EUA – a eleição no Alabama e as chances da esquerda

Os eleitores negros estão no coração de qualquer revivência da política de esquerda no Sul dos EUA.

Por Robert Greene II (*)

O primeiro voto - Revista Harpers

A eleição especial da terça-feira (12/12/2017) no estado norte-americano do Alabama aumentou a esperança de que 2018 possa trazer uma onda eleitoral que torne o Congresso dos EUA mais progressista. Muitos acreditam que os negros, particularmente as mulheres negras, se manifestaram em massa nesta eleição e ajudaram a eleger o democrata Doug Jones.

Então, que lições, após a eleição, podem ser tiradas da vitória de Jones? E qual o papel que os eleitores do Black Belt (Cinturão Negro, no sudeste dos EUA) podem desempenhar no esforço de levar o país para posições de esquerda?

Conhecido por seu rico solo e pelo grande número de afro-americanos que vivem lá – descendentes de escravos que trabalharam nas plantações da região – o Black Belt ocupou há muito tempo um lugar importante na história americana, particularmente na política radical. Na década de 1920, o membro do Partido Comunista, Harry Haywood, publicou sua "Tese sobre o Cinturão Negro", argumentando que aquele trecho de terra era uma "nação dentro de uma nação". Os afro-americanos, na sua opinião, não eram apenas um grupo oprimido dentro dos EUA – e defendia a autodeterminação para eles.

Algumas décadas depois, o Black Belt teria novamente um lugar proeminente na mente de pensadores e organizadores radicais. Em 1965, ativistas negros formaram a Organização de Liberdade do Condado de Lowndes (LCFO, também conhecida como Black Panther Party) após anos violentamente excluídos da vida política da região. Que permitiu a preparação tanto para ativistas locais como para outros, como Stokely Carmichael. E que ganhou notoriedade por sua independência política em relação ao Partido Democrata, marcado pela supremacia branca existente no estado.

Deve ter sido então uma pequena surpresa que os afro-americanos do Black Belt outra vez fizeram ouvir sua voz na eleição do dia 12. As pesquisas mostraram que 96% dos negros votaram em Jones, incluindo 98% das mulheres negras. (enquanto 68% dos brancos votaram no republicano Roy Moore).

A participação dos negros na eleição foi alta. O que levou a esse pico? O relatório da eleição revela que não era tanto o Partido Democrata que levou as pessoas às urnas, mas os grupos de militantes afro-americanos. Organizações negras como a NAACP (a tradicional National Association for the Advancement of Colored People, ou Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) entraram em contato com eleitores com bastante antecedência antes da eleição, chegando a milhares deles. Entre eles Vann Newkirk II, que relatou esta semana à revista Atlantic:

A campanha de Jones gastou relativamente pouco para mobilizar ativamente os eleitores negros. E, muitas vezes, evitou apelos raciais explícitos para não afastar os eleitores brancos da zona rural. Em vez disso, FEA uma colagem de grupos como Woke Vote (Voto Acordado) arrecadou fundos através de uma variedade de doadores locais e nacionais, usando esses fundos, por meses, para mobilizar as comunidades negras do estado. Eles se concentraram não apenas em divulgar candidatos únicos, mas na batalha de porta em porta, para conscientizar os eleitores e melhorar sua participação em eleições futuras.

Este é um modelo que, se estudado corretamente, poderia fornecer um caminho para a vitória em outros estados do Sul. Embora a privação de direitos dos eleitores ainda tenha influído no resultado final, o fato de que foi superado demonstra que os grupos de esquerda poderiam se concentrar ainda mais na luta contra o boicote a eleitores. Se uma política de esquerda pode sair do terreno nos EUA, será através da mobilização de milhões de pessoas que não só estão desiludidas com o processo político, mas também impedidas de votar.

