Escritor afirma: Governo britânico colaborou com a tortura no Brasil

A revelação está no livro “Segredos de Estado: O Governo Britânico e a Tortura no Brasil, de autoria do professor, João Roberto Martins Filho, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-SP). Em entrevista à Folha de S.Paulo, publicada neste domingo (14), ele confirmou a “colaboração britânica com a tortura no Brasil” e disse que o país serviu de laboratório para a utilização dos métodos, praticados durante seis anos a partir de 1971.

Por Railídia Carvalho

abaixo a ditadura brasil - Reprodução

Martins Filho informou que as práticas importadas do Reino Unido eram técnicas de tortura psicológica. Privar os presos do sono e submetê-los a sessões de ruído contínuo e monótono assim como deixar os torturados em ambiente de baixa temperatura, prática conhecida como “geladeira”, eram alguns dos métodos utilizados, afirmou o escritor.

A pesquisa foi realizada durante passagem de Martins Filho pelo King’s College de Londres. O autor pesquisou documentos do período e também teve acesso a depoimentos de presos torturados no Brasil e na Irlanda do Norte. Entre os documentos citados no livro está uma carta de 1972 enviada pelo embaixador britânico no Brasil, David Hunt, ao Ministério das Relações Exteriores britânico. O documento constava nos arquivos da diplomacia inglesa como secreto.

Trecho da carta afirma: “Como, imagino, vocês devem saber, eles foram no passado influenciados por sugestões e conselhos oriundos de nós; mas essa conexão não existe mais, desde o começo do ano passado. (…) É importante que o conhecimento deste fato deva ser restrito, razão pela qual não o incluí num relatório que pode ter e provavelmente deva ter circulação razoavelmente ampla.(…) Esta carta não vai com cópias para qualquer outra parte”.

De acordo com Martins Filho, "Até aqui, havia relatos de empréstimo de técnicas britânicas de interrogatório ao Brasil, mas não havia nada detalhando o que aconteceu. Ninguém usava a palavra tortura, claro, mas a pesquisa prova que houve colaboração britânica com a tortura no Brasil", afirmou.

Segundo ele, as chamadas “cinco técnicas de Ulster (referência à tortura usada pelos Britânicos contra presos da Irlanda do Norte) foram experimentadas primeiro no Brasil. "Acho que os ingleses queriam testar a técnica no Brasil, onde conseguiriam acompanhar os testes sem ter que assumir responsabilidade pelo uso de tortura", afirmou o pesquisador. Além das técnicas mencionadas, havia ainda a que obrigava os presos a permanecerem em pé contra a parede com os braços estendidos.

Conclusão inédita

Na opinião de Martins Filho (foto), o trabalho de pesquisa comprova uma informação inédita e que não havia sido cogitada por grupos de defesa dos direitos humanos e nem por partidos de esquerda: Comprova participação direta do Reino Unido com o sistema de tortura no Brasil. Ao contrário da colaboração americana, não havia desconfiança da partipação da Inglaterra com a tortura no Brasil, ressaltou o autor.

Ainda segundo ele, o conhecimento do uso das técnicas de tortura britânica era mantido em segredo pela diplomacia, porém ele acredita que nenhum primeiro-ministro do período tinha conhecimento. “O governo inglês teria caído se fosse revelada a colaboração com a tortura no Brasil”, disse Martins Filho. De acordo com ele, o motivo da colaboração estava associado ao fortalecimento das relações comerciais entre Reino Unido e Brasil, o que incluía neste caso a venda de fragatas, helicópteros e mísseis.

O escritor definiu a colaboração como “subterrânea”. "Uma ação supersecreta de grupos militares que agem à revelia do governo até hoje, como se viu no Iraque. É um conhecimento de técnicas de tortura que não é documentado, mas passado por tradição oral", esclareceu.