EUA a caminho de ser o “líder mundial da desigualdade extrema”

Philip Aston, relator da ONU, andou duas semanas pelos Estados Unidos e vai escrever um relatório para ser apresentado na ONU. Diz que os EUA caminham para ser "a sociedade mais desigual do mundo" e defende que Donald Trump está apressando a chegada nesse estágio

Philip Aston - Reuters

Philip Aston, relator especial das Nações Unidas, terminou a sua viagem de duas semanas pelos Estados Unidos para elaborar um relatório sobre a pobreza no país, que será entregue em maio de 2018 ao conselho de Direitos Humanos da ONU. O jornal Guardian acompanhou a visita e publicou a introdução do documento, onde Aston diz que os EUA estão a caminhando para se tornarem “o líder mundial da desigualdade extrema”, defendendo que as políticas fiscais que stão sendo implementadas por Donald Trump só vão agravar a situação.

Alston, um acadêmico australiano e professor de direito na Universidade de Nova Iorque, viajou pelo país a convite do Governo federal norte-americano – a quem agradece pela oportunidade – e passou por Los Angeles, São Francisco, Alabama, Geórgia, Porto Rico e pela Virgínia Ocidental. Durante essa viagem, lê-se na introdução publicada pelo Guardian, falou “com dezenas de especialistas e grupos de sociedade civil”, reuniu-se com políticos estaduais e federais e conversou “com muitas pessoas que estão sem casa ou vivendo na pobreza extrema".

Alston desenvolve então um forte ataque às políticas de Washington em relação à pobreza, afirmando que o pacote fiscal aprovado pelo Congresso aumentará de forma drástica as disparidades entre ricos e pobres, acusando Trump de estar tentando tornar a sociedade americana a sociedade "mais desigual do mundo”.

“Estamos entrando em 2018 – não deveríamos estar em um país com 41 milhões de pessoas vivendo na pobreza e tantos outros na pobreza extrema, e ninguém sequer fala disso”, disse o responsável da ONU.

As últimas estimativas apontam que 41 milhões de americanos vivem na pobreza (cerca de 13% da população), sendo que metade desses, cerca de 19 milhões, vive na pobreza extrema.

“O ‘Sonho Americano’ está se tornando rapidamente a ‘Ilusão Americana’ a partir do momento em que os EUA têm a mais baixa taxa de mobilidade social de todos os países ricos”, disse Alston em uma conferência de imprensa e citado pelo jornal britânico.

“O excepcionalismo americano [crença de que os EUA são um país qualitativamente diferente dos restantes] foi um tema constante nas minhas conversas”, relata o australiano na introdução do relatório que está preparando. “Mas, em vez de perceber os compromissos admiráveis dos seus fundadores, os Estados Unidos de hoje provaram ser excepcionais em caminhos muito mais problemáticos que estão de forma chocante em desacordo com a sua imensa riqueza e com o seu compromisso fundamental com os direitos humanos. Como resultado, aumentam os contrastes entre a riqueza privada e a miséria absurda”, continua, antecipando um relatório muito duro sobre a realidade social norte-americana.

Apesar de tudo isto, o acadêmico nota que encontrou vários exemplos positivos, falando de governantes estaduais e municipais que lutam contra a pobreza, uma sociedade civil “energética” em muitas zonas, “uma igreja católica em São Francisco que abre as suas portas para os sem-abrigo todos os dias” e a “extraordinária resiliência e solidariedade comunitária em Porto Rico”.

No final da primeira parte do relatório, Alston providenciou alguns dados sobre a sociedade norte-americana: “Segundo a maior parte dos indicadores, os EUA é um dos países mais ricos. Gasta mais em defesa nacional do que a China, Arábia Saudita, Rússia, Reino Unido, Índia, França e Japão, todos juntos”; “As despesas em cuidados de saúde dos EUA per capita são o dobro do que a média da OCDE e muito mais altas do que em todos os outros países. Mas existem muito menos médicos e camas de hospital por pessoa do que a média da OCDE”; “A taxa de mortalidade infantil em 2013 era a maior no mundo desenvolvido”; “A desigualdade dos EUA é muito maior do que na maioria dos países europeus”. E esses são apenas alguns exemplos.