Amanhã, um jornal de estudantes para o movimento operário

Em 1967, o golpe civil-militar completava três anos e ainda não havia mostrado sua pior face – o que aconteceria em dezembro de 1968, com a instauração do AI-5 (Ato Institucional-5). Os destinos do Brasil ainda eram incertos e a sociedade se movimentava na resistência ao regime dos militares. Neste ano, chegava às bancas um novo semanário com um nome que fazia referência ao futuro, ao que está por vir, ao Amanhã.

Jornal Amanhã - Divulgação

No dia 13 de março, foi impressa a edição número zero do semanário estudantil que falaria com os trabalhadores e duraria apenas sete números. "Veja os 5 golpes do fundo", era o que trazia como manchete a edição do Amanhã, denunciando irregularidades no recém-criado Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Já a segunda edição, que chegaria às bancas em 30 de março do mesmo ano, também tratava de questões ligadas ao Fundo de Garantia e trazia matérias culturais e até um caderno especial.

Motivado pela vontade de escrever para os trabalhadores e leitores em geral, o jovem universitário José Arantes idealizou o jornal semanal Amanhã como uma publicação feita por estudantes, mas não necessariamente estudantil. A cobertura seria ampla, tratando de questões internacionais, como a Guerra do Vietnã, e de temas caros para os operários brasileiros.

Expulsos do ITA

Expulso do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em 1964 por suas posições políticas de esquerda, Arantes foi estudar física na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

Em 1967, se tornou vice-presidente da União Nacional dos Estudantes. Envolvido com a militância estudantil de esquerda, Arantes convidou seu amigo Raimundo Pereira, que também havia sido expulso do ITA pelos mesmos motivos, para, juntos, montarem o impresso.

"Com algum conhecimento de jornalismo e com essa relação de amizade com o Arantes, surgiu a ideia de fazer um semanário não para o movimento estudantil, mas um semanário do movimento estudantil para o movimento operário", afirma Pereira.

À época, Pereira também estava matriculado no curso de física da USP e trabalhava como redator em uma revista técnica da Editora Abril chamada Máquinas e Metais. Arantes viu na experiência do amigo um ponto de partida para concretizarem a ideia de um jornal semanal que falasse a linguagem dos trabalhadores.

Frescor editorial

O Amanhã nasceria com um frescor editorial dos estudantes, um projeto gráfico inovador, textos diretos e apuração meticulosa. Para isso, Arantes e Pereira convidaram outros conhecidos que poderiam ajudar a construir o jornal. O artista visual Claudio Tozzi, que na época estudava na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, desenhou o logotipo do jornal: a palavra "amanhã", toda em minúsculas, vermelha, não serifada.

"Fizemos um semanário com as ideias do movimento estudantil da época. Tinham as rebeliões pela América Latina, a guerrilha", diz Pereira sobre os assuntos que o jornal tratava em suas edições.

A convite de Tozzi, o hoje jornalista Tonico Ferreira, outro estudante da FAU, se envolveu com o nascimento do Amanhã, comandando a diagramação do jornal. Além de Arantes, Pereira e Ferreira, outras pessoas colaboravam com o jornal, como o historiador Ricardo Maranhão, o jornalista Bernardo Kucinski e outros profissionais da comunicação da época. "O Tozzi chegou pra mim e disse: 'Tonico, você não quer fazer um jornal lá? Acho até que eles vão pagar algum salário…'. Então fui e aprendi a diagramar lá, junto com o Duque Estrada, que era da grande imprensa", afirma Ferreira.

O dinheiro para a produção de jornal vinha do próprio Grêmio da Filosofia da USP, do qual Arantes era presidente. Custos como impressão, distribuição e equipamentos eram cobertos pela verba que a organização estudantil destinava para o periódico.

Apesar da vida curta, a importância do Amanhã foi tamanha que a equipe fundadora iria, mais tarde, trabalhar em dois dos mais importantes periódicos independentes do país: Opinião e Movimento. Para Ferreira, "o jornal Amanhã serviu de base para um grupo de pessoas que mais adiante trabalhariam juntas em publicações importantes".

O fim do jornal Amanhã está ligado ao aumento exponencial da repressão por parte das forças militares, o que já prenunciava os anos de chumbo pelos quais o Brasil iria passar. Segundo Pereira, o semanário "terminou quando a repressão beteu na gráfica e confiscou o jornal". Tonico Ferreira ainda lembra das divisões internas que aconteceram entre os participantes do jornal e afirma que de alguma forma isso contribuiu para encerrar a circulação do periódico.

José Arantes integrou grupos de esquerda como a Dissidência Comunista de São Paulo (DISP), a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento de Liberação Popular (MOLIPO). Paticipou do 30º congresso da UNE de 1968 em Ibiúna, interior de São Paulo, e foi preso pela polícia na forte repressão que foi realizada no encontro. Em 1971 foi preso pelo DOPS-SP e, segundo versão das forças policiais, morreu em tiroteio ao resistir à prisão. Porém, fontes questionam a veracidade dessa versão, pois a autópsia do corpo só foi realizada 24 horas depois do momento da prisão. Arantes foi enterrado como indigente no Cemitério Dom Bosco, em Perus, sob o nome falso de José Carlos Pires de Andrade.