Qual é o caminho do desenvolvimento?

 Resignado com o baixo crescimento, o Brasil deve recompor o Estado e aprender com os desenvolvidos.

Por Carlos Drummond

fórum do desenvolvimento

A retomada do desenvolvimento exige a recomposição do Estado, atingido por mudanças significativas executadas sem o devido cuidado e o necessário debate. Para assumir essa reconstrução, a sociedade precisará desafiar os limites do mercado, isto é, admitir que ele não é algo natural e imutável, mas uma construção política.

O encaminhamento do processo requer ainda a rejeição da versão apresentada pelos países avançados acerca da sua própria evolução econômica, base das imposições que eles fazem aos subdesenvolvidos e aos emergentes através de organismos como FMI e Banco Mundial. Foram estas algumas das análises e proposições apresentadas no Fórum do Desenvolvimento, realizado, em dezembro, em Belo Horizonte, pela Associação Brasileira de Desenvolvimento, Banco Interamericano e Organização das Cooperativas.

É preciso ignorar o que as principais nações pregam e tomar como referência somente a sua prática, recomendaram alguns conferencistas. Ao contrário do que dizem os desenvolvidos, seu progresso teve por base as mesmas políticas que hoje condenam quando realizadas por países em busca do avanço econômico, a exemplo do uso de companhias estatais, manutenção de empresas privadas nacionais no País, protecionismo, subsídios, crédito favorecido e apoios de toda ordem à indústria.

O sistema nacional de fomento representado pela ABDE é formado por 30 instituições detentoras de 50% dos ativos financeiros domésticos e teve importância fundamental nos períodos de desenvolvimento do País. Um dos seus integrantes, o BNDES, é o terceiro maior banco do gênero no mundo, financiador das principais obras de infraestrutura e do parque industrial doméstico. O Banco do Brasil, a Caixa, os bancos do Nordeste, da Amazônia e de Desenvolvimento de Minas Gerais, do Espírito Santo e do Extremo Sul fazem parte do grupo.

A distância entre a situação atual do País e a meta do desenvolvimento dá uma ideia da envergadura do desafio. Nos últimos anos, além da recessão ocorreu também uma mudança no perfil de crescimento, perceptível no comportamento do chamado PIB potencial. Esse indicador mede a capacidade produtiva instalada, portanto, aumenta quando se investe em produtividade e capital e é um bom sinalizador do desempenho futuro da economia.

“Em 2008 e 2009, tivemos uma recessão, mas o PIB potencial foi pouco afetado naquele momento, assim como em outros movimentos cíclicos. Agora a economia está se recuperando em termos de PIB observado, mas não de PIB potencial, e essa é uma revelação muito triste sobre o Brasil. É a certeza do crescimento futuro que faz com que os atores invistam hoje, mas de país do futuro nos tornamos o país da dúvida”, criticou Carlos Alexandre Jorge da Costa, diretor de Planejamento, Crédito e Tecnologia do BNDES.

De 1999 a 2013, disse, a renda per capita nacional cresceu 1,9% no Brasil e 1,6% na média dos países da OCDE. “Muitos se contentam com isso, mas o País já almejou mais, e quando aceita um desempenho tão baixo é porque parou de sonhar, acomodou-se, jogou a toalha do desenvolvimento. Nesse ritmo de 1,9% ao ano, demoraríamos 335 anos para atingir a renda per capita da OCDE. Temos de ser mais ambiciosos, acelerar o nosso PIB potencial com mais investimento e maior produtividade”, alertou o diretor do BNDES.

Aos problemas econômicos somam-se dificuldades político-institucionais. “O Estado, decisivo no desenvolvimento, passa no Brasil por mudanças significativas feitas sem o devido cuidado e o necessário debate com a sociedade”, analisou Marco Aurélio Crocco, presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.

Não existe capacidade de gerar desenvolvimento, que requer investimento, planejamento de longo prazo e coordenação, se as instituições não estiverem funcionando minimamente, sublinhou Crocco. É preciso que os Poderes exerçam o seu papel, moderado por pesos e contrapesos e que a sociedade possa se articular e se expressar de forma organizada. Ninguém investe sem garantia de que as mesmas regras de interpretação dos fatos vigentes hoje valerão também no futuro.

