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PCdoB, 1962: o início de uma trajetória vitoriosa

A Conferência extraordinária de 18 de fevereiro de 1962, que reorganizou o PCdoB, ajudou o partido a superar o liquidacionismo das corrente revisionista e o levou ao centro da corrente principal da política brasileira


 


Por Jos

O Partido Comunista do Brasil é como a lendária Fênix, uma ave que nunca morre pois sempre renasce de suas cinzas – era com esta imagem que, frequentemente, João Amazonas descrevia a trajetória do PCdoB. O veterano dirigente tinha autoridade neste assunto. Ele foi protagonista, e dirigente, de três reorganizações do Partido: a de 1943, da Conferência da Mantiqueira; a de 1962, contra o revisionismo; e a de 1979, que reestruturou a direção nacional do Partido, gravemente atingida pela repressão da ditadura de 1964, que prendeu e assassinou vários membros do Comitê Central do Partido.


 


 


Destas reorganizações, a principal foi a de 1962. As outras decorriam de ameaças da repressão policial das ditaduras do Estado Novo, na década de 1930, e dos generais de 1964. Nestas duas ocasiões, a investida sanguinária da repressão policial quase chegou a destruir a direção nacional do Partido que, entretanto, soube reorganizar-se e manter elevada a bandeira da mudança social, do progresso e do socialismo.


 


 


A reorganização de 1962, entretanto, enfrentou um adversário interno: as forças no Partido que relativizavam o marxismo-leninismo, a revolução e ameaçavam colocá-lo a reboque de setores da burguesia brasileira. E que, neste rumo, chegaram mesmo ao liquidacionismo, a abandonar as formulações do 5º Congresso (1960) e, num golpe de mão, impor um programa revisionista, a modificar profundamente os Estatutos e a alterar o próprio nome da agremiação, que passou a ser Partido Comunista Brasileiro, caracterizando a formação de uma nova organização partidária.


 


 


A reorganização, levada a cabo na 5º Conferência (extraordinária) do Partido Comunista do Brasil, ocorrida em 18 de fevereiro de 1962, foi o resultado de um longo processo de debate e entrechoque no interior da direção partidária, iniciado em meados da década de 1950. A diferença de opinião entre os dirigentes comunistas já havia se manifestado em relação à política brasileira desde antes, na crise do segundo governo Vargas, concluída com o suicídio do presidente. Já havia, entre os comunistas, a convicção de que o partido devia participar do leito principal da política, ultrapassando o esquerdismo que marcou suas posições desde 1948. Havia controvérsias quanto à política sindical (opondo aqueles que defendiam um inócuo paralelismo sindical aos que preconizavam a participação nos sindicatos oficiais, que atraiam a maioria dos trabalhadores). E também em relação à política institucional e à participação em eleições. Ficava cada vez mais claro que os comunistas podiam ter um papel importante nelas. Membros da direção comunista, que estava na clandestinidade – entre eles, João Amazonas – negociaram, por exemplo, o apoio a Juscelino Kubitscheck, que se comprometeu a suspender a perseguição policial ao partido caso fosse eleito. E ele venceu a eleição, em 1955, com uma diferença que tinha exatamente o tamanho da estimativa dos votos dos comunistas: 300 mil votos. A controvérsia entre os dirigentes comunistas opunha um grupo nacionalista burguês que preconizava o abandono da via revolucionária e a adesão pura e simples aos setores democráticos da burguesia. Um expoente deste grupo foi Agildo Barata que, na décadas de 1920 e 1930 havia se destacado como dirigente tenentista.


 


 


Este grupo se opunha à maioria da direção comunista, embora houvesse nela o germe de uma nova divisão. Ela se manifestou depois do 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, em 1956, que ficou na história como um marco da investida revisionista e reformista contra os revolucionários. Naquele Congresso, Nikita Kruschev denunciou os métodos autoritários do governo de Stálin, que havia falecido em 1953. Abriu, com isso, uma crise sem precedentes em todo o movimento comunista mundial, e que teve forte repercussão no Brasil. Aquele germe de divisão eclodiu opondo, agora, os partidários do novo rumo (da luta eleitoral e da coexistência pacífica com o imperialismo) indicado pelos soviéticos, contra aqueles dirigentes que permaneciam na senda da revolução, da luta contra o imperialismo e da defesa do socialismo.


