram sanções devido às acusações de violação dos direitos humanos pelo regime.

A abertura econômica significou que a Birmânia dependia mais do investimento chinês. Também criou uma nova classe de empresários ricos: os infames donos dos conglomerados mais importantes, que tinham o controle da economia e dos mamutes militares.

O poderoso chefe da inteligência militar, Khin Nyunt, assinou uma série de cessar-fogo com várias organizações étnicas armadas, incluindo Wa e Kachin. Esses acordos não deveriam significar um acordo político, e a junta militar considerou que ficaria no poder até que um "governo legítimo" pudesse decidir a longo prazo a questão da autonomia política das minorias étnicas. Mas, em territórios como o Estado de Kachin, os generais aproveitaram seus ativos naquilo que Kevin Woods chamou de "capitalismo de cessar-fogo".

Em Arakan, a junta decidiu usar a Lei de Cidadania de 1982 contra a população rohingya, porque eles são negados pelas "raças nacionais" e porque a lista "definitiva" não inclui o povo rohingya, negando a cidadania. As autoridades confiscaram os documentos de rohingya, prometendo-lhes novos cartões de identificação que nunca vieram. Assim, a maioria esmagadora de rohingya se tornou apátrida.

Durante o seu governo, os militares esmagaram a oposição democrática de Aung San Suu Kyi, atraiu grupos étnicos armados para cessar-fogo frágeis – ou atuou contra eles com violência crescente – e reforçou o exército e a burocracia estatal, completamente subordinada ao tatmadaw. Entretanto, manteve seu plano para uma "democracia disciplinar-florescente", que Khin Nyunt concebeu em 2003, antes de ser deposto pelo general sênior da junta, Than Shwe.

Este roteiro incluiu uma nova constituição, que, obviamente, manteria a posição preeminente dos militares. Em novembro de 2010, foram realizadas eleições. A NLD não participou, e o representante da junta, o Partido da Solidariedade e Desenvolvimento da União (USDP), ganhou por uma margem implausivelmente grande.

Poucos meses depois, o general Thein Sein assumiu a presidência. A transição, que animou muitos observadores internacionais, começou com seriedade. O tatmadaw estava saindo de uma posição de força que ninguém – nem mesmo a vitória da NLD em 2015 – poderia facilmente desafiar.

O Caminho birmanês para o neoliberalismo

Aung San Suu Kyi subiu à proeminência nacional e mundial na sequência da revolta de 1988 contra o regime de Ne Win, incorporando as aspirações do povo birmanês por democracia e direitos humanos. Sua autoridade veio, em primeiro lugar, do fato de ser filha de Aung San, e também de seu sacrifício pessoal, incluindo quase quinze anos de prisão domiciliar. Ela também era um ícone atraente para a imprensa internacional – uma aluna de Oxford que fala um inglês perfeito, lutando contra um grupo de generais bandidos. Ela forneceu uma clara narrativa do bem contra o mal.

Sua aproximação com os militares não causa surpresa. Em seu primeiro grande discurso, em 1988, ela revelou um forte apego às forças armadas, que "não foram criadas por meu pai como uma criança”.

Naquele primeiro discurso, ela também pediu a unidade "entre o exército e meu pai". Mas esse ideal de unidade tem sido duvidoso em toda a história da Birmânia como país independente.

A abordagem de Aung San para a transição tornou seu partido uma força política ineficaz. Ao jogar todo seu peso em busca de relações positivas com os generais, ela tornou o NLD meramente reativo. Os generais ficaram no leme desde que a transição começou, e a NLD desempenhou o papel auxiliar.

Esta estratégia revela a profunda desconfiança de Aung San em relação à política participativa. Ela viu os protestos genuinamente democráticos contra a tomada de terras com indiferença e hostilidade velada. A ironia, é claro, é que ela impulsiona a onda de protestos em massa que ela simboliza.

Aung San marcou o tom de violência radical contra os muçulmanos rohingya e sua detenção em campos de concentração, com silêncio estudado e declarações ambíguas. Confrontada com esses eventos, alegou que ela "começou na política, não como defensora dos direitos humanos ou trabalhadora humanitária, mas como líder de um partido político", estabelecendo uma falsa dicotomia entre os direitos humanos e a política.

Mais importante, no entanto, sua falta de resposta à limpeza étnica vai contra seus cargos anteriores. Quando a entrevistei em 2011, pedi-lhe que descrevesse o tipo de democracia que aspirava construir. Ela respondeu vagamente que há democracia "quando as vozes das pessoas são ouvidas".

Esta resposta revela a pobreza de sua política. Tomada por anos como um ícone dos direitos humanos, ela se tornou uma política calculista, para ganhar ou manter o poder. Na verdade, muitos defendem sua passividade sobre a rohingya como estratégia política: ela está disposta a sacrificar uma minoria impopular para estabelecer a democracia no país.

No entanto, o problema real com Aung San Suu Kyi é o fato de não ser suficientemente política. Sua visão para o país não é política: é moral. Ela quer "revolução do espírito". Sua política equivale a uma coleção de frases vagas como "reconciliação nacional", "regra da lei", "paz" e "desenvolvimento". Ela não apresentou nenhuma política que beneficiaria a massa de birmaneses.

Na visão de mundo de Aung San, todos os birmaneses devem cumprir seu dever com a estrutura socioeconômica da nação. Um par de anos atrás, ela teria tido muito dinheiro enquanto fazia isso, mas não iria entender. Aung San não pensa que a mudança virá de uma revisão sistêmica, mas da redenção moral daqueles que estão no topo e dos sacrifícios e do trabalho duro daqueles que estão na base, todos unidos em um espírito de solidariedade nacional.

Aung San Suu Kyi coloca sua responsabilidade pessoal no centro de sua visão política. Nesse sentido, é membro de um grupo de pessoas que não acreditam na ação coletiva, a menos que siga os ditames de um líder forte.

Desta forma, ela está bloqueando ativamente a política de desenvolvimento na Birmânia, como faz o neoliberalismo em todo o mundo, tornando a ação política impotente contra o mercado. Essa despolitização cria um vácuo, que é preenchido pelo tipo de etno-nacionalismo xenófobo que prevalece na Birmânia e outros lugares.