“Se o País não recuperar a normalidade institucional, política e social, viveremos uma ruptura muito séria. O impeachment, do modo como foi feito, passou a sensação de que tudo é possível. Setores da sociedade tentam abocanhar o máximo, acreditam que podem fazer qualquer coisa. Aumento dos planos de saúde para idosos, mudança do Código Florestal, extinção de leis trabalhistas, tudo é alcançável para quem tem mais poder e acesso àqueles que legislam. No comportamento social, o aumento das agressões, da homofobia, os escrachos contra os artistas indicam a mesma percepção de “vale tudo”. Os limites de poder e os canais para disputar ideias e fazer acordos, isso acabou. Nessas condições, não há como ter desenvolvimento econômico sustentável”, apontou Crocco.

Novos movimentos nos Estados Unidos e na Europa sugerem, entretanto, a possibilidade de se encerrar o ciclo mundial de mais de 30 anos de neoliberalismo, previu o professor de Economia de Cambridge Ha-Joon Chang, no evento da ABDE. Essa ideologia falhou por completo, disse, e as evidências do fracasso são o irrisório crescimento mundial nos últimos 25 anos e o aumento assustador da desigualdade. “O salário médio dos EUA está congelado desde os anos 1960. Uma falha clara da política neoliberal”, ressaltou Chang.

O fiasco e os estragos do neoliberalismo reavivaram a importância de os países subdesenvolvidos e os emergentes extraírem lições do percurso das nações avançadas quando estas procuravam se desenvolver. Todas foram um dia ex-fornecedoras de matérias-primas e produtos de baixo valor agregado e só conseguiram ascender com a utilização ampla do Estado, do protecionismo e dos subsídios, chama atenção o professor. Seguiram, portanto, o rumo oposto ao preconizado pelo neoliberalismo e assim tiveram êxito. “É preciso dizer aos neoliberais que seus automóveis Toyota só existem porque o Japão foi protecionista”, sugeriu o economista.

A Toyota foi inaugurada em 1926 como fabricante de máquinas têxteis simples e em 1933 passou a produzir carros. O governo japonês impediu, em 1939, a entrada das concorrentes General Motors e Ford e anos depois chegou a financiar a montadora nacional com dinheiro do Banco Central. A primeira exportação para os EUA, do modelo de passeio Toyopet, em 1958, foi motivo de orgulho para os japoneses.

Os experientes compradores norte-americanos relutaram, entretanto, em adquirir um carro proveniente de um lugar onde eram fabricados apenas produtos de segunda categoria. As vendas do subcompacto foram um fiasco e o fabricante retirou-o do mercado americano. O desastre provocou um grande debate no Japão. Os liberais disseram que o Estado nem deveria considerar o investimento no setor e precisava abrir o país para as marcas estrangeiras. Muitos argumentaram que a empresa deveria se restringir ao seu negócio original de fabricação de máquinas têxteis, posto que o principal item de exportação era a seda. “Os protecionistas prevaleceram, entretanto, e hoje a Toyota é a maior indústria automobilística do mundo”, ressaltou Chang.

O caso do Japão, disse, está longe de ser excepcional. Todos os países ricos, exceto a Holanda e a Suíça, usaram o protecionismo por longos períodos para desenvolver suas economias. Essa é a história do capitalismo e ela mostra que a ortodoxia está errada. É preciso contestar a teoria de que o mercado não pode ser questionado pela sociedade e pela política. Não é um fenômeno natural, mas um constructo político, e sem desafiar os seus limites não se constrói uma sociedade decente. Ele é importante, sim, mas acompanhado de proteção e regulação, ensinou o professor.

As hoje execradas empresas estatais, por exemplo, foram fundamentais na estruturação das economias avançadas. Tiveram papel-chave nas industrializações da Alemanha nos setores têxtil e siderúrgico, e do Japão, nos segmentos siderúrgico e de construção naval. Foram usadas extensivamente também na França, Finlândia, Noruega, Taiwan e Cingapura no pós-Guerra.

