Com Temer, Ordem do Mérito Cultural vira ordem do mérito do capital

Na última terça-feira (19), no Palácio do Planalto, foi realizada a cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Cultural (OMC). Anualmente, o Ministério da Cultura (MinC) seleciona personalidades e entidades consideradas relevantes para a cultura brasileira e confere, a cada uma, comendas de um dos graus da honraria: Cavaleiro, Comendador e Grã Cruz, a mais elevada.

O presidente Michel Temer, a primeira-dama Marcela Temer e o ministro Sérgio Sá Leitão participaram da cerimônia - Foto: Acácio Pinheiro/Ascom MinC)

Neste ano, o tema escolhido pelo Ministério da Cultura foi "Cultura, Inovação e Empreendedorismo". O objetivo, segundo Sérgio Sá Leitão, Ministro da Cultura de Temer, foi homenagear toda a cadeia econômica do setor. Essa parece ter sido a deixa para que a Ordem do Mérito, de cultural, passasse a Ordem do Mérito do Capital: dos 30 agraciados, 19 são, ou empresários, ou empresas, ou figuras ligadas ao meio empresarial e grande mídia.

Dentre os homenageados "in memoriam" com a Grã Cruz, há Domingos Alzugaray, fundador e dono da Editora Três, que publica a Revista Istoé e Augusto Marzagão, jornalista e executivo empresarial, braço direito do ex-prefeito de São Paulo e ex-presidente Jânio Quadros. Outro premiado é Eduardo Portela, Ministro da Educação e Cultura do Governo Figueiredo, último general da Ditadura de 1964.

Entre os vivos da Grã Cruz, destaca-se a figura do todo poderoso Boni, executivo da TV Globo e fecha a lista dos que receberam o grau máximo da ordem, Renato Aragão, o Didi de Os Trapalhões, um dos ícones da emissora dos Marinho.

Já a classe dos Comendadores da OMC conta com Eduardo Saron, do Itau; Luiz Calainho, multi-empresário, que já foi executivo da Sony; Fernando Alterio, dono da Time Four Fun; e o magnata do setor de exibição, conhecido por sua luta contra o direito à meia-entrada estudantil, Severiano Ribeiro. Acompanham Severiano um seu par, o dono da rede Cinemark, Marcelo Bertini; o CEO da Omelete Group, empresa do setor da denominada cultura pop, Pierre Mantovani; e Ricardo Amaral, o "Rei da Noite", empresário do entretenimento 'high society' do Rio e de São Paulo e do mesmo modo são premiados ainda o maestro Roberto Minczuk, o pianista internacional Marcelo Bratke, a escritora Ana Miranda e Mãe Neide D'Oxum.

O pequeno empresariado cultural ficou na classe de Cavaleiros. Moeller e Botelho Produções Artísticas Ltda., por trazerem ou produzirem no Brasil musicais da Broadway e de Londres, figuram ao lado de Beto Kelner, da grife de "artesanato chic" Gatos de Rua. Carlos Tafvesson, estilista e empresário da moda para festas e casamentos, que já apareceu algumas vezes no programa Ana Maria Braga, da Globo, e faz desfilar seus modelos na São Paulo Fashion Week, completa a lista de empreendedores composta ainda pelo designer e executivo Jair de Souza, a museóloga e fundadora da empresa Expomus Maria Ignez Mantovani, o empresário e consultor cultural Afonso Oliveira e o curador e produtor Marcello Dantas, proprietário da Magnetoscópio. Reforçam a linha empresarial, Luciane Gorgulho, do Departamento de Cultura do BNDES, e Claudia Costin, ex-secretária de cultura do Estado de São Paulo e de educação da Cidade do Rio. Costin foi Ministra da Administração do Governo FHC e é ligada à Fundação Victor Civita, vinculada à Editora Abril, dona da Revista Veja.

Coabitam a mesma categoria de Cavaleiro, o bloco de carnaval Galo da Madrugada, do Recife; Carla Camurati, atriz, cineasta, produtora e gestora cultural; Dona Onete, rainha do Carimbó paraense; o forrozeiro Genival Lacerda; Roberto Santucci, cineasta e produtor de blockbuster nacionais (filmes de forte apelo comercial e campeões de bilheteria); e Paulo Cruz, professor de filosofia no ensino público e privado, mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, que, segundo o Portal do MinC, "vem se destacando nas redes sociais por ser uma voz dissonante nos assuntos relacionados às questões raciais no Brasil".

Michel Temer, em discurso improvisado, elogiou o "ambiente fraternal" da OMC e confessou que sempre teve interesse em "ingressar no mundo artístico". Lembrou aos presentes que prorrogou o Recine e a Lei do Audiovisual, conforme prometera ao seu Ministro Sérgio Sá Leitão, e prometeu ampliar o orçamento da cultura para 2018. Já o Ministro da Cultura fez o elogio das reformas regressivas, antinacionais e antipopulares de Temer. Para o Ministro, elas são essenciais para o que considera desenvolvimento do país.

Para diferentes atores do cenário cultural brasileiro, a forte dose de canhestro liberalismo econômico na base dos critérios de seleção e premiação da OMC revela os efeitos do Golpe de 2016 na cultura. Para muitos, o MinC, ao premiar as Organizações Globo, o Grupo Civita, o Itau, o Cinemark e gente vinculada à Ditadura Militar, prova que abandona uma visada abrangente e democrática, expressa em programas como o Cultura Viva, o Mais Cultura na Escola e o Fundo Setorial do Audiovisual, e se atrela aos interesses do mercado e dos segmentos mais atrasados e conservadores da sociedade.