Inflação abaixo do piso é erro do BC e sintoma de economia combalida

O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, encaminhou na tarde desta quarta-feira (10), ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, uma carta aberta justificando o erro de calibragem da política monetária, após a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2017 em 2,95% – abaixo do piso da meta fixada pelo governo, de 3%. Michel Temer comemorou a queda nos preços, mas o que pode parecer positivo, na verdade, sinaliza falta de vitalidade da economia.

ilan e meirelles

“Estamos reunidos aqui para comemorar um fato extraordinário, algo que, desde 1999 não ocorria, ou seja, um índice de inflação abaixo do piso (da meta), de 3% ao ano. Estamos em 2,95% e acho que isso merece comemoração”, disse ele, em reunião convocada para "agradecer" aos ministros envolvidos nesse resultado. Só não se sabe o que exatemente há para festejar.

O sistema de metas de inflação, adotado pelo Brasil desde 1999, estabelece que o Copom deva fixar a meta a ser perseguida para determinado ano, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA, do IBGE), com muma margem de tolerância para cima e para baixo. 

O Brasil tem mantido a mesma meta há mais de dez anos, 04,5%. Mas, para 2017 o intervalo de variação aceito era menor do que nos anos anteriores, de apenas 1,5 ponto percentual. O país já extrapolou a meta para cima no passado. Para baixo, é a primeira vez.

E não é um bom sintoma. Ouvir que os preços subiram menos que o esperado pode parecer uma boa notícia, mas a inflação ficou abaixo do piso da meta porque a economia está tão combalida, que os preços não subiram simplesmente porque não há demanda: trabalhadores sem empregos ou em atividades precárias, famílias com renda em queda, governos sem investir, capacidade ociosa das empresas nas alturas. 

A isso, soma-se a super safra agrícola e uma redução de preços de alimentos em geral, algo que não deve se repetir em 2018.

Significa que, diferente da propaganda oficial, a queda da inflação em nada tem a ver com medidas impopulares e reformas antipovo levadas adiante por Temer. A situação expõe, ao contrário, um retrato cinzento da economia, bem distinto daquele alardeado pelo governo.

E a carta de Ilan, é, portanto, um procedimento exigido para justificar o erro técnico do banco. Centrado em atingir a meta, o BC trabalhou com uma redução lenta da taxa de juros, que não conseguiu estimular a atividade e gerou o crescimento pífio que a gestão Temer celebra, enquanto diversos economistas se manêm preocupados.

Fato é que o equívoco do BC tem impactos negativos para empresas, trabalhadores e, por consequência, para o próprio governo, já que a arrecadação também é afetada. Ocorre que não é de hoje que o banco tem atuado apenas para conter a inflação, ao invés de preocupar-se com o cerscimento e o emprego.

A carta

No texto que divulgou para justificar a previsão errada, lan colocou a culpa nos alimentos, que tiveram safra recorde, puxando preços para baixo. "Se excluirmos do IPCA o subgrupo, fazendo posteriormente a reponderação do índice, a inflação passaria de 5,68% em 2016 para 4,54% em 2017, valor muito próximo para a meta da inflação para esse ano", diz a carta.

Em uma resposta aos críticos, que argumentam que o BC deveria ter cortado mais os juros, Ilan justificou que não poderia inflacionar os outros preços da economia para compensar a forte queda de itens em que a taxa Selic não tem efeito direto.

"Se o Copom tivesse reagido aos efeitos primários do choque de preços de alimentos, posteriormente teria que reagir aos efeitos primários de eventual subida desses preços, gerando excessiva volatilidade na taxa de juros e possivelmente comprometendo o cumprimento da meta para a inflação para os períodos seguintes", escreveu.

Em entrevista, ele tentou afastar a ideia de que atrasou os cortes de juros, mesmo com a queda da inflação. "Há uma crítica de que, se a inflação ficou baixa, [o BC] poderia reduzir o juro mais cedo. Nossa visão é outra. Nossa atuação no começo [do ciclo de corte de juros] é que propiciou a inflação mais baixa. Estou falando de expectativas, isso reduziu preços de serviços".

Na carta, o presidente do BC ainda fala do prazo no qual se espera que as providências produzam efeito para que o IPCA fique dentro da meta.

"A inflação já se encontra em trajetória em direção à meta em 2018. (…) Por essas projeções, já no final do primeiro trimestre de 2018, a inflação atingiria 3,2%, situando-se portanto acima do limite inferior do intervalo de tolerância da meta para 2018, de 3,0%, e terminaria o ano em 4,2%, 0,3 p.p abaixo da meta de 4,5%. (…) Portando, o BCB tem tomado as providências para que a inflação atinja as metas para a inflação estabelecidas pelo CMN, de 4,5% para 2018, 4,25% para 2019, e 4,00% para 2020."

Nova queda nos juros não está garantida

Segundo Goldfajn, o corte na taxa de juros – que, descontada a inflação, permanece das mais altas do mundo – não está garantido. "Continuará, dependendo da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos, de possíveis reavaliações da estimativa da extensão do ciclo e das projeções e expectativas de inflação.”

No comunicado e na ata da reunião de dezembro, o Copom sinalizava com mais uma redução, de 0,25 ponto percentual, da taxa básica de juros. A carta, contudo, trata o tema com cautela, sinalizando que o recuo dos juros por desacelerar.

IPCA foi o mais baixo desde 1998

O IPCA de 2,95% foi o menor desde 1998 (1,65%). O índice de dezembro foi de 0,44%, ficando 0,16 ponto percentual acima do resultado de novembro (0,28%). Essa foi a maior variação mensal de 2017. O grupo Alimentação e Bebidas, com queda de 1,87%, impactou na desaceleração do índice no acumulado do ano. Já Habitação, Saúde e Cuidados Pessoais e Transportes puxaram as altas. Os dados fora divulgados nesta quarta-feira (10) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).