Relator é "seletivo" e parece "trator acusatório", analisa professor

Em publicação em seu Facebook, o professor de Direito Processual Penal da UERJ, Afrânio Silva Jardim, se disse “perplexo” e “agoniado” com o julgamento de Lula até então. Na sua avaliação, o relator do recurso do ex-presidente, João Pedro Gebran Neto, foi “seletivo” e mais parece um “trator acusatório”.

Afrânio Jardim - Reprodução

“O voto do desembargador relator mais parece um ‘trator acusatório’, com total e absoluta falta de técnica jurídica, mormente ao rejeitar as dezenas de preliminares alegadas pelo ex-presidente Lula”.

O professor fez a postagem na rede social ainda antes do meio-dia desta quarta (24), durante a fala de Gebran. Para Jardim, “ está claro que ele queria a condenação do Lula e vai buscar argumentos genéricos e pífios para lastrear o convencimento prévio”.

Ao acusar seletividade do desembargador, ele afirmou que Gebran escolheu “os argumentos menos relevantes da defesa e neles se deteve, passando rapidamente sobre as teses mais procedentes. Isto é mais do que intuitivo”, criticou.

O relator rejeitou todas as preliminares apresentadas pela defesa de Lula no fim da manhã desta quarta. Entre as contestações indeferidas, estão a de que o processo não deveria tramitar em Curitiba, que o juiz Sérgio Moro era suspeito para julgar o ex-presidente na primeira instância e que o magistrado paranaense cerceou a defesa do petista.

Até às 12h30, o desembargador ainda não terminado de proferir o voto e analisava o mérito da questão. Depois dele, apresentam seus votos os desembargadores Leandro Paulsen, revisor do caso, e Victor Luiz dos Santos Laus.

Na sua explanação, Gebran afirmou que “a denúncia é bastante clara e mostra que o apelante [Lula] recebeu, para si e para outrem, vantagens indevidas”. Ele defendeu ainda que as vantagens beneficiaram não apenas Lula, mas também o PT, em uma clara sinalização de que votaria pela condenação do ex-presidente.

Ao rejeitar os pedidos da defesa, o desembargador declarou que “não tem como prosperar” a tese de suspeição de Moro e criticou a insistência dos advogados de Lula no assunto. Para ele, apesar de todas as manifestações de juristas renomados que concordam com as alegações da defesa, essa é uma tentativa de “desqualificar o juiz vocacional”.

Gebran também rebateu a denúncia dos advogados de que o caso tem natureza política. Segundo o relator, o argumento “não é original” e as decisões de primeiro grau foram tomadas com base em provas, como interceptações telefônicas.

De acordo com ele, a condução coercitiva de Lula, sem que ele tenha se negado a depor e apontada por diversos especialistas como uma violação aos direitos do ex-presidente, se justifica pelo risco à segurança e à investigação, dada a notoriedade do processo.

Ele também afirmou que “a condução é coercitiva, mas o depoimento não”, e que a medida foi adotada para que “o ato fosse o menos espetaculoso possível”, o que não ocorreu. “Mas de modo algum pode-se atribuir ao juiz de primeiro grau”, ressaltou.

As interceptações telefônicas, também questionadas como uma ação parcial do juiz de Curitiba, foram consideradas pelo magistrado como importantes na investigação. Gebran considerou regular inclusive a quebra do sigilo telefônico do escritório de advocacia que defende Lula.

Mérito

Após mais de 40 minutos, Gebran entrou no mérito da condenação, atacando um dos argumentos mais usados pela defesa: o de que Moro utilizou apenas delações sem provas, de corréus interessados em obter um acordo de colaboração premiada com a Lava Jato.

Na visão de Gebran, "são válidos os depoimentos prestados por colaboradores e corréus, sendo que seu elemento probatório depende da sintonia com outros elementos nos autos."

"A existência de negociação [entre os corréus e os procuradores de Curitiba], apesar de admitida, não culminou no acordo nem especificação de benefícios. Eles foram ouvidos na condição de interrogados, não colaboradores", disse, destacando que o depoimento de Leo Pinheiro [OAS] não é uma delação segundo a lei. "Todavia, as palavras dos corréus podem ser utilizadas se reveladas espontâneas, coerentes."

Gebran também negou que um "ato de ofício", ou seja, uma ação clara e praticada diretamente por Lula, seja necessário à condenação por corrupção passiva. Ele usou o julgamento do Mensalão pelo Supremo Tribunal Federal para afirmar desnecessária "a exigência de vantagem indevida. Basta que o recebimento [da vantagem] esteja relacionada com os poderes de fato" de um político. No caso, Lula teria o poder de indicar cargos na Petrobras e teria recebido o triplex em troca.