Julgamento de Lula definirá rumos da democracia no Brasil

Nesta quarta (24), a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) julga recurso do ex-presidente Lula contra sentença do juiz Sérgio Moro, que o condenou a nove anos e meio de prisão. Nas mãos de três magistrados, estará não só o futuro do político mais popular do país, mas também o destino da jovem democracia brasileira. Num processo marcado por denúncias de parcialidade e violações de direitos, o histórico julgamento ocorre sob o signo da desconfiança.

Por Joana Rozowykwiat

lula

Para conter manifestações populares que ocorrem em Porto Alegre desde a segunda-feira (22), a sessão começa, a partir das 8h30, sob um forte esquema de segurança – que envolve desde drones e um contingente de 2 mil a 4 mil pessoas até bloqueio aéreo, terrestre e naval.

Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O Ministério Público Federal alegou que ele teria recebido propina da empreiteira OAS, por meio de um tríplex no Guarujá (SP) e do armazenamento do acervo presidencial do petista, em troca de favorecimentos à construtora em contratos com a Petrobras.

Na sua decisão, Moro sustentou que a OAS pagou R$ 2,2 milhões a Lula com a entrega do tríplex e reformas realizadas no imóvel. Mas absolveu o petista da acusação de ter se beneficiado irregularmente da guarda dos objetos ganhos enquanto chefe de Estado.

Lula recorreu da decisão de Moro, alegando Inocência. O MPF também, mas pedindo ampliação da pena. A defesa do ex-presidente reuniu diversos documentos para comprovar que ele não é e nem nunca foi dono do tríplex, que, aliás, acaba de ser penhorado para garantir o pagamento de uma dívida da empreiteira. Os advogados questionam como se pode falar em recebimento do tríplex como vantagem indevida, se o imóvel permaneceu sempre como propriedade da construtora.

O rito

O TRF-4 vai transmitir, pelo YouTube, todo o julgamento, no qual votarão os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus. Apenas o processo de Lula, que tem mais seis réus, está pautado para este dia.

O presidente da turma, Paulsen, abrirá a sessão. Em seguida, o relator do caso, Gebran, fará a leitura do seu relatório. O MPF, autor da acusação, terá então 30 minutos para se manifestar. Na sequência, é a vez dos advogados de defesa. Cada um terá no máximo 15 minutos para fazer suas sustentações orais.

Por fim, os desembargadores leem seus votos e Paulsen proclama o resultado. A expectativa é de que o julgamento acabe no mesmo dia. Tanto o MPF quanto a defesa de Lula podem recorrer da decisão ao TRF-4, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.

Mesmo que Lula seja condenado, ele não poderá ter sua prisão decretada imediatamente. O próprio TRF informou que isso só poderia ocorrer após julgamento de todos os recursos em segunda instância.

Mesmo que haja resultado desfavorável a ele, o petista também poderá registrar sua candidatura à Presidência, mas a sua efetiva participação no pleito dependerá da velocidade com que forem julgados eventuais embargos ou de uma decisão do STJ autorizando sua presença na disputa.(Saiba mais sobre os cenários após o julgamento aqui)

Um julgamento político

Juristas do mundo todo têm apontado o partidarismo da denúncia do Ministério Público e a fragilidade da sentença de Moro. Para Geoffrey Ronald Robertson, advogado britânico e conselheiro da rainha, por exemplo, as acusações contra Lula atentam contra garantias fundamentais, e as chances de o petista ter um julgamento justo são mínimas.

O sentimento generalizado, até mesmo entre os mais críticos ao ex-presidente, é o de que faltam provas e sobram convicções. Trata-se de um julgamento político, portanto. O seu resultado pode tirar da urna, nas próximas eleições, o nome do presidente mais bem avaliado da história do Brasil, que figura em primeiro lugar em todas as pesquisas.

E, se a própria decisão do juiz já não fosse alvo de questionamentos, não faltam problemas ao longo de todo o processo. De divulgação ilegal de ligações telefônicas – inclusive para a então presidenta da República –, até a condução coercitiva de Lula sem que ele tivesse se negado a depor, o percurso que leva até o julgamento desta quarta é repleto de alegadas violações aos direitos individuais e de defesa. Sem falar na velocidade com que tramitou o processo na segunda instância.

Além disso, há de se destacar a seletividade e o ativismo da Operação Lava Jato, que avançou sobre Lula, mas não teve o mesmo empenho em relação a outros – inclusive possíveis candidatos –, contra os quais pesam malas de dinheiro, gravações e filmagens comprometedoras, caso de Aécio Neves e do próprio Michel Temer.

A Justiça numa encruzilhada

É também nesse sentido que a decisão dos magistrados representará um marco para o Estado Democrático de Direito, já em frangalhos no Brasil pós-golpe. Ela pode ajudar a normalizar esse quadro de violações, consolidando um modo muito peculiar, por assim dizer, no fazer do Judiciário. Algo que passa por cima não só da Constituição, como de muito daquilo que se entende por Justiça no mundo.

O advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP, Pedro Estevam Serrano, tem dito que o quadro de injustiça contra os cidadãos pobres, por exemplo, deve piorar se o TRF-4 mantiver a condenação a Lula. “Moro condenou o ex-presidente por suposição, num processo que só tem aparência de ser conduzido numa democracia, mas com medidas autoritárias, de exceção, e com uso de juízo político”, disse o jurista.

A continuidade do golpe

Nesse sentido, o julgamento de Lula é apontado por muitos como a continuidade do golpe que apeou do poder a ex-presidenta Dilma Rousseff. A presença no atual governo de políticos sobre os quais pesam inúmeras denúncias de corrupção e uma farra escancarada de compra de votos faz cair por terra qualquer discurso moralizador que tente justificar violações e parcialidades envolvendo a Lava Jato.

Diversos analistas apontam que é a confirmação de que não se trata de julgar o homem Lula, mas de condenar uma forma de governar. Uma ofensiva para afastar os eleitores de um projeto popular e inclusivo de país, que foi substituído por um outro, neoliberal, que corta direitos sociais para preservar o quinhão de poucos financistas e entrega as riquezas do país ao capital estrangeiro. 

“O crime de Lula, na verdade, foi comandar um governo voltado para os mais pobres, um governo mais popular e soberano e isso, amigos e amigas, jamais será aceito pela Casa Grande. Defender Lula é defender a história, é defender a justiça. Não é ser petista, é ser justo”, afirmou o economista Luiz Gonzaga Beluzzo.