Mesmo nos Estados Unidos, que se vangloriam de ter só 1% do PIB proveniente de estatais, as Forças Armadas desenvolveram de modo pioneiro os computadores, a internet, o GPS, os semicondutores, os aviões sofisticados e os principais elementos do iPhone, todos de ampla utilização pelo setor privado. Sem a Petrobras, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Eletrobras, a Embrapa e ex-estatais como a Embraer, cabe acrescentar, o Brasil jamais teria estruturado a indústria e o agronegócio moderno e seria só um exportador de primários, condição à qual corre o risco de retornar sob o atual governo.

O neoliberalismo demonizou de tal modo o Estado – escreveu Chang em Bad Samaritans: The Guilty Secrets of Rich Nations and the Threat to Global Prosperity – que a Singapore Airlines, a mais premiada companhia aérea do mundo, não anuncia que é estatal. A Renault, a coreana Posco e a Embraer escondem o fato de terem se tornado empresas de classe mundial antes de serem privatizadas. Poucos sabem que o governo da Baixa Saxônia, na Alemanha, é o maior acionista da Volkswagen, com participação de 18,6%.

A Posco é um dos inúmeros exemplos de sucesso industrial viabilizado pelo Estado. No início dos anos 1960, o Banco Mundial negou o pedido da Coreia do Sul de financiamento para construção da sua primeira usina siderúrgica, alegando que o projeto era inviável. Naquela época, observou Chang, a renda per capita do país era 3% da dos Estados Unidos, enquanto a do Brasil era 2,5 vezes maior do que a coreana.

Os principais itens de exportação eram peixes, roupas baratas, perucas e placas de madeira compensada. Sem jazidas de ferro e de carvão, que são as matérias-primas básicas da siderurgia, e impossibilitada de importá-las da China por causa da Guerra Fria, precisaria adquiri-las na Austrália. O governo coreano assumiu, entretanto, o empreendimento e, em 1973, a empresa tornou-se uma das mais eficientes do setor e uma das maiores do mundo.

Segundo Chang, “há ainda quem diga que nos subdesenvolvidos o histórico da ação estatal é péssimo, mas os números mostram que os anos de substituição de exportações foram muito melhores”. Entre 1960 e 1980, de estatização significativa, o PIB per capita cresceu 3,1% em média na América Latina, enquanto na era neoliberal, de 1980 a 2016, avançou só 0,8%. Na África Subsaariana, as médias foram 1,6% e 0,3%. Nos países desenvolvidos, o crescimento foi de 3% no primeiro período e de 2,5% no segundo.

“As pessoas acham que a Inglaterra inventou o livre-comércio, mas só conseguiu chegar à sua posição por meio do subsídio, com políticas semelhantes àquelas que seriam adotadas por Japão e Coreia. Por 130 anos, as maiores tarifas de importação foram as inglesas. Adam Smith dizia o que o Banco Mundial diz hoje: não tentem se industrializar artificialmente, isso será ruim. Evidentemente, os americanos não deram bola para isso: o presidente Thomas Jefferson disse que tal proposição era ridícula. Até a Segunda Guerra Mundial, os EUA permaneceram como um dos países mais protecionistas do mundo”, contabilizou o professor.

Quem combate a industrialização dos subdesenvolvidos e emergentes quase sempre enaltece o papel do setor de serviços, apontado como a redenção nessa suposta era pós-industrial. Não é bem assim, sugere a análise de Chang de que há “enorme exagero” na história de sucesso do comércio de serviços da Índia, enaltecida pelos neoliberais: “Entre 2008 e 2016, o superávit do setor de serviços atingiu 1,1% do PIB, irrisório diante do déficit comercial de mercadorias, de 14%. Se não aumentar em sete vezes seu superávit de serviços, a Índia não poderá manter seu ritmo de crescimento sem sérios problemas no balanço de pagamentos. Especializada em serviços de baixa intensidade de conhecimento, o pequeno êxito do país é muito vulnerável ao avanço da inteligência artificial. Quem acha, portanto, que aqui no Brasil a desindustrialização vai funcionar, cuidado!”, alertou o economista.