Fim da neutralidade da rede nos EUA pode ser pautada no Brasil

Nos bastidores do Congresso Nacional na última segunda-feira (18), depois do adiamento da votação da reforma da Previdência para fevereiro, a discussão sobre o fim da neutralidade da rede no Brasil já está na mira dos parlamentares ligados às empresas de telecomunicações e pode ser discutida no ano que vem.

Por Érica Aragão

internet cabo

Isso porque na última quinta-feira (14), ainda sem o referendo do Congresso Americano, foi divulgada a decisão da Comissão Federal de Comunicações (Federal Communications Commission – FCC, na sigla em inglês) de colocar fim à neutralidade da rede nos Estados Unidos.

“O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o maior interessado nesta medida, não tem a maioria do Congresso Norte Americano para aprovar o fim da neutralidade de rede, regra que torna a internet mais democrática. A decisão do FCC é o anúncio oficial da ditadura da informação e a discriminação de conteúdos e de usuários porque as operadoras vão direcionar o tráfego, e decidir o que as pessoas vão acessar na Internet”, contou o secretário de Comunicação Nacional da CUT, Roni Barbosa.

Roni explica que o fim da neutralidade da rede significa que a internet será como TV a cabo.

“Hoje, nos pacotes de internet com neutralidade você paga X e tem fluxo livre na internet, com direito a acessar sites de músicas, redes sociais, páginas de notícias, softwares, entre outros. Sem a neutralidade da rede o usuário precisará pagar por serviço usado. Para ver vídeo vai custar um preço, se quiser ver a rede social outro valor será cobrado e assim por diante. As teles vão lucrar mais e a população, principalmente a mais carente, terá seu acesso limitado”, denuncia o secretário.

Segundo matéria da Folha publicada na semana passada, as empresas de telefonia aguardarão as discussões da reforma da Previdência, para pedir a Michel Temer a revisão do decreto assinado pela ex-presidenta Dilma Rousseff, em 11 de maio de 2016, que garante a isonomia na internet (neutralidade de rede).

Para o doutor em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo), professor adjunto de da Universidade Federal do ABC e consultor de comunicação e tecnologia, Sérgio Amadeu “é claro que as operadoras de Telecom, que é um oligopólio mundial, vão agir no Brasil e na Europa para quebrar a neutralidade da rede aqui também”.

O professor garante que as empresas farão lobby e vão trabalhar para colocar fim na neutralidade no Brasil.

Ele alerta que o mais grave da medida é que “as operadoras de Telecom vão passar a ter o controle da criatividade e da inventividade nas redes” e exemplifica: “Se eu criar um protocolo agora na minha universidade de uma invenção na internet se funcionar, todo mundo vai usar e não precisa de autorização de ninguém. Com a quebra da neutralidade se eu criar um novo protocolo, por exemplo, internet 3D, eu vou ter que negociar com as operadoras de Telecom”, explica Amadeu.

A coordenadora do FNDC (Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação) e do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Renata Mielli frisou que a decisão do FCC foi a primeira batalha, não a guerra inteira e lembra que a pauta de Trump vai enfrentar ainda bastante resistência.

“São muitos setores da sociedade que estão se manifestando contra a decisão do FCC. A gente precisa lembrar que os principais desenvolvedores da WEB são personagens e intelectuais dos Estados Unidos, além disso, outras personalidades do mundo da internet estão alertando para os perigos que esta decisão traz para a democracia, para a liberdade de expressão, para o próprio principio da própria existência da internet para que foi pensada. Ainda tem muitos destes capítulos para acontecer”, alerta.

Sobre os riscos no Brasil, a conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI Br) Flávia Lefèvre, disse, em entrevista à Rede Brasil Atual, que as legislações dos dois países são bastante diferentes. Enquanto lá o acesso à internet é tratado como serviço de telecomunicações, aqui é considerado serviço de valor agregado, não cabendo sua regulação à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A revogação teria de passar, portanto, por uma mudança no Marco Civil da Internet.

Na avaliação feita pelo Rafael Zanatta, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), também a Rede Brasil Atual, diferentemente dos Estados Unidos, a aprovação de uma lei alterando o Marco Civil seria mais difícil. “Aqui o custo político é maior. Não é fácil mexer no Marco Civil, uma legislação de referência internacional e um texto construído democraticamente por um longo processo.”

Renata Mielli destaca: “O Brasil tem tudo para manter a neutralidade da rede como referência internacional, mas é preciso ficar de olho nos movimentos, principalmente dos empresários de telecomunicações. E caso isso aconteça por aqui só a mobilização da população em geral garantirá a continuação da neutralidade da rede. Esse não é um assunto de especialistas, ou dos movimentos de luta pela democratização da comunicação. É de toda a sociedade, principalmente dos que lutam pela democracia”, finaliza Renata.