 


 


Os lances dessa luta são conhecidos. Num primeiro momento, o grupo pró-soviético afastou os reformistas de Agildo Barata, em agosto de 1957. Nessa mesma ocasião, João Amazonas, Maurício Grabois, Diógenes Arruda, Sérgio Holmos – que se opunham às teses reformistas – foram afastados de seus cargos na comissão executiva e no secretariado do Comitê Central, sendo substituídos por Giocondo Dias, Mário Alves, Carlos Marighela e Calil Chade. Depois, adotaram, em março de 1958, uma declaração política (a “Declaração de Março”), que rompia com a política partidária aprovada no IV Congresso, em 1954, e adotava uma clara orientação revisionista. João Amazonas foi o único membro do Comitê Central que votou contra sua aprovação.


 


 


Delineavam-se assim as duas tendências que, naquele momento, se confrontavam na direção partidária, uma reformista e outra revolucionária, cujo entrechoque marcaria o 5º Congresso (1960) e cujo auge seria a reorganização de 1962. Elas foram descritas em um artigo histórico de Maurício Grabois, intitulado “Duas concepções, duas orientações políticas”, escrito em 1960 no debate para aquele congresso.


 


 


A corrente revisionista teve uma vitória parcial naquele congresso: conseguiu aprovar suas teses e mesmo o afastamento de João Amazonas, Maurício Grabois, Diógenes Arruda e Orlando Pioto do Comitê Central. Mas não conseguiu emplacar as mudanças mais profundas que defendia: a pretexto de conseguir o registro legal do Partido, queria mudar o nome (para Partido Comunista Brasileiro), o programa (relativizando a luta pelo socialismo e entronizando a via pacífica para o socialismo) e o Estatuto partidário. O máximo que conseguiu foi a autorização para realizar as mudanças de estilo – e nunca de conteúdo – para viabilizar o registro do Partido no TSE.


 


 


Mas a direção revisionista extrapolou e fez as mudanças que o Congresso não havia autorizado. Elas foram publicadas na edição de 11 de agosto de 1961 do jornal Novos Rumos, que era o órgão oficial do PCB, numa flagrante infração da legalidade partidária.


 


 


A resposta da corrente revolucionária foi imediata. Em pouco tempo, articularam uma carta ao Comitê Central (chamada Em defesa do Partido, e conhecida como Carta dos Cem, em referência ao número de dirigentes e militantes que a assinaram) protestando contra as mudanças arbitrárias e exigindo a obediência às determinações do 5º Congresso ou a convocação de um Congresso extraordinário para decidir sobre as divergências.


 


 


A resposta dos dirigentes reformistas foi a expulsão, no final de 1961, de João Amazonas, Pedro Pomar, Maurício Grabois, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli, Calil Chade, José Maria Cavalcante e outros signatários da Carta dos Cem. O rompimento explícito consolidava o rumo reformista imposto ao partido pela direção revisionista. Só restou, aos revolucionários, convocar – dentro do espírito da legalidade partidária – a convocação da Conferência (extraordinária) que reorganizou o Partido, em 1962, que elegeu um novo Comitê Central que tinha oito membros do anterior, e vários dirigentes experientes, com mais de 20 anos de atividade partidária. A Conferência aprovou também – diz o historiador Augusto Buonicore, no artigo “A Conferência de fevereiro de 1962 e a reorganização do PC do Brasil”, 8 de fevereiro de 2004, in http://www.vermelho.com.br -, “um Manifesto-Programa, que apontava os principais responsáveis pela miséria do povo: ''a espoliação do Brasil pelo imperialismo, em particular o norte-americano, o monopólio da terra e à crescente concentração de riquezas nas mãos de uma minoria de grandes capitalistas”. Por isto, o Partido Comunista do Brasil que “se orienta pelo marxismo-leninismo e que objetiva o socialismo e o comunismo, considera que, na presente situação, a principal tarefa do povo brasileiro é a luta por um governo revolucionário, inimigo irreconciliável do imperialismo e do latifúndio, promotor de liberdades, cultura e bem-estar para as massas”.


 


 


O Partido iniciou, naquela Conferência, a trajetória que, superando depois as graves ameaças da ditadura militar de 1964, prosseguiu a trajetória vitoriosa que, hoje, o transformou na referência comunista em nosso país, com mais de 90 mil militantes, mais de 230 mil filiados, organizado em todo o país e com uma participação intensa na vida institucional (pela primeira vez na história, em todos os níveis de governo, da Presidência da República a governos municipais, do Senado e da Câmara dos Deputados, às Câmaras de Vereadores), no movimento social (entre as mulheres, negros, jovens, associações de moradores, etc.) e na vida sindical, intensificada com a fundação, no ano passado, da Centra dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.


 


Uma trajetória vitoriosa!