Lula vai à ONU contra julgamento no TRF-4

Advogados vão apresentar ao Comitê de Direitos Humanos da ONU o que dizem ser violações aos direitos do ex-presidente.

Valeska Teixeira Martins e Geoffrey Robertson no TRF-4

“Não se termina com a corrupção de forma eficaz, se não agirmos de forma justa”. A declaração é do advogado do ex-presidente Lula na ONU, Geoffrey Robertson. Na noite de segunda-feira (29), o ativista australiano esteve no "Seminário Internacional: O Caso Lula – Balanço e Perspectivas", realizado em São Paulo, e elencou o que são, em sua perspectiva, algumas das violações sofridas pelo petista ao longo de seu julgamento pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

“Não digo que Lula não deva estar abaixo da Lei, nem ter algum tipo de imunidade, o que defendo é que lhe seja assegurado o direito a um julgamento justo, que preserve seus direitos fundamentais”. Robertson criticou, sobretudo, a dinâmica de seu julgamento em segunda instância, que o levou a ser condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A ação é apenas a primeira da Operação Lava Jato contra Lula que chega à segunda instância.

Acompanhado dos advogados de defesa brasileiros de Lula, Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins, o australiano criticou o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, que avaliou a sentença de Sergio Moro, juiz de primeira instância, como "impecável" e defendeu sua chefe de gabinete que, nas redes sociais, pediu a prisão de Lula. "Thompson Flores é uma vergonha para qualquer sistema judiciário”, condenou o advogado.

Robertson ainda reprovou duas práticas que são correntes em julgamentos no Judiciário brasileiro: o fato de os magistrados chegarem ao julgamento com seus votos prontos e de o integrante do Ministério Público acompanhar o julgamento ao lado dos juízes. “Não se tinha nada de imparcial. O representante do Ministério Público se portava como um quarto juiz, trocando comentários com os desembargadores", afirmou.

Ele afirmou que "na Europa isso não aconteceria" e que o mais comum é que os juízes façam suas perguntas, mas reservem suas opiniões, "justamente porque precisam considerar os argumentos da defesa”, explicou.

Não faltou críticas à postura do procurador da Republica Deltan Dallagnol, coordenador da forca-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Robertson condenou a coletiva de imprensa feita pelo procurador antes mesmo do julgamento de Lula em primeira instância e o lançamento do livro A Luta contra a Corrupção, em 2017, antecedendo o julgamento em segunda instância. “Parece que nada pode detê-lo”, criticou o advogado.

Para o especialista, o Brasil vive um momento constrangedor ao desrespeitar a presunção da inocência e demonizar pessoas antes de seu julgamento. No caso do ex-presidente Lula, o advogado considera essencial que o Estado brasileiro reveja qual o papel devido de um juiz. “É necessário garantir um juiz que faça a investigação e outro que lidere o julgamento. Sergio Moro jamais poderia cumprir papel duplo no caso, porque isso cria parcialidade”, criticou.

“O direito humano mais fundamental é o acesso a um julgamento imparcial, a um juiz neutro. Sem isso, retomamos os princípios da Inquisição, onde a mesma pessoa que investiga é a que condena”, reforçou Robertson para atestar que o Brasil ainda opera um Sistema Judiciário primitivo e que o País precisa rever tais dinâmicas.

Cristiano Zanin Martins relembrou que, por decisão do próprio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a Operação Lava Jato não precisa seguir as regras dos processos comuns, o que para ele formaliza o “Estado de exceção". “No caso do presidente Lula, sucessivas foram as vezes em que as leis e garantias fundamentais foram desprezadas, a começar pela prova de inocência dos autos e a condenação incompatível com as provas e com a tipicidade”, afirmou.

A também advogada de defesa Valeska Teixeira Martins elencou as dificuldades impostas à equipe desde o início do processo e reafirmou que, no caso do ex-presidente Lula, as leis e os procedimentos jurídicos são utilizados como arma de guerra para persegui-lo e destruí-lo como inimigo politico, o que os estudos internacionais chamam de lawfare. "É uma guerra jurídica para a qual não há necessidade de jurisdição, causa ou prova. Apenas o uso da violências das leis para fins políticos”, disse.

A jurista reconhece três estratégias principais que ancoram o processo. “A primeira delas é fazer com que o acusado perca seus direitos, a segunda trata de demonizá-lo e a terceira conta com externalidades”, explicou a especialista, fazendo referência, no último caso, ao ataque da imprensa brasileira a Lula.

As violações apresentadas pelos especialistas durante o seminário serão apontadas em petição entregue ao Comitê de Direitos Humanos da ONU. “A nossa atuação se dá por entender a necessidade de reparar as violações vividas pelo presidente Lula, além de dar a ele o direito a um julgamento justo, imparcial e independente da opinião publica e da imprensa”, explicou Valeska.

Um dos pontos da defesa será a excepcionalidade das leis no contexto da Operação Lava Jato. “Mostraremos que a legislação não está de acordo com as normas internacionais e de direitos humanos aceitos pelas Nações Unidas. Nos comprometemos a fazer essa revisão para que esses padrões internacionais sejam balizadores de nossos processos. Se admitido, damos início a um julgamento de mérito do Estado brasileiro na Operação Lava Jato, com indicações de como cessar e reparar as violações”, explicou.

O seminário também contou com a participação de alguns juristas e acadêmicos que acompanham o caso do julgamento do ex-presidente. Embora o ex-ministro da defesa Celso Amorim tenha dito acreditar em uma teoria da conspiração, se disse esperançoso com as novas provas que serão encaminhadas para a ONU. “Um dos pontos que tem de ser visto, a meu ver, é o uso da delação premiada, que funciona como uma coerção premiada, já que os indivíduos são coagidos prevendo determinados comportamentos", colocou.

O advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Estevam Serrano, colunista do site de CartaCapital, falou sobre um aperfeiçoamento do autoritarismo. “O autoritarismo do século XX era o estado de exceção, a ditadura tratava o ser humano como inimigo, o inimigo era geral, e o Estado tinha o papel de promover a paz", disse. "Hoje, esse mecanismo se aperfeiçoou e temos as medidas de exceção no regime democrático, que é a fraude ao direito, à democracia. Criaram uma lei penal para incriminar o Lula”, afirmou.

Para o advogado Walfredo Jorge Warde, também presente no evento, o Brasil vem conduzindo seus processos anticorrupção com irresponsabilidade. “Não sabemos o que é corrupção no Brasil porque isso sai da cabeça do magistrado. Inventamos o ilícito e fazemos uma busca implacável por coletar provas que não buscam esclarecer, apenas condenar”, afirmou. O jurista também lembrou o fato do processo contra o ex-presidente Lula estar entre os dez mais rápidos do TRF-4.

Na opinião da advogada Eleonora Nassif, é visível a perseguição contra Lula. “Estamos diante de um magistrado pueril, com fetiches de heroísmo”, disse se referindo ao juiz Sergio Moro. “Que ato heroico é condenar um inocente, sem provas? Não podemos nos calar diante de tamanha perversidade”.

Para Zanin, é inadmissível que a Polícia Federal, a Receita Federal, o Ministério Público e o Judiciário estejam alinhados para perseguir o ex-presidente Lula. “Isso viola não só a nossa Constituição, mas todos os tratados que o País subscreveu. É preciso ratificar o caminho do estado de direito e combater a negação das regras gerais”, afirmou.