Ao mesmo tempo, a eleição de 12 de dezembro se reflete mal no Partido Democrata: mesmo enfrentando um candidato tão deplorável quanto Roy Moore, o partido deixou a outros grupos a tarefa de mobilizar eleitores afro-americanos. É difícil dizer como a raça teria olhado com Luther Strange, o candidato do GOP (Grand Old Party, forma como muitos se referem ao Partido Republicano nos EUA), candidato nas primárias. O Sul continuará a ser um reduto de reação se os afro-americanos forem excluídos do processo.

A negligência dos democratas em relação aos eleitores do Black Belt não é novidade. É em grande parte resultado de sua fidelidade ao cálculo para o Colégio Eleitoral (que elege o presidente da República). Quase sempre sua principal preocupação é como alcançar os 270 votos nesse colégio, e acham que não vale a pena gastar recursos abaixo da linha Mason-Dixon (popularmente, fronteira entre o Norte e o Sul nos EUA). Mas eliminar o Sul permitiu aos políticos republicanos elaborar técnicas de eliminação de eleitores que afastassem os negros do Sul. Ao ignorar o Sul, os democratas incentivam a implementação de políticas regressivas que deixam para trás milhões de pessoas negras.

Além disso, os democratas do Sul que conseguem se eleger em diretórios estaduais são geralmente membros moderados, ou conservadores de seu partido. Vejam o governador da Carolina do Norte, Roy Cooper, e o recém-eleito governador da Virgínia, Ralph Northam. Ambos dão sinais de que, apesar de conquistar seus lugares graças aos negros em coalizões progressistas, estão mais do que felizes em voltar para o centro, para um compromisso nebuloso com os republicanos. Essa é uma receita para a desilusão e um desastre para a política progressista.

Os deputados do Partido Democrata no Congresso, desde 2010 – e, mais importante ainda, nas legislaturas estaduais – deixaram o partido em posição precária. No entanto, as vitórias nas disputas legislativas na Virgínia no início deste ano, juntamente com a vitória no Alabama, mostram que o Sul não precisa ser um bastião do republicanismo. Parte do eleitorado progressista mais forte do país vive no Sul. E só precisam ser ativados e mobilizados.

Mesmo a nível presidencial, os democratas não podem depender da demografia para alcancar vitórias, e poderiam ter os 270 votos no Colégio Eleitoral a cada quatro anos.Isso ainda deixaria o problema de eleger tantos deputados quanto federais. Para permanecer competitivo nessas eleições, os democratas terão que cultivar eleitores como aqueles do Black Belt. Eles terão que abraçar uma política abertamente progressista que ofereça melhorias tangíveis na vida das pessoas e lhes dê maior controle sobre seus destinos.

Se é uma boa política atrair os eleitores afro-americanos no Black Belt, também é, simplesmente, a coisa certa a fazer. Os recentes comentários de um funcionário das Nações Unidas sobre como as condições de vida no Alabama se assemelham aos de uma nação do Terceiro Mundo devem agitar a consciência de todos os americanos. Acabar com essa miséria exigirá lutar contra a classe dominante do Sul – e os eleitores afro-americanos, particularmente os pobres, e os da classe trabalhadora, devem constituir o cerne dessa política para reviver a esquerda.

A vitória de Doug Jones não traz consigo um novo dia de progresso político no Alabama, no Sul ou nos Estados Unidos. Mas sua vitória – o que deve aos eleitores do Black Belt – oferece um modelo para começar a luta política exaustiva, mas imperativa, para mudar a nação.

O breve auge da Reconstrução foi construído nas costas de valentes eleitores afro-americanos. A regeneração da democracia no rescaldo do Movimento dos Direitos Civis também se baseou em sacrifícios dos eleitores negros.

É hora de terminar a revolução.

(*) Robert Greene II é doutorando na Universidade da Carolina do Sul, e editor no blog da Society of US Intellectual Historians (Sociedade de historiadores intelectuais dos EUA).

Tradução de José Carlos Ruy