Bangladesh e Birmânia chegam a acordo para repatriar rohingyas

O governo do Bangladesh anunciou na terça-feira (16) que chegou a um acordo com a Birmânia para o repatriamento de centenas de milhares de muçulmanos rohingyas, depois de em novembro os dois países terem iniciado as negociações

rohingyas

O regresso para casa dos refugiados, que fugiram da repressão militar do estado birmanês de Rakhine, que teve o seu pico de violência em agosto, demorará dois anos.

Em comunicado, os Ministérios dos Relações Exteriores dos dois países informaram que Bangaldesh irá estabelecer cinco campos de trânsito na sua fronteira, a partir dos quais os rohingyas serão enviados para outros dois centros já no lado birmanês da fronteira. O processo de repatriamento começará já na próxima terça-feira (23). 

A Birmânia diz ainda que irá construir um campo de trânsito que abrigará temporariamente 30.000 refugiados e frisou a necessidade de os dois países colaborarem para prevenir ataques armados de rebeldes rohingya. A Daca recebeu uma lista com o nome de 1000 supostos combatentes.

Apesar dos testemunhos de atos de violência extrema contra a comunidade roghingya levados a cabo pelas forças de segurança e milícias aliadas das autoridades centrais da Birmânia, que foram considerados pelas Nações Unidas como exemplos de “limpeza étnica”, os militares birmaneses continuam a defender que as suas acções foram apenas uma resposta aos atos de rebelião da parte de grupos separatistas.

O acordo bilateral divulgado na terça-feira (16) é recebido com desconfiança pelas Nações Unidas e por diversas organizações de defesa dos direitos humanos, que consideram que a estratégia não trata adequadamente de questões relacionadas com os direitos, segurança e subsistência dos rohingyas.

Um porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados disse em Genebra que os rohingyas só devem regressar à Birmânia se e quando se sentirem seguros.

Citado pela Reuters, Phil Robertson, vice-director da Human Rights Watch para a Ásia, considera que os receios e as preocupações dos próprios refugiados não foram levados em conta durante as negociações entre o Bangladesh e a Birmânia, "como se se tratasse de uma massa inerte de pessoas que irá para onde lhes for ordenado e quando lhes for ordenado".

“Onde está a preocupação pela protecção dos rohingya em relação às forças de segurança da Birmânia, que há meses atrás estavam violando e matando essas pessoas? Como é que o debate sobre esse assunto ignorou a privação dos direitos dessas pessoas?", questionou, alertando ainda para a possibilidade dos ditos campos de trânsito teoricamente provisórios se transformarem em centros de "detenção por tempo indefinido".

Refugiados não confiam na boa vontade da Birmânia

Não são só as organizações de direitos humanos receiam os resultados deste acordo. Um grupo de refugiados ouvidos pela Reuters no campo de Kutupalong, na região de Cox’s Bazar, no Bangladesh, expressou também as dúvidas quanto aos campos que a Birmânia concordou em instalar no seu lado da fronteira.

Mohammad Farouk, de 20 anos, que chegou ao Bangladesh depois dos ataques de 25 de agosto, disse que mudar o campo de um lado para o outro fazia pouca diferença, com excepção de que “os campos na Birmânia serão muito piores, porque estaremos lá fechados e será um risco para a nossa vida”.

Outro residente no campo de Kutupalong comparou o novo campo de trânsito com aqueles montados mais perto da fronteira com o estado de Rakhine, “onde as pessoas estão vivendo como prisioneiros” e onde se registram casos de violência.

“Primeiro, peça aos militares para devolverem aos rohingya as suas casas e os seus bens, depois falem conosco sobre a possibilidade de regressarmos”, disse um refugiado rohingya que não quis ser identificado.

Outros refugiados disseram que o grau de violência que testemunharam na Birmânia faz com que seja difícil acreditarem nos militares. “Mesmo que eu não coma ou outra coisa qualquer, pelo menos aqui estou em segurança. Não me sentirei seguro se voltar para a Birmânia”, disse Rashid Ahmed, de 33 anos.

Também Noor Alam, de 37 anos, que veio para o campo de Kutupalong há cinco meses, duvida que algum dia consiga arranjar trabalho na Birmânia: “Eles nem nos tratam por rohingya. Até que nos considerem cidadãos, nós não vamos voltar para lá”.

A fuga em massa de mais de meio milhão de rohingya da Birmânia intensificou-se na altura em que um grupo rebelde da minoria muçulmana atacou, em agosto de 2017, instalações policiais e militares no estado birmanês de Rakhine – de onde é originária a maior parte dos que atravessam a fronteira –, desencandeando confrontos entre os dois lados. Desde então, as autoridades birmanesas levaram a cabo uma campanha de repressão condenada internacionalmente e considerada por observadores externos como estando no limiar de um genocídio.

Cerca de 650 mil pessoas fugiram para o vizinho Bangladesh desde então. A principal preocupação das Nações Unidas e das organizações humanitárias no terreno é, neste momento, a aproximação da época dos ciclones, que poderá expor centenas de milhares de refugiados (incluindo 500 mil crianças) a condições meteorológicas adversas, fome e doenças.