Antônio Carlos de Almeida Castro: “A Lava Jato e o posto Ipiranga”

Em artigo publicado nesta sexta-feira (26), na Folha de S. Paulo, um dos advogados criminalistas mais renomados do Brasil, Carlos de Almeida Castro, o Kakay, escreveu sobre o ativismo judicial utlizado contra os que criticam os abusos da Lava Jato e também a espetaculização do processo penal. Para ele, há um pacto para criminalizar tudo que se oponha à Lava Jato.

kakay - Reprodução

No artigo “A Lava Jato e o posto Ipiranga”, o criminalista explica a transformação de um processo jurídico em espetáculo e o endeusamento de seus responsáveis. ”Como se a dita operação fosse a solução dos problemas do Brasil, quase uma entidade divina para dar respostas a todas as perguntas existenciais do brasileiro, entoando: pergunte à Lava Jato”, ironiza.

“Quando a Operação Lava Jato começou, o setor estruturado do marketing fez uma opção que considerei infantil e maniqueísta, mas que se revelou eficiente. As pessoas que ousassem apontar excessos eram tachadas de contrárias ao combate à corrupção”, escreveu.

Segundo o advogado, essa ”opinião falsa e covarde tomou ares de verdade”. O que interessava era calar qualquer crítica. Com o sucesso, resolveram ir além. Usaram o prestígio da operação para encampar alguns projetos pessoais ou das instituições e aperfeiçoaram a estratégia. Tudo o que fosse contrário aos interesses era apontado como forma de tirar credibilidade”, denuncia.

Medidas contra corrupção não tinham relação com combate à corrupção

Para o advogado, os muitos abusos de autoridade neste processo surgiram no que chama de “2º Pacto Republicano de Estado, em 2009”. Como recorda Carlos de Almeida, “redigida por um grupo de juristas, entre eles o ministro Teori Zavascki (1948-2017), exposta como um projeto do senador Renan Calheiros (MDB-AL) para conter a Lava Jato”.

“As tais dez medidas, apregoadas como sendo contra a corrupção, nenhuma relação tinham com o combate à corrupção. Visavam a diminuir o escopo do habeas corpus, fazer valer a prova ilícita no processo penal, instituir um teste fascista de integridade. Aqueles que criticamente se propunham a fazer o debate das dez medidas eram apontados como contrários à operação”, destaca.

Quem ousava discutir constitucionalidade era tachado de inimigo da sociedade

O momento mais significativo foi quando do julgamento do afastamento da presunção de inocência pelo STF e no julgamento sobre a prisão em segundo grau. Aqueles que ousaram discutir a constitucionalidade foram tachados de inimigos da sociedade.

O criminalista lembra também em seu artigo que “o juiz universal” Sergio Moro pediu, em público, que o presidente golpista Michel Temer “interferisse no julgamento do Supremo”.

Sobre prisão obrigatória após condenação em segunda instância, o juiz acredita que não há relação com a Lava Jato. “Ao contrário, trata-se de medida que atinge milhares de desassistidos, sem rosto e sem voz. Infelizmente, essa discussão será recrudescida pelos que querem a prisão de Lula após o julgamento do TRF-4. É a jurisprudência de ocasião, própria do momento de ativismo judicial”, explicou.

Criminalizar tudo que se oponha à Lava Jato

O jurista acredita que há um pacto da mídia para criminalizar tudo que se oponha à Lava Jato e lembrou o despacho do ministro do STF Gilmar Mendes sobre o uso da condução coercitiva. “Bastou vir a liminar para que o setor estruturado de marketing fizesse uma campanha mostrando que a Lava Jato estava em risco. Falso, desleal.”

“Há três anos corro o país em debates frequentes para apontar os excessos, denunciando essa estratégia perversa e irresponsável. A resposta, de maneira infame, é dizerem que se trata de artimanha da defesa contra a Lava Jato.”

“Qualquer discordância com os detentores da virtude e da verdade será vista como ofensa à Lava Jato. Qualquer reclamação terá de ser feita lá no posto Ipiranga”, critica o advogado.

E escreve: “deviam ler Pessoa: ‘Aos que a fama bafeja, embacia-se a vida’”.